Câmara de Cascais vende imóvel a empresa chinesa a preço de custo depois de investir mais de 340 mil euros na sua reconversão

1 fev 2023, 07:00
cascais

Tribunal de Contas já tinha levantado suspeitas por a autarquia ter vendido um conjunto de imóveis ao mesmo preço que o tinha comprado. Agora, documentos consultados pela CNN Portugal, mostram que a Câmara investiu vários milhares de euros em obras para um desses imóveis, antes de os vender, ao abrigo das leis covid

A Câmara Municipal de Cascais vendeu um conjunto de imóveis a uma empresa chinesa ao preço que os comprou, mesmo tendo investido mais de 340 mil euros num deles um ano antes. A empreitada avançou através de um ajuste direto enquanto vigorava o regime especial de contratação pública por causa da pandemia de covid-19.

Este negócio, que foi concluído entre o município liderado por Carlos Carreiras e a empresa Shining Joy em novembro de 2021, previa a venda de dois armazéns e um terreno por 1,75 milhões de euros, exatamente o mesmo preço pelo qual a autarquia tinha pago em 2020 pelos imóveis.

Certo é que um desses imóveis, um armazém situado na Rua Fernão Lopes, tinha sido alvo de uma obra de reconversão em junho de 2020, pouco tempo após ter sido comprado pela Câmara, com o intuito de servir a população para o combate à covid-19. Nessa altura, foi feito um ajuste direto no valor de 342.579,87 euros à empresa Briticasa - Sociedade de Construções, Lda, uma construtora de Leiria que nos últimos 10 anos lucrou mais de 4 milhões em contratos com a autarquia.

Imagem do exterior do Armazém vendido à empresa ShiningJoy

O dinheiro foi pago à construtora, num momento em que já tinha entrado em vigor um conjunto de leis que, por causa da pandemia, fazia com que este tipo de contratos de valor avultado pudessem ser concretizados através de ajuste direto e sem fiscalização prévia do Tribunal de Contas.

Contactada pela CNN Portugal, fonte oficial da Câmara de Cascais recusa que a autarquia tenha perdido dinheiro neste negócio, alegando que “os investimentos feitos na fábrica foram ressarcidos na venda das máquinas”, instaladas dentro do armazém, à mesma empresa chinesa, e “não dos imóveis”.

O negócio com a empresa chinesa Shining Joy, que foi uma das principais fornecedoras de máscaras em Cascais e que teve os seus produtos retirados do mercado sob ordem do Infarmed no final de 2021, foi colocado em causa pelo Tribunal de Contas por falta de transparência. E, segundo noticiou o jornal Público, a própria venda das máquinas referida pela autarquia à CNN Portugal está na origem desta auditoria feita pelo TdC.

Isto porque quando as duas máquinas que a câmara tinha na sua posse foram vendidas à empresa, por um valor pago em espécie de 6,5 milhões de máscaras, ficou também estabelecido que o negócio só se iria cumprir caso o Município vendesse os imóveis a preço de custo.

Quando a venda dos imóveis foi apalavrada em fevereiro de 2021, no entanto, o contrato para reconverter o armazém com o objetivo de integrar os esforços da autarquia no combate à covid-19 ainda estava a decorrer. À CNN Portugal, a autarquia garante que em nenhum momento a empreitada de reconversão deste armazém tinha em mente a sua venda à empresa Shining Joy, sublinhando que a negociação não teve qualquer impacto no contrato que chegou ao fim, segundo a plataforma BASE, em julho de 2021.

"Não faz sentido nenhum vender a preço de custo depois de se usar o dinheiro público para investir"

A empreitada de reconversão deste armazém, situado na Rua Fernão Lopes, foi adjudicada à empresa de Leiria Briticasa que trabalha quase exclusivamente, a nível público, com a câmara de Cascais. Dos 31 contratos que constam no Portal Base, 26 foram celebrados com a autarquia de Carlos Carreiras, lucrando um total de 4 269 473,37 euros.

À CNN Portugal, a Câmara de Cascais afirma que a empresa foi escolhida após terem sido feitas “consultas preliminares a várias empresas”, tendo sido a empresa de Leiria que “apresentou melhores condições”.

Para João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, seria “expectável” que o município tivesse obtido algum valor acrescentado com o imóvel vendido, já que foi alvo de investimento público. “Um particular só faria a venda nestas condições se estivesse aflito de dinheiro”, refere.

Massano afirma também que, “do ponto de vista ético, não faz sentido nenhum comprar um imóvel e vender a preço de custo depois de se usar o dinheiro público para investir nele”. O presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados refere ainda que o período de exceção das regras impostas à contratação pública durante a pandemia deram aso a que se “aproveitasse este alívio do controlo para fazer negócios impossíveis noutra altura”. “Há sempre quem se aproveite de uma forma desadequada da crise”, explica.

O próprio Tribunal de Contas, segundo a avaliação obtida pelo Jornal Público, considerou que este negócio se aproximou dos interesses da empresa Shining Joy, porque o pagamento foi feito “em espécie através da entrega de bens por ela produzidos” e a “futura transmissão dos imóveis" realizada "sem concorrência e ao preço de custo”.

Já de acordo com um relatório do Tribunal de Contas que analisou a contratação pública dos órgãos do poder local entre março de 2020 e março de 2021, a empreitada levada a cabo na fábrica agora detida pela empresa Shining Joy foi o quarto contrato mais caro celebrado por empresas municipais em todo o país. 

Aliás, a mesma investigação feita pelo Tribunal de Contas descobriu que a Cascais Próxima, a empresa publica encarregada de reconverter este armazém, foi responsável por adjudicar mais de metade do valor de todos os contratos atribuídos às empresas municipais do país. 

Ao todo, no período analisado pelo TdC, a Cascais Próxima foi responsável por contratos num valor de 2,9 milhões de euros. Esta fatura é colocada em perspetiva pelo Tribunal já que, a nível nacional, as empresas municipais gastaram um total de 5,8 milhões de euros durante este período.

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