Assassinatos, lóbi, recuos e avanços. Como os presidentes dos EUA lidaram com as armas

25 mai 2022, 13:05

Presidentes que voltaram atrás, outros que prometeram e não cumpriram. A história continua a vir ao de cima quando aparecem casos de tiroteios, mas a lei vai sofrendo avanços e recuos consoante os tempos

“Quando me tornei presidente pensava que não teria de voltar a fazer isto.” Foi com esta frase consternada que Joe Biden começou por se dirigir à nação norte-americana após o massacre numa escola básica do Texas, que fez 21 mortos, 19 dos quais crianças. É mais um episódio na longa história de episódios do género, e que vão acontecendo apesar da alternância de presidências. Como Joe Biden, também Barack Obama foi um acérrimo defensor de um maior controlo sobre as armas. Donald Trump e George W. Bush menos.

De Theodore Roosevelt, no início do século XX, a Barack Obama, em pleno século XXI, há imagens de presidentes com armas para todos os gostos. Antes disso, é sabido, era até comum que os presidentes tivessem armas personalizadas (Abraham Lincoln tinha a sua própria figura numa espingarda). Mas a nível político, houve uns mais a favor que outros quando se falou do controlo das armas.

Mortes que deram em lei

A década de 1960 ficou marcada pelos homicídios do presidente John F. Kennedy e do ativista Martin Luther King Jr. Esta última, em 1968, foi a gota de água que fez surgir a necessidade de uma política para controlar as armas.

No mesmo ano o Congresso aprovou o Ato de Controlo de Armas, com o objetivo de estabelecer novas categorias de crimes, bem como de proibir a venda de armas e munições a indivíduos condenados ou outras pessoas.

É o próprio Departamento de Álcool, Tabaco, Armas e Explosivos que confirma: “Depois dos assassinatos do presidente John F. Kennedy e do advogado Martin Luther King Jr. foi aprovada a lei.”

Era presidente Lyndon B. Johnson, que tinha sido o número dois do seu antecessor, morto a tiro em 1963.

Carro com o corpo de John F. Kennedy acelera para o hospital (Justin Newman/AP)

A mudança dos anos 90 (e a estagnação seguinte)

Na década de 1980 já se começava a ouvir falar de episódios em que jovens entravam em escolas para atirar indiscriminadamente sobre colegas e professores. Na passagem para a década seguinte, e de acordo com um estudo da Universidade de Harvard, 15% dos alunos admitiam que levavam armas para as escolas.

Coincidia com parte do mandato de George W. H. Bush, mandato que até foi calmo a este nível, e seria na abertura da presidência de Bill Clinton que uma importante legislação seria aprovada.

O presidente assinou uma lei que ficou conhecida como a Proibição Federal das Armas de Assalto, que fazia parte do Ato de Controlo de Crime Violento, e que também proibia a venda de carregadores automáticos. Durou apenas 10 anos, e as armas de assalto voltaram a poder ser comercializadas em grande parte do país a partir de 2004, já com a administração de George W. Bush.

De resto, com Bush (filho), a questão das armas foi sempre central: primeiro para ganhar as eleições de 2000 e 2004, numa altura em que os Estados Unidos viram vários tiroteios em massa em escolas, mas depois para voltar atrás e aprovar medidas a favor das armas, como a suspensão da lei em 2004.

Em 2005 o presidente assinou o Ato para a Proteção do Comércio Justo de Armas, com o objetivo de evitar que os fabricantes de armas fossem citados em processos federais ou estaduais em crimes que envolvessem armas.

Foi ainda na era de Bush que ocorreu um dos piores massacres da história. Em 2007, na universidade da Virgínia, um estudante abriu fogo com duas pistolas, acabando por matar 32 pessoas.

Com Barack Obama, e apesar da muita vontade em tentar aplicar leis mais duras ao comércio e transporte de armas, foram muito poucas as alterações efetuadas, mesmo apesar de os massacres continuarem a ocorrer.

Presidentes e a NRA

A Associação Nacional de Armas (NRA, na sigla original) é uma das organizações mais importantes e influentes dos Estados Unidos. Todos os anos faz lóbi junto dos políticos para que as armas continuem a ser comercializadas, chegando mesmo a dar dinheiro a congressistas para garantir que as suas ideias são ouvidas e representadas.

Ao longo dos anos foram vários os presidentes que pertenceram a esta organização. Foi o caso de Ronald Reagan, presidente no qual o mandato a NRA interferiu, nomeadamente no agilizar da lei de 1968. Apesar de ter sido alvo de uma tentativa de assassinato, o republicano aprovou, em 1986, o Ato de Proteção dos Donos de Armas, banindo o registo federal de armas e impedindo as autoridades de inspecionarem os comerciantes de armas.

Mas na tentativa de assassinato de Ronald Reagan, o secretário de imprensa, James Brady, também ficou ferido. O homem e a sua mulher tornaram-se ativistas, e conseguiram ganhar força para que, em 1993, uma lei com o seu nome fosse aprovada, obrigando à realização de uma investigação ao passado das pessoas com porte de arma. Ronald Reagan acabaria por apoiar a lei, ao mesmo tempo que admitia pertencer à NRA. “Quero dizer-vos uma coisa que não sei se sabem. Sou membro da NRA”, afirmou, para depois dizer que apoiava a lei Brady.

O conflito com a NRA também apanhou George W. H. Bush, membro vitalício que renunciou à posição depois de uma polémica posição daquela organização a seguir a um atentado terrorista que fez mais de 160 mortos no Oklahoma.

Depois de Bush (o pai), a NRA só voltou a ter um membro como presidente dos Estados Unidos com Donald Trump. Foi durante o mandato do anterior presidente que ocorreu o massacre em El Paso, Texas, onde 31 pessoas morreram.

Donald Trump na Convenção da NRA de 2018 (Susan Walsh/AP)

Donald Trump prometeu “fortes medidas de controlo” ao passado dos detentores de armas. Uma lei que passou no início de 2019, mas que sofreu várias críticas, uma vez que continuam a existir várias lacunas. Não é necessário fazer essa investigação caso a venda da arma seja entre familiares, por exemplo. O mesmo é dizer que um jovem pode comprar uma arma semiautomática ao pai sem que as autoridades tenham de dar um aval.

Os outros membros da NRA que chegaram a presidentes foram Ulysses S. Grant, Theodore Roosevelt, William Howard Taft, Dwight Eisenhower, John F. Kennedy e Richard Nixon.

Uma questão desde o início

“Uma milícia bem regulada, sendo necessária à segurança de um Estado livre, o direito do povo de ter e transportar armas, não será infringido.” É a segunda emenda à Constituição dos Estados Unidos, e foi aprovada em 1791. Foi a primeira vez que a lei norte-americana falou em armas, e o conteúdo desta emenda ainda hoje é polémico, porque muitos dizem que está a ser mal interpretada.

O presidente era ainda George Washington, o primeiro do país, e que era conhecido pela sua paixão pela caça. Numa frase famosa disse que “um povo livre não deve apenas ser armado, mas disciplinado”. Deixava clara a sua posição sobre as armas, até porque, na altura, era comum toda a gente carregar uma arma.

Depois disso só se voltou a falar em lei para as armas em 1934, com o Ato Nacional para as Armas, parte do chamado "New Deal" para o crime, e que foi instituído por Frank D. Roosevelt. O objetivo era evitar a propagação de crimes nas comunidades, quando começavam a aparecer os gangues. Esta lei impôs um imposto na fabricação, venda e transporte de armas, nomeadamente shtoguns, espingardas, armas automáticas e silenciadores.

Quatro anos mais tarde falou-se da necessidade de uma licença para os fabricantes e importadores, bem como vendedores. Foi o Ato Federal de Armas, que estabeleceu ainda que criminosos não podiam comprar armas. Esta lei precedeu a de 1968, que manteve parte das suas bases.

Quando as armas mataram presidentes

Quatro presidentes dos Estados Unidos foram mortos durante o exercício do cargo, todos alvejados. Abraham Lincoln foi o primeiro, e John F. Kennedy o último. Pelo meio morreram James Garfield e William McKinley.

Abraham Lincoln morreu poucos dias após o fim da Guerra Civil, em 1865. Um defensor dos Confederados, que tinham sido derrotados, John Wilkes Booth entrou no teatro onde estava o presidente para o balear mortalmente na cabeça.

Pistola utilizada para matar Abraham Lincoln (AP)

Em 1881, apenas quatro meses após assumir a presidência, James Garfield foi alvejado com dois tiros na estação de comboios de Baltimore. Passou várias semanas a tentar recuperar, mas acabou por morrer na sequência de complicações relacionadas com o caso. O atirador, Charles Guiteau, afirmou que estava desiludido com o presidente e que por isso tinha decidido matá-lo.

William McKinley foi morto no início do século XX por um anarquista chamado Leon Czolgosz, que o atingiu com dois tiros no abdómen. O presidente viria a morrer na sequência de complicações.

O assassinato de John F. Kennedy, popular presidente que foi morto durante um desfile, com um tiro de longo alcance disparado por uma espingarda de Lee Harvey Oswald, foi um dos momentos mais trágicos das presidências dos Estados Unidos, até porque se tratava de um presidente muito querido. Foi morto com dois tiros, um deles na cabeça.

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