Porque a corrida ao armamento corre o risco de ficar fora de controlo na Ásia

CNN , Análise de Brad Lendon
19 jan 2023, 22:00
O presidente dos EUA Joe Biden e o primeiro-ministro japonês Fumio Kishida a caminho da Sala Oval para uma reunião na Casa Branca no dia 13 de Janeiro. Créditos: Kevin Dietsch/Getty Images

De um lado Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul, do outro a China e a Rússia, pelo meio a Coreia do Norte e Taiwan. Com cada um a querer estar um passo à frente dos outros, todos são apanhados num círculo vicioso que está a girar fora de controlo

É uma corrida ao armamento maior do que tudo o que a Ásia alguma vez viu – três grandes potências nucleares e uma em rápido desenvolvimento, as três maiores economias do mundo e alianças de décadas, todas a lutar por uma vantagem em algumas das áreas terrestres e marítimas mais disputadas do mundo.

De um lado estão os Estados Unidos e os seus aliados Japão e Coreia do Sul. Do outro a China e a sua parceira Rússia. E existe ainda a Coreia do Norte.

Com cada um a querer estar um passo à frente dos outros, todos são apanhados num círculo vicioso que está a girar fora de controlo. Afinal, a dissuasão de um homem é a escalada de outro.

“Vamos continuar a ver esta espiral dinâmica na Ásia Oriental, onde não temos medidas de contenção, não temos controlo de armas”, disse Ankit Panda, especialista em política nuclear do Carnegie Endowment for International Peace, um think-thank norte-americano, à CNN.

A visita dos líderes japoneses a Washington durante a última semana serviu apenas para realçar o ponto. Na sexta-feira, após uma reunião com o presidente dos EUA, Joe Biden, o primeiro-ministro japonês Fumio Kishida manifestou a sua preocupação com as atividades militares da China no Mar da China Oriental e com o lançamento de mísseis balísticos sobre Taiwan que caíram em águas perto do Japão em agosto.

Kishida advertiu Pequim contra a tentativa de “mudar a ordem internacional” e disse ser “absolutamente imperativo” que o Japão, os EUA e a Europa se mantenham unidos em relação à China. As suas palavras chegaram poucos dias depois de ministros americanos e japoneses terem falado ameaçadoramente sobre a “expansão contínua e acelerada do arsenal nuclear (da China)”.

Navios de guerra japoneses e sul-coreanos juntam-se ao submarino USS Annapolis e ao porta-aviões norte-americano Ronald Reagan, durante um exercício combinado trilateral antissubmarino a 30 de setembro de 2022. Créditos: Ministério da Defesa da Coreia do Sul/Getty Images

No entanto, segundo a Coreia do Norte e a China, o agressor é o Japão: viram Tóquio comprometer-se, recentemente, a duplicar os seus gastos com defesa enquanto adquire armas capazes de atingir alvos dentro do território chinês e norte-coreano. E as suas alegadas preocupações só terão crescido com o anúncio, há poucos dias, de planos para novos destacamentos de fuzileiros navais dos EUA nas ilhas do sul do Japão, incluindo novos mísseis antinavio destinados a impedir qualquer primeiro ataque de Pequim.

Para Estados Unidos e Japão, tais medidas são de dissuasão; para Pequim, são escalada.

Desenterrar o passado

A China afirma que as suas preocupações se baseiam em razões históricas. Diz temer que Tóquio esteja a regressar ao expansionismo militar da era da Segunda Guerra Mundial, quando as forças japonesas controlavam vastas áreas da Ásia e a China. Cerca de 14 milhões de chineses morreram e até 100 milhões tornaram-se refugiados durante os oito anos de conflito com o Japão, de 1937 a 1945.

Pequim insiste que os planos, que incluem a aquisição pelo Japão de armas de “contra-ataque” de longo alcance, como mísseis Tomahawk, e que podem atingir bases dentro da China, mostram que Tóquio ameaça uma vez mais a paz na Ásia Oriental.

Mas os críticos suspeitam que a China tem um motivo secundário para desenterrar feridas históricas – desviando a atenção do seu próprio fortalecimento militar.

Dizem que, mesmo quando Pequim rejeita veementemente as preocupações americanas e japonesas sobre o seu poderio militar florescente, tem vindo a aumentar as suas forças navais e aéreas em áreas próximas do Japão, enquanto reivindica as Ilhas Senkaku, um grupo de ilhas desabitado controlado pelo Japão no Mar da China Oriental, como seu território soberano.

No final de dezembro, o Japão disse que navios do governo chinês tinham sido avistados na zona contígua em torno das ilhas, conhecidas como Diaoyu na China, em 334 dias em 2022, o máximo desde 2012 quando Tóquio adquiriu algumas das ilhas a um proprietário privado japonês. De 22 a 25 de dezembro, os navios do governo chinês passaram quase 73 horas consecutivas em águas territoriais japonesas ao largo das ilhas, a mais longa incursão deste tipo desde 2012.

Uma frota chinesa parte para um exercício naval com a Rússia a partir de um porto militar em Zhoushan, província de Zhejiang, no leste da China, em 20 de dezembro de 2022. Créditos: Li Yun/Agência de Notícias Xinhua/Getty Images

A China também tem aumentado a temperatura através do reforço da sua parceria com a Rússia. Um funcionário do Departamento de Estado disse recentemente à CNN que isto não só tinha impulsionado alguns dos acordos EUA-Japão, mas também que a invasão russa da Ucrânia tinha "movido as coisas ao dobro da velocidade", dada a forma como o presidente russo Vladimir Putin e o líder chinês Xi Jinping demonstraram a sua estreita relação na preparação dos Jogos Olímpicos de Pequim.

E a Rússia tem mostrado as suas capacidades militares no Pacífico, inclusive em dezembro, quando os seus navios de guerra se juntaram aos navios e aviões chineses para um exercício de fogo real durante uma semana no Mar da China Oriental.

A agressão de Pequim tem sido particularmente visível quando se trata de Taiwan, uma ilha autónoma de 24 milhões de habitantes que o Partido Comunista Chinês reivindica como seu território, apesar de nunca tê-la controlado.

Xi recusou-se a descartar o uso de força militar para colocar a ilha sob o controlo de Pequim, e a China aumentou as suas atividades militares agressivas à volta da ilha, especialmente desde a visita da então presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, em agosto. Nos dias que se seguiram à visita de Pelosi, a China realizou exercícios militares sem precedentes ao redor da ilha, disparando vários mísseis perto das suas águas e enviando os seus aviões de guerra para assediá-la.

Ainda na semana passada, a China enviou 28 aviões de guerra pelo Estreito de Taiwan, incluindo caças J-10, J-11, J-16 e Su-30, bombardeiros H-6, três drones e um avião de alerta e reconhecimento. Este exercício foi semelhante a um realizado no dia de Natal, quando o Exército de Libertação Popular (as Forças Armadas chinesas) enviou 47 aeronaves através da fronteira marítima que os separa.

No meio de tais ações, a determinação dos EUA permaneceu forte. Washington continuou a aprovar uma lista crescente de vendas militares à ilha, em conformidade com as suas obrigações ao abrigo da Lei de Relações com Taiwan.

A escalada nuclear da Coreia do Norte

Mil milhas a norte de Taiwan, falar de cooperação na Península da Coreia é o mesmo que descrever uma luz muito fraca.

O líder norte-coreano Kim Jong-un apregoa um “aumento exponencial” do seu arsenal de armas nucleares, a partir de 2023, e está a construir uma frota de lança-mísseis “super grandes” que podem atingir qualquer ponto do Sul com uma ogiva nuclear .

Num relatório divulgado na quinta-feira, o Instituto de Análise de Defesa da Coreia do Sul (KIDA, na sigla original) disse que o plano de Kim pode materializar-se em 300 armas nucleares nos próximos anos.

Trata-se de um grande passo em frente desde 2022, quando o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI, na sigla original) estimou que Pyongyang tinha 20 armas nucleares montadas e material físsil suficiente para perfazer até 55.

O líder norte-coreano Kim Jong Un inspeciona um míssil balístico intercontinental (ICBM) numa fotografia divulgada em 19 de novembro de 2022, pela Agência Central de Notícias da Coreia do Norte. Créditos: KCNA/Reuters

Trezentas ogivas nucleares colocariam a Coreia do Norte à frente de nações nucleares há muito estabelecidas como França e Reino Unido e deixariam-na apenas atrás de Rússia, Estados Unidos e China no ranking de reservas nucleares do SIPRI.

Tal perspectiva fez com que o presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, prometesse um fortalecimento militar do seu país.

“Construir firmemente uma capacidade (militar) que nos permita contra-atacar 100 vezes ou 1.000 vezes é o método mais importante para prevenir ataques”, disse Yoon esta semana, citado pela agência de notícias estatal Yonhap.

Ele até levantou a possibilidade de a Coreia do Sul construir o seu próprio arsenal nuclear, sugerindo que o seu país poderia “utilizar armas nucleares táticas ou possuir as suas próprias armas nucleares”.

A ideia de a Península da Coreia ser anfitriã de ainda mais armas nucleares é algo que os líderes dos EUA temem – mesmo que essas armas pertençam a um aliado.

O desenvolvimento de armas nucleares significaria também que a Coreia do Sul perderia parte do moral alto que tem ocupado desde a sua adesão em 1992 à Declaração Conjunta de Desnuclearização da Península da Coreia e que Pyongyang tem violado repetidamente.

Assim, para tranquilizar o seu aliado, os EUA deixaram claro que o apoio de Washington à Coreia do Sul é “de ferro” e que todos os recursos militares dos EUA estão em cima da mesa para a proteger.

“Os Estados Unidos não hesitarão em cumprir o seu compromisso de dissuasão com a Coreia do Sul, utilizando um amplo espectro de capacidades de defesa dos EUA e que se estende à defesa nuclear, convencional e também antimísseis”, disse, na quinta-feira, o almirante Mike Gilday, chefe de operações navais, num fórum virtual do Instituto de Estudos Coreano-Americanos (ICAS, na sigla original) na quinta-feira.

Gilday citou como exemplo do apoio dos EUA ao Sul a visita de um porta-aviões norte-americano ao porto sul-coreano de Busan, no ano passado. Mas é precisamente essa exibição de um dos navios de guerra mais poderosos de Washington no quintal da Coreia do Norte que Pyonygang vê como uma ameaça.

E assim a espiral continua.

Ainda assim, à medida que a corrida às armas na Ásia acelera, uma coisa ficou clara: EUA, Japão e Coreia do Sul só se envolverão num conflito em grupo e nunca isolados.

A presença de Kishida e de outros líderes japoneses em Washington na última semana forneceu ampla evidência disso mesmo.

“Quanto mais próximos trabalharmos juntos, mais fortes ficaremos”, sublinhou o almirante Gilday sobre a cooperação a três durante seu discurso ao ICAS. “Esperemos que isso convença qualquer potencial adversário de que não vale a pena dar um passo.”

A perseverança é necessária face à pressão implacável dos adversários, acrescentou.

“Não devemos ser dissuadidos e não devemos perder a coragem em termos do que é preciso para nos mantermos unidos.”

Relacionados

Ásia

Mais Ásia

Patrocinados