opinião
Diretor executivo CNN Portugal

O governo não sabe o que fazer ao dinheiro

14 dez 2022, 17:55

Agora, Costa vai passar um milhão de cheques de 240 euros. Isto não é política orçamental nem política económica, é uma espécie de lavagem política de dinheiro, de um Governo que nunca cobrou tanta receita e tem vergonha de estar a lucrar com a crise

Andámos tantos anos a falar em orgias de despesa pública que nunca nos ocorreu isto: uma orgia de receita pública: nunca o governo pensou ver tanto dinheiro nos cofres do Estado este ano. E o que faz? Oferece. Literalmente: dá dinheiro. Não é só falta de imaginação, é falta de política. E não é altruísmo, é uma solução apavorada para um problema, o de o Estado estar a lucrar com a crise das famílias, com a inflação, com alguns efeitos da guerra.

Não é uma jogada de mestre, é só uma jogada fácil. Dar dinheiro “a quem precisa” é inatacável, mas a questão aqui não é a medida em si, é perceber três outras coisas: a razão para ela existir, a motivação para ela avançar e a demissão que ela representa.

A razão para ela existir: receita a mais. O Estado é uma vaca gorda num pasto magro, encaixando valores pantagruélicos de IVA porque o consumo, o turismo e a inflação sobem, lambuzando-se de IRS e contribuições sociais porque o emprego sobe, de IRC porque (algumas) empresas lucram, de impostos diretos e indiretos, de taxas, de multas, de tudo o que vem à rede.

A motivação para dar dinheiro: é preciso gastar para fechar o ano sem contas públicas boas de mais. É tão simples como isso: com um crescimento económico e um emprego acima das estimativas, as receitas sobem quase 20% e o governo percebeu no verão que o Estado facilmente teria superavite orçamental, o que seria inaceitável num país em crise. Este é um ano estranho, em que as famílias perdem poder de compra enquanto o Estado mergulha em notas como um Tio Patinhas sem avareza. Então, começou a gastar.

O dinheiro está a ser gasto a eito, em boas e más medidas, algumas para encher os bolsos, outras para encher o olho, outras bem medidas e outras desmedidas. Por exemplo, as decisões na energia foram em geral boas. Outras, como o dar dinheiro e as pensões, merecem segundo olhar. Os cheques (primeiro o de 125 euros, agora o de 240 euros) são medidas à americana e raras em Portugal. Nos EUA, a razão é tipicamente macroeconómica, incentivar o consumo para contrariar uma recessão. Em Portugal, a razão não é macroeconómica, é vergonha de ganhar tanto. Quando diz que está “a devolver dinheiro”, o Governo fala como um comerciante manhoso que extorquiu de mais e ficou com pesos na consciência. Já o pagamento extraordinário de meia pensão foi um duplo truque: fazer parecer que o aumento das pensões do próximo ano será maior do que é – e gastar este ano o que é anunciado como se fosse despesa do próximo. Porque este ano está a ser estupidamente bom para as finanças públicas – mas o próximo já não será.

Finalmente, a demissão que dar dinheiro representa: a demissão de ter política económica. Passar um milhão de cheques é uma medida isolada, o que tanto evita crescimento da despesa rígida como desagrava o risco de criar mais inflação com estímulos permanentes da procura. Mas dar dinheiro é mesmo só dar dinheiro. Não é uma escolha política, não é uma opção estratégica, não é basicamente nada a não ser passar cheques.

Daí o título deste artigo: o Governo não sabe o que fazer ao dinheiro. E, portanto, abre a janela e atira-o “a quem mais precisa”. Só um governo fragilizado precisa tanto de trabalhar para as sondagens. Só uma maioria absoluta com coragem relativa se precipita em distribuir colheita sem cuidar de semear. Porque quem encaixa tanta receita pode pensar em financiar reformas, em baixar a dívida, em descer impostos ou em aumentar o investimento, pode pensar em mil alternativas que visem o crescimento futuro. Mas não: António Costa prefere o curto prazo, é um primeiro-ministro protetor, passa cheques em dezembro e, pelos vistos, acredita no Pai Natal – é ele próprio.

Colunistas

Mais Colunistas

Patrocinados