Combustíveis, gás, rendas, conta do supermercado, juros… O que vem aí no pacote de apoios do Governo?

1 set 2022, 07:00
António Costa e Fernando Medina Getty Images

ANÁLISE António Costa anunciará na segunda-feira um “pacotão” de medidas de combate à inflação e de compensação dos seus efeitos. Eis o que já se sabe e as áreas possíveis de intervenção.

O governo vai reunir-se na segunda-feira num Conselho de Ministros Extraordinário para aprovar um pacote de medidas de combate à inflação. Algumas das medidas já são conhecidas, outras estão ainda a ser estudadas. A CNN Portugal analisa os vários problemas que os portugueses estão a sentir diretamente na carteira e aponta soluções.

Aumento generalizado de preços

Problema: a inflação está nos níveis mais elevados dos últimos 30 anos.

A estimativa do INE para agosto é de uma inflação de 9%, uma ligeira redução face aos 9,1% em julho. Isto significa que é preciso gastar 1090 euros este ano para pagar um cabaz de bens e serviços que há um ano custava 1000 euros. A realidade está a ultrapassar todas as previsões iniciais (em janeiro o governo previa 2,9% para este ano) - e a surpreender os portugueses, que não veem aumentos salariais correspondentes: no segundo trimestre deste ano, os salários subiram em média 3,1%, o que significa perdas reais como não se viam há décadas.

Em vários países, a inflação já estava a subir antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, em resultado sobretudo dos apoios financeiros dados pelos Estados e do aumento da poupança na pandemia (que levou a aumentos subsequentes do consumo, não correspondidos por aumentos da oferta, até por causa das dificuldades nas cadeias logísticas). A guerra criou uma nova vertigem, sobretudo nos produtos energéticos e alimentares. A Europa sofre ainda o efeito da desvalorização do euro face ao dólar, pagando mais caro pelos produtos transacionados na moeda norte-americana, como é o caso dos produtos petrolíferos.

Soluções: subir taxas de juro, conter aumentos de salários, cortar impostos e taxas, subsidiar.

Não lhe parece solução para si, pois não? Não é sadismo (nem masoquismo), são receitas combinadas dos economistas e dos governos. Não são as únicas medidas possíveis, mas é nesse sentido que se está em Portugal.

A subida das taxas de juro já está em curso e vai intensificar-se. Ela tem origem nas decisões dos bancos centrais e acaba por contagiar todas as outras taxas de mercado, incluindo as Euribor. Esta é considerada uma das medidas mais eficazes no combate à inflação, mas tem um custo grande para os agentes económicos. A lógica é: com empréstimos mais caros, haverá menos pedidos de novos créditos e mais estímulo para amortizar empréstimos ativos. Se há menos crédito, há menos moeda a circular e menos procura. Com menos procura, a pressão sobre os preços desce.

Individualmente, ler ou ouvir que é preciso conter salários para combater a inflação pode até ser revoltante, porque condena a perdas reais de rendimento. Mas, até por isso mesmo, travar aumentos de salários na economia é uma forma de conter a procura. O ministro das Finanças e o governador do Banco de Portugal já se pronunciaram neste sentido, prenunciando que os aumentos da função pública para 2023, decididos pelo Estado, deverão ser inferiores à taxa de inflação. Essa decisão, contudo, só será tomada no final do ano.

Cortar taxas e impostos é outra forma de descer preços. Veja-se o exemplo do IVA: se a taxa de 23% baixasse, o preço final dos produtos também desceria. É, na prática, o que o governo está a fazer desde maio nos combustíveis, ao descer o imposto sobre os produtos petrolíferos no equivalente a uma descida do IVA de 23% para 13%. Em Espanha, o governo anunciou a descida do IVA no gás natural a partir de outubro, de 21% para 5%. 

Subsidiar é uma forma de descer preços (se for feito aos produtores) ou de compensar quebras de rendimento (se for aos consumidores). Foi o que o governo já fez por exemplo no apoio às famílias carenciadas, de €10 para as botijas de gás e no apoio extraordinário de €60 em três meses para o cabaz alimentar.

Combustíveis

Problema: aumento dos produtos petrolíferos. A 23 de fevereiro, véspera da invasão da Ucrânia pela Rússia, o petróleo já acumulava uma subida de quase 50% num ano: estava a 94 dólares por barril (índice Brent). Depois disso, entrou numa montanha-russa, chegando a um máximo de 139 dólares a 3 de julho. Desceu entretanto, chegando ao final de agosto a 95 dólares – apenas mais 1% do que estava antes da guerra. Mas esta comparação oculta dois detalhes importantes: o euro desvalorizou quase 9% face ao dólar desde o início da guerra, logo o Brent está 10% mais alto em euros do que então; as gasolineiras não compram petróleo bruto, mas sim produtos refinados, que têm aumentado muito em parte por causa das sanções do Ocidente à Rússia, que é um grande produtor de gasóleo. E é precisamente sobre o gasóleo que tem havido maiores pressões nos preços.

Soluções: descida do ISP. Está em vigor desde maio e até pelo menos ao fim de setembro, aplicando-se neste momento um corte de 28,2 cêntimos no gasóleo e de 32,1 cêntimos na gasolina. O preço dos gasóleos chegou ao final de agosto 22 cêntimos mais caro do que estava na véspera da guerra - e estaria 51 cêntimos mais caro sem o corte do ISP. As gasolinas estão sensivelmente aos mesmos preços de 23 de fevereiro, mas estariam mais de 30 cêntimos mais caras sem o corte de ISP. Não é no entanto claro que este corte vá manter-se: várias opiniões contestam a medida por ser “cega”, beneficiando tanto famílias carenciadas como ricas. É possível que a medida venha a ser cancelada depois de setembro e seja substituída por apoios apenas a empresas de transportes e por mais apoios a famílias carenciadas.

Eletricidade

Problema: Aumento do custo. A eletricidade é produzida a partir de várias fontes, renováveis e não renováveis, incluindo centrais a carvão (que foram desativadas em Portugal) e a gás natural, cujo custo disparou com a guerra. Apesar de Portugal ter um peso considerável de produção a partir de fontes renováveis, ainda depende de produção a centrais de gás natural e tem o mercado interligado com Espanha: os custos no chamado mercado grossista (que é comprado em grosso por distribuidores).

Soluções: o “travão ibérico”. Em vigor desde 15 de junho. É um mecanismo negociado por Espanha e Portugal junto da Comissão Europeia que coloca um máximo de aumento de custo às empresas, redistribuindo esse custo pelos consumidores beneficiados. O mecanismo não impede aumentos, mas atenua-os. Em agosto, por exemplo, o custo do megawatt-hora foi de 19,4%, noticiou o Negócios.  

Os ministros Duarte Cordeiro e Pedro Nuno Santos estão envolvidos na preparação do pacote de medidas do governo de combate aos efeitos da inflação, o primeiro na energia e o segundo nas rendas. 

Gás natural

Problema: os preços internacionais dispararam. Uma das principais causas é a redução do fornecimento do gás russo à Europa, em resultado de sanções do Ocidente e do compromisso da União Europeia de reduzir a dependência de alguns países. A decisão é no entanto progressiva e implica novas fontes de abastecimento, o que já levou o chanceler alemão a propor a criação de um gasoduto a partir da Península Ibérica (abastecida sobretudo por navio) para a Europa central.

Soluções: passagem de clientes domésticos e pequenos negócios do mercado liberalizado para o mercado regulado. Em vigor. O governo estima poupanças em até 70% face ao que os clientes pagarão se se mantiverem no mercado liberalizado, onde os preços podem disparar cerca de 150% em outubro. A passagem para o mercado regulado não impede aumentos face ao que se pagava antes da guerra, mas atenua substancialmente os aumentos. Em Espanha, o governo anunciou a descida do IVA no gás natural a partir de outubro, de 21% para 5%

Gás de botija

Problema: aumento dos preços. Mesmo antes do início da invasão da Ucrânia pela Rússia, as botijas de gás já tinham aumentado 17% em nove meses. Depois, os preços dispararam, o que levou o governo a intervir logo em março.

Soluções: preços máximos de botija e subsídio a carenciados. A fixação de preços máximos entrou em vigor a 16 de agosto, impondo uma poupança de quase 3,2 euros por garrafa de butano de 13 quilogramas. Já os subsídios a carenciados não estão neste momento em vigor, mas deverão ser anunciados de novo pelo governo na próxima segunda-feira. Na vez anterior, em março, o governo atribuiu um subsídio de 10 euros por botija de gás e por mês durante três meses.

Alimentação

Problema: os preços dispararam. Se os maiores aumentos estão na energia (31% em julho, segundo o INE), também o custo dos produtos alimentares disparou, quase 14% em julho face a um ano antes, de acordo com o INE. Segundo o cabaz da Deco, o peixe subiu 19,1% desde o início da guerra, tendo a carne aumentado 17,14% nestes seis meses, a mercearia 12,43%, as frutas e legumes 10,16% e os laticínios 8,9%.

Soluções: subsídio ao cabaz alimentar. A medida foi aplicada em março e durante três meses, não estando neste momento em vigor. É provável que seja reposta na próxima semana, eventualmente com valores mais elevados. Na altura, o apoio extraordinário ao cabaz alimentar foi anunciado e estendido, sendo concedidos €20 por mês durante três meses, num total de €60 euros. Puderam recebê-lo as pessoas abrangidas pela tarifa social de eletricidade e beneficiários de outras prestações sociais mínimas.

Rendas

Problema: aumentos à inflação no próximo ano. Os dados provisórios da inflação de agosto apontam para um aumento das rendas em Portugal de 5,43%. Será a maior subida em décadas, que compara por exemplo com um aumento de 0,43% este ano.

Soluções: o governo está a preparar medidas de intervenção, mas ainda não pronunciou o seu sentido. Tipicamente, há duas opções a tomar: ou fixar um tecto máximo de aumentos, como fez Espanha (que limitou os aumentos a 2%) ou subsidiar famílias carenciadas para compensar o aumento. O tema é sensível, porque não só é uma intervenção num mercado hoje liberalizado como proteger inquilinos prejudica senhorios. Uma forma de compensar os proprietários seria por exemplo descer as taxas IMI, para que pagassem menos imposto.

Crédito à habitação

Problema: juros dispararam. As taxas Euribor, a que está indexada a maior parte dos créditos à habitação, já subiu cerca de 1,5 pontos percentuais este ano e prevê-se que a subida não ficará por aqui. O impacto nas prestações não é imediato, mas acabará por chegar à medida que o tempo passa e as prestações são revistas. Só o aumento verificado até agora, de 1,5 pontos percentuais, significa mais 125 euros por mês por cada cem mil euros de dívida.

Soluções: não está nada anunciado nem prenunciado até agora. Fixar um tecto máximo aos juros seria uma bomba-atómica que não está ao alcance do governo, nem a Comissão Europeia ou o BCE o permitiriam facilmente. Mesmo subsidiar famílias carenciadas seria polémico, porque seria financiar créditos a quem pode ter falta de rendimentos mas tem património que pode vender – a casa. Na pandemia, o governo criou moratórias ao crédito à habitação para famílias com perdas de rendimento, medida que em teoria poderia ser reconfigurada para o tempo atual. Mas o governo não deu até agora qualquer sugestão de que pretenda intervir nesse sentido.

 

Texto atualizado às 10:00 de 1 de setembro com informação de anúncio de descida do gás natural em Espanha.

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