Botões, formulários e anúncios - como os da imagem de capa deste artigo - mostram os primeiros dias do Project Match, um dos primeiros sites de encontros online
“O seu negócio é o nosso prazer. O seu prazer é o nosso negócio”.
Este foi o slogan pendurado do lado de fora de um dormitório de Harvard em 1965, marcando o primeiro serviço digital de encontros nos Estados Unidos da América. Décadas antes do Tinder e do OK Cupid, houve o Operation Match [Operação Compatibilidade].
Apesar de algumas das atuais aplicações de namoro nos manterem no mercado, facilitando os encontros sexuais sem compromisso, a primeira incursão no mundo dos encontros digitais deveu-se a um desejo sincero de que os homens conhecessem membros do sexo oposto. Cansados de encontros chatos, organizados pelas faculdades femininas, e incapazes de conhecer muitas mulheres na vida universitária em Harvard, os colegas Jeff Tarr e Vaughan Morrill deixaram-se inspirar, depois de uma noite de copos, quando tentaram ver se um computador conseguia encontrar um par para eles.
E mesmo que a ambição de Jeff Tarr passasse por conhecer mulheres, o sucesso da Operation Match acabou, de forma irónica, por deixá-lo demasiado ocupado e sem tempo para namoros. Acabou por encontrar o amor alguns anos mais tarde, mas através de um recurso para solteiros diferente: um encontro às cegas. Para assinalar o 80º aniversário de Jeff Tarr no início deste ano, a mulher, Patsy Tarr, decidiu escrever sobre a Operation Match como uma espécie de oferta. A empreitada acabou por ganhar escala, transformando-se num livro a sério.
“Conhecer alguém e namorar era algo completamente diferente”, recorda Patsy Tarr, refletindo sobre como era a cena amorosa na década de 1960. Patsy Tarr tinha usado a Operation Match antes de conhecer Jeff. Contudo, não teve sorte. “Parecia arriscado e excitante poder conhecer alguém através de um computador, em contraste com aquilo que era o percurso tradicional”.
Um questionário exaustivo
No arranque do seu trabalho em conjunto, Tarr e Morril tomaram consciência de que os seus principais clientes seriam outros estudantes universitários que, como eles, estavam desejosos para agitar a sua vida amorosa. Por isso, a Operation Match foi desenvolvida a pensar nas suas necessidades (e desejos). Na essência do projeto estava um questionário com 75 pontos, abordando interesses, formação, aparência física, raça e – algo avançado e escandaloso para 1965 – posicionamentos em relação ao sexo. Era solicitado aos participantes que respondessem duas vezes, na primeira descrevendo-se a si mesmos, na segunda a descrever o seu par ideal.
Ainda assim, o questionário da Operation Match englobava normas sociais que hoje nos parecem antiquadas. Por exemplo, perguntava às mulheres se tinham encontrado o seu “príncipe encantado” e aos homens se “preferiam conhecer uma universitária obediente, sexy e não demasiado inteligente”. Tal não significa que este serviço não tenha servido também como um veículo de mudança social. A disponibilização de contracetivos, por um lado, e a manutenção das expectativas conjugais tradicionais, por outro, transformavam os meados da década de 1960 num período complexo para as jovens que procuravam integrar-se.
No seu desejo de explorar, as mulheres abriram novos caminhos, mudando as práticas ocidentais de namoro no longo prazo. Hoje namoramos de forma diferente: o casamento pode não ser a prioridade, procuramos parceiros fora do nosso círculo social imediato. Os nossos métodos de encontros e namoro refletem acabam por refletir esses esforços do passado.
De facto, apesar de a Operation Match ter representado um momento de grande importância naquilo que é a história do namoro, não foi o primeiro serviço de encontros online. Esse feito vai para Joan Ball, uma britânica que iniciou o St. James Computer Dating Service, mais tarde renomeado de Com-Pat. O programa de Ball estreou-se em 1964, um ano antes do arranque da Operation Match.
“Há um debate constante sobre se as aplicações de encontros refletiram a mudança social ou se elas próprias impulsionaram essa mudança. Penso que a resposta correta é esta: as duas coisas aconteceram em simultâneo”, diz Luke Brunning, que, com Natasha McKeever, lidera o Center for Love, Sex and Relationships [Centro para o Amor, Sexo e Relacionamentos] da University of Leeds.
“Tem sido dada prioridade à ideia de que devemos encontrar alguém que seja perfeito para nós, criando assim o melhor relacionamento e a melhor vida possíveis para nós próprios. Há cem anos, teríamos ficamos mais felizes por simplesmente encontrarmos alguém e por darmos o nosso melhor para que resultasse”, aponta Natasha McKeever à CNN.
Com a ascensão dos computadores e dos encontros digitais, de repente, passou a haver muito mais peixe no mar.
Uma ‘máquina IBM’ em vez de um telemóvel
A Operation Match de Tarr e Morrill não assentava num algoritmo desenvolvido ao longo de anos de recolha de dados. E, definitivamente, não era levado a cabo num telemóvel inteligente. Os criadores angariaram fundos para alugar tempo de acesso a um computador, então conhecido como ‘máquina IBM’. EM meados dos anos 1960, este dispositivo do tamanho de uma sala inteira era um objeto de profundo mistério para o cidadão médio. No funcionamento da Operation Match acabava por estar integrada uma questão tentadora, a de saber se um computador poderia realmente antecipar a compatibilidade entre duas pessoas. Poderia a máquina prever o tal “clique”?
Para garantir as flechas do cupido digital, foi considerado apropriado aplicar uma taxa de três dólares. E, seis meses após o lançamento, já tinham sido preenchidos quase 90 mil questionários. Em troca, os participantes recebiam os nomes e números de telefone de cinco possíveis compatibilidades. A decisão de pegar no telefone e ligar é que ficava do lado deles.
Hoje, a tecnologia já não causa espanto entre aqueles que estão habituados ao mundo dos encontros online. Contudo, foram preciso quase 60 anos de desenvolvimento para construir a indústria multimilionária dos nossos dias, que assenta em ‘swipes’ [ou seja, deslizar o dedo no ecrã do telemóvel perante a foto do potencial encontro, para a direita ou para a esquerda, consoante se goste ou não do que se vê] e em recompensas imediatas. A Operation Match foi uma inspiração para a Dateline nas décadas de 1970 e 1980. Isto ainda antes da escalada no negócio dos encontros digitais que arrancou em 1995 com o nascimento do Match.com. Os primeiros anos do novo milénio trouxeram serviços focados em nichos, como o Grindr, o Ashley Madison ou o PrimeSingles.net. Em 2009, o Match Group criou um grupo que hoje é dono do Tinder e do Hinge, duas das maiores aplicações de namorado existentes no mercado.
No ano passado, dados do Pew Research Centre sugeriam que três em cada 10 americanos usavam aplicações de encontros. Contudo, é difícil dizer se o principal objetivo continua a ser o de encontrar o amor.
“Penso que estamos todos conscientes que se tratam de grandes empresas, que ganham por manter-nos colados aos telemóveis. Há algoritmos que influenciam o nosso comportamento e sobre os quais pouco sabemos. Pura e simplesmente não percebemos como é que eles funcionam”, argumenta Natasha McKeever.
Luke Brunning acrescenta: “Há quem tente enfrentar os grandes tubarões, apoiando-se nos valores que eles negligenciam. Há tentativas de transparência em relação ao modo como funcionam os algoritmos”.
Aplicações de encontros como a Thursday, que dá prioridade a encontros presenciais, ganharam popularidade nos últimos anos, à medida que os perigos das restantes aplicações se tornam mais evidentes. É cada vez mais comum ser ignorado ou mesmo cair em esquemas fraudulentos nas aplicações mais conhecidas.
Os dias em que recebíamos o número de telefone de alguém pelo correio parecem ter ficado no passado. Contudo, continuamos a desejar intensamente uma ligação verdadeira.