Dos Pirenéus à nossa fatura de eletricidade: interligação a França é cara e de eficácia duvidosa

23 mai, 21:56

Franceses não aceitam pagar 2,6 mil milhões de euros para o reforço necessário da sua própria rede

As ministras com a tutela da Energia nos governos espanhol e português, Sara Muñoz e Graça Carvalho, escreveram uma carta conjunta à Comissão Europeia sobre “a necessidade urgente de acelerar a conclusão das interligações elétricas” entre a Península Ibérica e a francesa.  

O problema é que em curso está unicamente a construção de um cabo submarino no golfo da Biscaia, em corrente contínua, e por isso sem qualquer influência na prevenção de apagões. “Esta tecnologia, no estado atual de implementação, não reduz o risco de apagão, nem aumenta a segurança dinâmica da nossa rede”, explica José Luís Pinto de Sá, professor jubilado do Instituto Superior Técnico e investigador na área da Eletricidade. Uma das duas interligações relevantes existentes também é em corrente contínua, irrelevante em casos de perturbação grave das redes, como o ocorrido no dia 28 de abril.  

A rede ibérica regista picos de injeção de fontes intermitentes de eletricidade renovável, solar e eólica, nunca vistos em outras partes do mundo, o que já levanta suspeitas de experimentalismo contra o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchéz. No dia 17 de abril, às 11h05, em Espanha, a geração eólica e solar atingiram, somadas, 100,06% da procura. Onze dias depois, deu-se o apagão. “No estado atual da tecnologia, não é possível vivermos com 100% de renováveis intermitentes”, adverte Pinto de Sá. 

Os franceses resistem a novas ligações aéreas de muito alta tensão, através dos Pirenéus, com a Península Ibérica.  "Os vários projetos devem ser abordados uns a seguir aos outros, com prioridade para o do Golfo da Biscaia”, escreve a Comission de Régulation de L’énergie (CRE), regulador francês, em relatório publicado em maio de 2024.  

Análise custo-benefício negativa

Novas linhas de muito alta tensão nos Pirenéus, ou junto à costa, têm a oposição de ambientalistas e populações locais, porque ameaçam a biodiversidade e a paisagem. Essa é a principal razão para o recurso a cabos enterrados, ou submarinos, apesar da sua ineficácia na resistência a perturbações da rede. 

Os franceses admitem que novas interconexões aéreas possam ser discutidas, mas com 2040 como horizonte temporal. Avisam, no entanto, que “as análises de custo-benefício realizadas não demonstraram que os benefícios superem os custos, nomeadamente devido ao congestionamento na rede francesa, às necessidades significativas de reforço da rede francesa e aos importantes problemas de aceitabilidade local".  

A CRE, num relatório recente, publicado em 21 de março deste ano, calcula que uma nova interconexão aérea implicaria custos suplementares, no reforço da própria rede francesa, de pelo menos 2,6 mil milhões de euros. Ora, a França é um grande exportador de eletricidade, para países como Alemanha, Itália e Suíça. Em regra, quando está a importar de Espanha está simultaneamente a exportar para esses países. Por isso, o regulador francês considera que a sua rede serve essencialmente de “autoestrada” à produção renovável ibérica. Com este argumento, rejeita fazer recair sobre os franceses o custo do reforço da sua infraestrutura, indispensável a novas interconexões.  

A solução, no quadro da União Europeia, será a distribuição dos 2,6 mil milhões de euros por outros países. O custo da própria interconexão, em muito alta tensão, será a segunda parcela da empreitada. Os consumidores correm o risco de serem chamados a comparticipar todos esses investimentos nas tarifas de acesso às redes, o lado “b” das faturas.  

O pior é que a nova interconexão aérea transpirenaica seria ainda insuficiente para garantir o objetivo de segurança e estabilidade da rede elétrica. “Estamos a falar de mais 2,5 GW, em adição ao cabo submarino em construção no Golfo da Biscaia, totalizando então 7,5 GW, ainda muito abaixo dos 10% reclamados como necessários, e só lá para 2035 ou 2040”, lembra Pinto de Sá.    

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