Só quem não teve a noção do tamanho do problema não percebeu a “espectacularidade” das soluções
Uma atualização do Windows para um PC normal com uma memória RAM decente pode demorar entre uma e duas horas. No sistema Apple, uma atualização do macOS Ventura para o macOS Sonoma pode levar cerca de hora e meia, dependendo da “máquina” em que estiver a correr.
A REN e a EDP conseguem em 10 horas repor todo o sistema elétrico em operação. Todo! Se isto não é um feito gigante, então nada o é.
Um apagão não é, do ponto de vista elétrico, um mero "apagar". E não o é porque um "apagar" se resolve com ligar um interruptor - e um sistema elétrico não tem um interruptor.
Não havendo um interruptor para ligar nem para desligar, uma rede que pura e simplesmente implode obriga a um processo de reinicialização tal que poderia levar dias a resolver, pois há que realizar a tarefa hedionda de ajustar produção a consumo a fim de “rearmar” a rede e, ao mesmo tempo, desenvolver um conjunto brutal de tarefas locais e remotas.
Já vimos estas três grandes empresas assumir as rédeas de trabalhos impressionantes, fosse por causa de incêndios, fosse por causa de cheias, ou fosse por coisa “nenhuma”, como parece ser o caso – digo nenhuma por poder não ser evidente.
Energia a mais deita a rede abaixo e energia a menos também.
Muita gente não sabe, mas energia a mais deita a rede abaixo e energia a menos também. Energia a mais cria danos nos equipamentos e energia a menos também. A rede elétrica é um organismo vivo difícil de fazer nascer e crescer, mas que pode morrer por uma perturbação que não seja mais do que o derradeiro grão de areia que faz espoletar a avalanche.
A rede elétrica pode efetivamente estar a chegar a um ponto crítico e, se for o caso, está no ponto que a criticidade de sistemas explica como o ponto onde as pequenas mudanças podem causar enormes efeitos.
A gravidade de tudo isto advém do facto deste apagão poder não ter origem num fenómeno óbvio, como uma falha de uma linha de muito alta tensão ou algo do género. A falta de uma causa óbvia implica a falta de uma solução óbvia e a falta de uma solução implica a repetibilidade do fenómeno. Ou seja, estes apagões podem ser mais recorrentes!
Portugal e Espanha são uma ilha do ponto de vista energético e, sendo uma ilha, significa que não podem contar com recursos externos para solucionar as suas falhas, da mesma maneira que não podem acudir às falhas em outros países. As interconexões são as pontes elétricas que permitem à rede escoar o excesso e absorver o defeito. Sem elas, ficamos entregues a nós próprios, como é praticamente o caso.
Portugal apenas se liga, do ponto de vista elétrico, a Espanha. Espanha liga-se a França e Marrocos, mas ambos os países acabam por estar demasiado dependentes de si próprios e podem efetivamente ter redes que começam a estar demasiado próximas de um ponto crítico.
Haverá muito para dizer sobre o sistema elétrico, e certamente dezenas ou centenas de horas irão ser ocupadas com o tema, mas este artigo é também para fazer referência às três entidades que são cruciais para manter em funcionamento todo o nosso quotidiano, como se viu hoje.
Reiniciar do zero uma rede elétrica é algo verdadeiramente extraordinário. Haverá efetivamente poucos países que algum dia o tenham feito, porque é algo que raramente acontece. A capacidade de reiniciar todo o país em apenas quatro vezes mais do tempo que o nosso computador leva a atualizar para o novo Windows é a prova cabal de que temos uma infraestrutura de redes gerida de forma absolutamente irrepreensível.
Peça a peça, a E-Redes, a REN e a EDP conseguiram colocar no terreno a força certa pare repor hardware e software necessários para que tudo voltasse à normalidade e apraz-me efetivamente louvar não só a sua estrutura procedimental mas também a sua estrutura humana.
Por trás destas empresas que funcionam como o cérebro da nossa rede, existem também dezenas de prestadores de serviços que funcionam, eles próprios, como uma rede de suporte e de resposta ao comando dos maiores. São milhares de pessoas qualificadas e bem coordenadas que conseguiram por em prática aquilo que em muitos países pode até nem ser testado.
Isto só pode resultar de muitos testes, de muito treino e de muita articulação e, sendo tão fácil atacar estas três grandes empresas por diversas razões, a verdade é têm estado sempre ao dispor e com uma enorme capacidade de resposta perante cenários completamente dantescos.
Este é um artigo de mérito. Não penso que haja alguém com um mínimo de experiência e isenção no sector que não tenha achado absolutamente impressionante este feito.
Como dizem os franceses: chapeau!