O apagão desta segunda-feira mostrou que há muitas famílias sem aquilo que as autoridades consideram ser essencial para um cenário de emergência. E prova disso foi a corrida às pilhas, lanternas e rádios
E se ficássemos horas a fio, dias seguidos ou semanas sem eletricidade? A ideia parece utópica e digna de uma obra literária, mas foi bem real em Portugal e Espanha, que à conta de um apagão geral estiveram mais de 12 horas sem energia elétrica e rede, com falhas no abastecimento de água e uma corrida - por vezes desenfreada - à compra de bens alimentares.
O apagão desta segunda-feira - cuja rede, entretanto, “está perfeitamente estabilizada”, como diz a REN - mostrou que a ideia francesa de que cada casa deve ter um kit de sobrevivência não é assim tão descabida como parece.
“O kit não é descabido e nós temos alertado sempre que, perante uma situação extrema, as pessoas deviam ter sempre um kit de emergência, que deve responder a uma situação de risco e fornecer bens para a primeira semana” de um eventual confinamento ou incapacidade de acesso a bens e serviços, sublinha o comandante Jorge Mendes, adiantando que os portugueses tiveram esta segunda-feira “a noção” do quão desprevenidos estão, até mais do que o quão dependente estão da energia (sobretudo nos casos em que as casas são já totalmente elétricas). E Jorge Silva Carvalho, especialista em Assuntos de Informações e Defesa, diz mesmo que os portugueses não estão devidamente preparados para situações de catástrofe.
“Ontem [segunda-feira], as pessoas tiveram a noção de que nos sítios mais altos, se não há energia, as bombas não funcionam e a água acaba por escassear”, aponta o comandante, lembrando a importância que os aparelhos analógicos podem ter nestas situações. “Também houve muita gente que foi a correr atrás do rádio portátil porque sentiu falta de informação presente”, observa o comandante, salientando a importância que os geradores tiveram nas estações de rádio e canais televisivos, o que permitiu manter as emissões sem grandes interrupções.
Os supermercados e mercearias de norte a sul do país encheram-se de clientes à procura de produtos bastante específicos e que, na verdade, podem (e devem) fazer parte de um kit de emergência, como água, velas, pilhas e até o rádio portátil, diz o comandante Jorge Mendes, que destaca que o kit “varia de país para país”, mas que os “básicos” são os mesmos para todo o lado.
No que toca à água, esta deve ser engarrafada - o governo francês aconselha seis garrafas -, e no que respeita a mantimentos deve optar-se por alimentos não perecíveis, como enlatados, papas para bebés e ração para animais, sendo que pode também ser importante ter alimentos mais calóricos e saciantes, como “barritas energéticas e frutos secos”, sugere o comandante, lembrando a importância do “prazo de validade, quanto maior, melhor”.
Em casos de falha de energia, como aconteceu nesta segunda-feira, ter lanternas é também importante. Essa lanterna pode “pode ser a pilhas, mas deve ser uma lanterna que tenha dínamo, que tem na parte superior uma manivela que, ao andarmos com ela à volta, carregamos a própria lanterna e ficamos autónomos com essa lanterna”.
Um outro aspeto a ter em consideração num kit para emergências diz respeito aos medicamentos e aqui o comandante Jorge Mendes aconselha a que as pessoas com doenças crónicas ou medicação diária a ter um stock para, pelo menos, “uma semana”. Cada família deve ter ainda essenciais de primeiros socorros (como álcool, compressas, pensos e medicamentos não sujeitos a receita médica).
Tal como aconteceu na pandemia, há outros bens que podem ser armazenados, como papel higiénico, recorda o comandante Paulo Mendes. O governo francês aconselha ainda a população a ter o tal rádio portátil a pilhas e as respetivas pilhas (preferencialmente carregáveis, o que pode ser feito com o recurso a uma powerbank em casos de falha de eletricidade), um canivete suíço, carregadores (incluindo powerbanks carregadas), óculos, dinheiro físico, chaves duplicadas e fotocópias de documentos importantes. Ter jogos de tabuleiro para entreter os mais novos é também um dos conselhos dos franceses.
Depois do governo francês, também a Comissão Europeia elaborou um guia de 17 páginas que inclui dezenas de recomendações para preparar os cidadãos para sobreviverem durante 72 horas sem ajuda externa. Entre os itens recomendados estão alguns dos acima mencionados, como água, medicamentos, pilhas e alimentos não perecíveis, como conservas, arroz e massa.
Mas para além do kit, importa ter alguma literacia, sobretudo energética para situações como a que vivemos. E sobre este ponto, o comandante Jorge Mendes aponta o dedo à má comunicação das autoridades portuguesas, que poderiam ter “aproveitado” as rádios para fazer passar mensagens e conselhos à população, sobretudo sobre o manuseamento de equipamentos eletrónicos durante um apagão, de modo a evitar uma sobrecarga no regresso da energia.