Apagão total: a crónica de um dia em que Portugal ficou às escuras

29 abr, 06:00

Dia de caos em toda a Península Ibérica. E ninguém parece saber exatamente porquê. Apenas que ficámos sem luz durante horas e hora e horas

11:33. A hora que os portugueses não vão esquecer durante largas semanas, talvez até mais tempo. É verdade que Portugal já tinha vivido momentos de apagões generalizados, mas nunca desta dimensão territorial e temporal.

A partir daquela hora, e ao longo das muitas que se lhe seguiram, todo o mundo virou os olhos para a escuridão da Península Ibérica, região que ficou completamente às escuras ainda não se sabe exatamente porquê.

Foi o que aconteceu aqui mesmo, no estúdio da CNN Portugal, onde Alexandre Évora ficou às escuras enquanto mostrava o resultado da mais recente sondagem para as eleições legislativas de 18 de maio. O pivot não terá percebido, como não terão percebido muitas outras pessoas - “olha, fiquei sem luz em casa”, muitos disseram, para depois ouvirem do lado de lá a mesma resposta. Isto se ainda conseguissem fazer comunicações, claro.

Ainda não se sabe ao certo o que aconteceu e nem mesmo um ciberataque está totalmente fora de hipótese, embora o presidente do Conselho Europeu, António Costa, tenha vindo dizer que era um cenário descartado. Já depois disso os primeiros-ministros de Portugal e Espanha esclareceram que não dá para ser assim tão taxativo.

O problema, independentemente do que aconteceu, não surgiu do lado de cá. Garantia da REN confirmada por Luís Montenegro, que também atirou para o lado de lá da fronteira a ocorrência ainda desconhecida que nos deixou a todos às escuras.

Foram aquilo a que o administrador da REN João Faria Conceição chamou de oscilação de tensão na rede espanhola”. Basicamente, explicou, as linhas de alta tensão sofreram um problema e, por consequência, afetaram as linhas de média e baixa tensão, deixando mais de 50 milhões de pessoas às escuras.

Isto nos aeroportos, nos serviços metropolitanos, nos elevadores, nos centros comerciais, nos restaurantes, nos comboios… só em Lisboa foram centenas de voos cancelados e divergidos, num problema que até ao final do dia ainda não estava totalmente restabelecido.

No metropolitano de Lisboa houve duas carruagens que ficaram “presas” nas galerias, tendo as pessoas de ser retiradas a pé. Mas veja-se a dimensão: em Madrid foram 150 mil passageiros afetados em 226 comboios, 41 dos quais “presos” no meio das linhas.

E isto apenas em metropolitanos, já que na madrugada de terça-feira ainda havia pelo menos três comboios com pessoas por retirar em Espanha, país que anunciou logo que a circulação de médio e longo curso só se retomaria de forma mais estável esta terça-feira. Por cá, e em dia de greve da CP, o efeito não terá sido tão grave nos comboios, já que os utentes já esperariam disrupções, mesmo que não desta dimensão.

Ainda nos transportes, a Câmara Municipal de Lisboa viu-se obrigada a alargar os serviços da Carris, possibilitando a viagem gratuita a todos os passageiros, como forma de controlar os problemas no metropolitano.

Mas é daqueles casos em que nos pomos a pensar não dá mesmo para fazer nada. Damos por nós a encontrar soluções para o problema que são sempre afetadas pelo problema. Não há metro? Ligo para chamar um táxi. Ups…

E nem era só porque não dava para ligar, mas também porque o cenário descrito nas ruas das principais cidades portuguesas, como também aconteceu em Espanha, era de um caos total no trânsito. Isto porque os semáforos foram desligados, o que obrigou a PSP a colocar mais polícias nas ruas para ajudar o trânsito a fluir. Isto enquanto se alertava para a necessidade de redução de velocidade.

Mas isto também enquanto as pessoas se precipitaram para a rua - houve quem chegasse a dizer que há muito que não via tanta gente na via pública - à procura de papel higiénico, água engarrafada ou até atum em lata de marca branca, velhos best sellers de alturas de crise.

A corrida fez-se também aos postos de combustíveis, de tal forma que marcas como a Galp tiveram de anunciar o encerramento das bombas a todos os veículos não essenciais. Isto porque, como lembrou o primeiro-ministro numa das duas vezes que falou entre um longuíssimo Conselho de Ministros, havia hospitais a precisar de combustíveis para garantir que os geradores continuavam a funcionar. A preocupação foi de tal forma que a GNR teve de garantir a escolta ao transporte de combustíveis para todas as infraestruturas críticas.

Nos próprios serviços de saúde, o INEM esteve a funcionar com recurso a geradores - foi o caso da Maternidade Alfredo da Costa, visitada ao final da noite pelo primeiro-ministro -, apelando que apenas se ligasse para o 112 “em caso de emergência, para "evitar a sobrecarga do sistema”. Vários hospitais e unidades de saúde ativaram os respetivos planos de emergência, mantendo apenas a atividade prioritária. Consultas de rotina, cirurgias e visitas a doentes, por exemplo, foram canceladas um pouco por todo o país. Também os hospitais privados limitaram a sua intervenção a situações urgentes. Quem precisou de ir à farmácia, encontrou dificuldades: com os sistemas em baixo, houve dificuldades para validar as receitas. A conservação de medicamentos foi também uma preocupação, segundo alertou a Associação Nacional de Farmácias. Depois das 21:00, surgia a notícia de que o Hospital S. João recuperou a totalidade energética, algo que se replicaria por outras unidades do país.

Foi, de resto, uma das poucas boas notícias dentro do caos. É que a anunciada demora para a zona de Lisboa pareceu não ser tão demorada assim, já que a REN chegou a admitir que só durante a madrugada é que grande parte da população civil voltaria a ter energia. Não foi assim, tanto que na capital, mas também em Odivelas ou Amadora, se ouviram festejos e aplausos ao regresso da luz. No Porto, como no Norte em geral, a questão resolveu-se bem mais cedo. Ao fim da noite era ainda no Alentejo, na Beira Interior ou em Setúbal, por exemplo, que se viviam os maiores constrangimentos.

Também lá, como no resto do país, houve supermercados, lojas e restaurantes que, sem geradores ou sistemas de pagamento a funcionar, decidiram fechar as portas por segurança. Naqueles que se mantiveram abertos, multiplicaram-se as filas, com uma procura fora do normal. O pagamento possível era apenas em dinheiro vivo, o que levou também a filas nas caixas multibanco. A CNN Portugal confirmou também que havia filas para a compra de geradores, rádios, lanternas ou pilhas. Em várias lojas, racionou-se o acesso a estes bens, por exemplo, com uma embalagem de pilhas por cliente.

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