AO MINUTO Comissão Independente divulga conclusões do relatório sobre abusos sexuais na Igreja
O que precisa saber
- Comissão validou 512 casos
- Quase metade das vítimas falou pela primeira vez dos abusos com a comissão
- "Maior parte das crianças foi abusada mais do que uma vez", diz Comissão
- Comissão envia 25 casos de abusos para o Ministério Público
Vítimas querem pedido de desculpas da Igreja
A maioria das vítimas que contactaram com a Comissão entende que não existe reparação possível para os abusos sofridos.
Ainda assim, de acordo com Pedro Strecht, essa mesma maioria entende que devia receber um pedido de perdão do abusador ou da Igreja enquanto instituição.
"Do abusador nunca virá. Da Igreja ele deve vir", acrescenta.
Igreja deve pagar tratamento das vítimas de abusos sexuais, defende Comissão
A Comissão quer que a Igreja assuma e providencie o tratamento das vítimas anteriores e atuais de abusos sexuais.
O psiquiatra Daniel Sampaio refere que isso deve ser feito através de protocolos conseguidos pelo Serviço Nacional de Saúde.
Comissão queria mais alerta por parte da Igreja para o problema dos abusos sexuais
A Comissão afirma que outro tempo e outro orçamento teria sido possível "ir mais longe", nomeadamente junto dos arquivos da Igreja, que só ficaram disponíveis em outubro, sete meses depois do pedido.
"No nosso relatório têm 20 casos com detalhe, mas por falta de tempo não tiveram mais", diz Ana Nunes de Almeida, que deixou uma recomendação aos bispos e sacerdotes portugueses: que tomem a palavra.
"Houve muito poucos sacerdotes que nas missas e atividades pastorais alertassem para o problema. [É uma] atitude típica de considerar que é qualquer coisa de estranho", acrescenta.
Comissão tem estimativa de abusadores, mas aguarda números concretos
A Comissão tem uma estimativa do número de abusadores, mas está ainda a compilar os números para mais tarde os apresentar de forma concreta.
Comissão quer ver continuidade do trabalho
Nenhum das vítimas que contactaram a Comissão referiram a intenção de pedir indemnização pelos abusos sexuais sofridos, mas o coordenador do grupo de trabalho entendem que a Igreja deve dar apoio a estas pessoas, assim elas queiram.
Apesar de a comissão terminar hoje, Pedro Strecht gostaria de ver uma continuidade do trabalho, que foi feito no "tempo possível".
Questionado sobre o que vai acontecer a partir de agora, o coordenador entende que "a Igreja pode e deve" atuar junto dos alegados abusadores, até porque estes têm possibilidade de continuar a praticar os mesmos crimes.
"Não há abuso sexual sem ocultação", diz Comissão
Daniel Sampaio afirma que "não há abuso sexual sem ocultação", confirmando, como os restantes membros da comissão independente, que houve, efetivamente, abusos sexuais de menores encobertos pela Igreja portuguesa.
Abusos sexuais na Igreja Católica foram muito mais que cinco mil
Os dados da comissão apontam uma estimativa pouco inferior a cinco mil casos de abusos sexuais na Igreja Católica.
No entanto, como foi desde logo deixado claro, os números reais serão bem maiores. Isso mesmo diz Álvaro Laborinho Lúcio, que admite que serão "muito mais que cinco mil" os casos de vítimas que sofreram abusos sexuais quando eram menores.
Nem todos os casos enviados ao Ministério Público vão chegar a julgamento, diz Comissão
O juiz afirma que os 25 casos enviados ao Ministério Público não terão todos o mesmo fim. Álvaro Laborinho Lúcio explica que algumas acusações não serão suficientes para chegar a julgamento, mas que outras terão bases para prosseguir.
"Houve uma cultura de ocultação e não deixa de haver um desejo de regresso a essa cultura"
Álvaro Laborinho Lúcio afirma que "houve uma cultura de ocultação e não deixa de haver um desejo de regresso a essa cultura", ainda que note que a maioria das pessoas pretende acabar com esse cenário no seio da Igreja Católica.
"Houve evidentemente ocultação dos abusos sexuais" por parte da Igreja
O juiz Álvaro Laborinho Lúcio afirma que "houve evidentemente ocultação dos abusos sexuais" ocorridos na Igreja Católica por parte de pessoas ligadas à instituição.
O membro da comissão independente acredita num "caminho de desocultação" sobre esta matéria.
O magistrado lembra que a ocultação ocorreu, em grande parte, numa altura em que era generalizada, além de os crimes, até 2007, serem considerados semi-públicos, pelo que não havia obrigatoriedade de denúncia.
"Tinhamos a própria lei a dizer 'não há que nos metermos nisto'", diz.
"Igreja tem a informação" sobre casos de abuso sexual nos arquivos
A Comissão não tem dúvidas: "A Igreja tem a informação" sobre casos de abuso sexual de menores, diferentes ações tomadas e os intervenientes nos diferentes casos.
Essa foi uma conclusão possível após a consulta dos arquivos eclesiásticos, os quais revelaram que há informação que "tem de ser estudada".
Francisco Azevedo Mendes, coordenador da Universidade do Minho que fez a investigação histórica, nota um "desfasamento entre o que são os testemunhos da vítimas e as provas documentais".
Quase metade das vítimas nunca tinha falado dos abusos sofridos
Quase metade das pessoas que denunciaram casos de abusos sexuais falaram disso pela primeira vez com a Comissão Independente.
Ana Nunes de Almeida refere que foram 43% as pessoas que falaram do tema pela primeira vez, sendo que os restantes dados mostram o receio em abordar o assunto.
Com efeito, 77% dos casos não chegaram a ser relatados à Igreja Católica, sendo que apenas 4% resultaram em queixa judicial.
Sexo anal, oral ou masturbação. Como foram feitos os abusos
Os abusos cometidos contra menores foram feitos de vários tipos, de acordo com a socióloga Ana Nunes de Almeida.
Predominam os abusos contra crianças do sexo masculino, com a maioria dos alvos a sofrerem de sexo oral, sexo anal ou masturbação.
Já no caso das meninas a insinuação foi o crime mais referido.
Maioria das vítimas vivia com os pais à data dos abusos
A esmagadora maioria das vítimas de abusos vivia com os pais. De acordo com os dados recolhidos pela comissão, quase 60% das crianças estavam nesta situação.
Mas há relatos de abusos noutros locais ou cenários, como crianças institucionalizadas.
"Em alguns casos foi a primeira vez que as vítimas falaram sobre os abusos que sofreram"
A Comissão deixou por validar 52 casos, de acordo com a terapeuta familiar Filipa Tavares, que destaca nestes relatos casos que não tipificam abuso sexual de menores, alguns deles por incongruência, outros por terem sido relatados quando a vítima tinha já mais de 18 anos à altura dos factos.
A Comissão recebeu 365 chamadas, tendo também realizado chamadas telefónicas de pessoas a viver dentro e fora de Portugal, e ainda 17 testemunhas que relataram outros casos.
"Em alguns casos foi a primeira vez que as vítimas falaram sobre os abusos que sofreram", acrescenta Filipa Tavares.
Comissão sugere aumento do prazo de prescrição do crime de abuso sexual de menores
A Comissão sugere à Justiça portuguesa que aumente o prazo para prescrição do crime de abuso sexual de menores da idade de 23 para 30 anos.
Álvaro Laborinho Lúcio fala em concreto para a Assembleia da República, dando exemplos de outros países em que algo parecido foi feito.
Casos enviados ao Ministério Público dividem-se em três cenários
A Comissão diz que 25 casos enviados para o Ministério Público parecem pouco, mas que está em linha com o sinalizado noutros países.
Afirma Álvaro Laborinho Lúcio que a maioria dos casos já prescreveu, sendo que, dos enviados para o Ministério Público, há três cenários: de investigação simples, na linha tradicional; de investigação complexa e outros em que "a investigação não vai ter sucesso".
Como exemplo deste último o juiz dá o exemplo de denúncias sobre um determinado membro da Igreja que referem apenas a existência de abusos, sem dar mais dados concretos.
Comissão diz que denúncia é um dever para lá do crime público
O juiz Álvaro Laborinho Lúcio afirma que "o dever de denúncia não se coloca pelo crime ser público", recordando um tema que foi polémico na sequência de declarações do bispo do Porto, Manuel Linda, que não via necessidade na denúncia dos casos conhecidos.
Diz o jurista que "existe o dever moral de proceder à denúncia", sendo que esse dever é acrescido numa instituição como a Igreja Católica.
Abusadores devem ser tratados em várias dimensões
O psiquiatra Daniel Sampaio refere que os abusadores devem ser acompanhados em diferentes dimensões.
Diz o especialista que estas pessoas "têm de ser tratadas", pelo que "não basta o acompanhamento espiritual".
"Existe um problema geral de abuso sexual". Comissão pede estudo generalizado em Portugal
Mais de 200 estudos realizados em todo o mundo apontam que 18% das meninas e 8% dos meninos são abusados sexualmente, seja na Igreja ou noutro contexto.
Um dado sinalizado pelo psiquiatra Daniel Sampaio, que vê neste número razão para se lançar um estudo semelhante em Portugal.
"Existe um problema geral de abuso sexual", afirma, apontando que 85% a 95% dos abusadores são do sexo masculino.