De Rans a Lisboa: quem ganhou e quem perdeu na terra dos líderes partidários?

31 jan 2022, 19:34

Na freguesia que viu António Costa nascer, São Sebastião da Pedreira, a vitória não pertence aos socialistas. E na terra de Jerónimo de Sousa, em Santa Iria da Azóia, o Chega aparece muito próximo dos comunistas

Os números não mentem. António Costa conseguiu algo que nem o próprio pensou ser possível de alcançar: pintou o país de cor-de-rosa e conseguiu a maioria absoluta numa eleição que todos viam como “renhida”. Mas o que dizem os números quando olhamos para os concelhos e freguesias de onde vêm os líderes partidários?

Comecemos por Lisboa, concelho que viu nascer líderes partidários como António Costa (PS), João Cotrim de Figueiredo (IL), Inês Sousa Real (PAN) e Rui Tavares (Livre). Em 2019, a terra natal de António Costa deu-lhe uma vitória com 33% da votação, 96.950 votos à frente dos 25% da votação obtidos pelo PSD. Três anos e uma pandemia depois, a capital não só não abandonou o secretário-geral do PS como reforçou a sua votação, com Costa a receber em Lisboa 110.559 votos, ou seja, 36%.  

No entanto, se ampliarmos a análise e olharmos para a freguesia que viu António Costa nascer, São Sebastião da Pedreira, atual freguesia das Avenidas Novas, a vitória não pertence aos socialistas. Aqui, os eleitores votaram maioritariamente no PSD, tanto em 2019 como em 2022. Aliás, na terra de Costa os sociais-democratas até aumentaram ligeiramente a distância para o PS.

Em 2019, nas Avenidas Novas, o PSD obtinha 33,5%, com 4.650 votos, e o PS atingia a marca dos 25%, com 3.506 votos. Este domingo, PSD conseguiu aumentar a distância com 5.045 votos, o que corresponde a 34,7% da votação. Já o PS, teve um uma variação residual, com 25,5% das preferências eleitorais nesta freguesia.

A principal mudança nesta freguesia das Avenidas Novas não ocorreu ao centro. Em 2019, o CDS-PP afirma-se aqui como a terceira força política, com 9% dos votos, seguido do Bloco de Esquerda, com 7%, e da Iniciativa Liberal, que na sua primeira participação em eleições legislativas recebia 905 votos, cerca de 6,53% da votação. Três anos mais tarde, IL salta para terceiro lugar e consegue 17% das preferências, com 2.409 votos, destacado da quarta força política, o Chega, que não foi além dos 729 votos, com 5% da votação.

A Iniciativa Liberal, que em 2019 se estreava em eleições legislativas sob a liderança do agora eleito Carlos Guimarães Pinto, conseguia 11.884 votos em Lisboa, acabando com 4,08% da votação, num modesto sétimo lugar. O resultado fundamental para eleger o então candidato João Cotrim de Figueiredo.

Em 2022, o crescimento do partido no principal centro urbano do país foi notório, tornando-se a terceira força política na capital. No concelho de Lisboa, os liberais receberam o voto de 32.152 lisboetas, cerca de 10,59% da votação, acabando por garantir a eleição de quatro deputados por este círculo eleitoral.

Nascido em Lisboa, Rui Tavares viu o seu partido, o Livre, melhorar os resultados na capital em relação à eleição de 2019, ano em que o partido elegia Joacine Katar Moreira. À data, o partido conseguiu 3,26% da votação no concelho, obtendo a confiança de 9.508 eleitores. Agora, depois de uma prestação nos debates muito elogiada pelos analistas, o historiador conseguiu melhorar a presença do partido em Lisboa, catapultando o Livre do 8º para o 7º lugar, com 11.637 votos, 3,8% do eleitorado lisboeta.

As legislativas de 2019 prometeram um futuro risonho ao PAN. Lisboa, cidade onde nasceu Inês Sousa Real, garantiu-lhe 11.891 votos, culminando na eleição da atual porta-voz do partido ambientalista. Nada que fizesse antever a queda de 2022, com o PAN a perder mais de metade desse eleitorado. Nestas eleições legislativas, o partido de Sousa Real não conseguiu ir além dos 5.526 votos, o que corresponde a apenas 1,8% dos votos da capital.

Porto

Em 2019, a cidade invicta resistiu a uma possível reedição da geringonça e deu a vitória ao PSD de Rui Rio, com 44.221 pessoas a darem 34% dos votos ao antigo autarca, à frente dos 39.505 votos conseguidos pelos adversários socialistas.

Nessa mesma noite, Catarina Martins, também ela nascida na cidade do Porto, conseguiu um resultado histórico ao assegurar 11% do eleitorado, com 14.170 votos, muito à frente dos então estreantes liberais, encabeçados por Carlos Guimarães Pinto, o então líder da IL, que não foram além dos 3.641 votos. O resultado acabaria por levar Guimarães Pinto a abandonar a liderança do partido que ajudou a formar, dando lugar a João Cotrim de Figueiredo, eleito deputado por Lisboa.

Dois anos depois, os papéis invertem-se: o Porto serve uma derrota ao seu antigo autarca, eleva os liberais ao terceiro lugar e “rouba” metade dos votos a Catarina Martins.

Pouco mais de 500 votos separaram o PS do PSD no concelho do Porto. Os socialistas conseguiram 46.363 votos, quase mais sete mil do que nas legislativas anteriores, conquistando 35% do eleitorado. O PSD não foi além dos 45.833 votos, o que corresponde a 35% dos eleitores da cidade.

Depois de ter conseguido quase 11% na sua cidade, Catarina Martins vê agora o Bloco a recolher a preferência de apenas 6% dos eleitores, o que representa 7.915 votos, como quarta força política, atrás dos liberais, que obtiveram 10.322 votos. Em resposta a um resultado que espelha o desempenho do partido um pouco por todo o país, a coordenadora do Bloco apontou à bipolarização que se criou durante toda a campanha e “criou uma enorme pressão de voto útil que penalizou os partidos à esquerda".

Loures

O Bloco de Esquerda e o PCP parecem mesmo ter sido os principais prejudicados com a política do voto útil no Partido Socialista. E esse parece ter sido o caso, até em Santa Iria da Azóia, em Loures, terra do histórico líder comunista Jerónimo de Sousa. Em 2019, os comunistas batiam-se taco-a-taco pelo segundo lugar com o PSD, acabando ligeiramente atrás dos sociais-democratas, com 3.387 votos ou 14,46% da votação. Os socialistas levariam a melhor com cerca de 9.605 votos, o que representa 41% da preferência dos eleitores.

Em 2022, o PCP perdeu perto de mil votos, não indo além dos 9% (2.261 votos). É possível que uma parte significativa destes eleitores tenha migrado para o PS, que conseguiu 48% dos votos (11.941), numa freguesia em que votaram 24.881 pessoas. Muito próximo do partido de Jerónimo ficou o Chega, de André Ventura, com 8% da votação, menos 200 votos que o PCP (2.072).

A trajetória descendente do PCP ficou confirmada neste concelho. Em 2019, os comunistas eram a terceira força política no concelho, com mais de 11 mil votos e perto de 12% dos votos. Um chumbo do orçamento depois, comunistas observam o Chega a tornar-se a terceira força política num concelho historicamente de esquerda, com mais de mil votos de diferença. O PCP obteve 7.732 votos e o Chega de André Ventura conseguiu 8.875.

Sintra

Foi um dos grandes vencedores destas eleições. O Chega chegou ao parlamento em 2019 com a eleição de André Ventura por Lisboa e, em 2022, tornou-se a terceira maior força política do país e elegeu um grupo parlamentar composto por 12 deputados. Mas como foi a prestação de André Ventura em Algueirão-Mem Martins, de onde é natural?

Na sua primeira eleição, os eleitores colocaram o partido de Ventura no sétimo lugar, com apenas 772 votos, posição que manteria no concelho de Sintra, onde não foi além de 2,50% da preferência de votos (4.190). Este ano a paisagem política foi muito diferente. Na sua freguesia de Algueirão-Mem Martins, saltou para o terceiro lugar, com 10,20% da votação e 3.222 votos. No concelho de Sintra, seriam mais de 17 mil votos, que garantiram o terceiro lugar ao partido de extrema-direita, com 10% da votação.

Neste concelho, os grandes castigados foram o Bloco e PCP, com o partido de Catarina Martins a perder quase metade dos 18 mil votos conseguidos em 2019, passando do terceiro lugar para o quinto. Já os comunistas perdem quatro mil votos e passam a sexta força política no concelho de Sintra, não indo além dos 4,69%.

Coimbra

Na sua terra natal, Francisco Rodrigues dos Santos não teve mais sorte do que no resto do país. O líder do CDS-PP não tinha uma base sólida com que trabalhar. Em 2019, o CDS-PP era o quinto classificado no concelho, com 4% dos e 2.906 votos. Dois anos depois, o sucessor de Assunção Cristas viu o CDS cair para sétima força política, atrás do Chega, com apenas 1.187 votos, o que corresponde a 1,5% da votação.

O grande vencedor no concelho acabaria por ser o PS, que teve mais 8% das preferências de voto, com 33.851 votos, à frente dos 21.494 votos do PSD. Os sociais-democratas não foram além dos 28%. Em Coimbra, à semelhança de outros centros urbanos do país, a mudança mais acentuada foi a ascensão da Iniciativa Liberal, que conseguiu quase 5% dos votos, afirmando-se como quarta força política na cidade.

Rans

Vitorino Silva foi uma das sensações da campanha de 2019, ao conseguir 34.637 votos, o que representou 0,68% do eleitorado. Mas em nenhuma freguesia o partido Reagir Incluir e Reciclar esteve tão próximo de ser o mais votado como na freguesia de Rans. Lá, Tino, como é conhecido, ficou a cinco votos de distância do Partido Socialista.

Este ano, Tino de Rans foi mais uma das muitas vítimas da maioria absoluta socialista, acabando relegado ao terceiro lugar, abaixo do PS e PSD, que tiveram 43% e 27% dos votos respetivamente. Com o mapa pintado a cor-de-rosa, Vitorino não foi além dos 16% na sua própria terra, a terra que outrora conseguiu unir.

 

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