António Costa ficou com o número de telefone desta professora. E ela espera agora que o primeiro-ministro lhe ligue para falarem sobre o estado da educação
“Quando saímos, é na expectativa de sermos ouvidos”. Por isso, quando a professora Luísa Brandão saiu de casa, na manhã deste sábado, 10 de junho, em direção ao Peso da Régua, tinha a esperança de que fosse possível chegar ao primeiro-ministro António Costa.
“Quando acabaram as cerimónias do Dia de Portugal, andávamos a deambular. Estavam lá os jornalistas e pessoas a tirar ‘selfies’ com o primeiro-ministro. E eu pus-me na fila. Quando chegou a minha vez, disse-lhe que não estava ali para a selfie”.
Estava ali para protestar contra o estado a que chegou a educação em Portugal. Luísa Brandão admite que não é precária, porque faz parte do quadro do Agrupamento Gonçalo Sampaio, na Póvoa de Lanhoso. Mas esta professora do primeiro ciclo, com 54 anos, está no quarto de 10 escalões.
“No outro dia, fiz a simulação da reforma. Vou ficar com uma reforma que não chega aos 1100 euros líquidos”, lamenta à CNN Portugal.
E mesmo que o debate sobre a luta dos professores esteja centrado na reposição dos 6 anos, 6 meses e 23 dias, esta docente lembra que os problemas são bem mais profundos. “É pior do que deixa-andar, é o deixa-de-exigir. Não se valoriza o trabalho, não se valoriza o esforço. Mesmo os alunos ditos normais, têm dificuldades. E faltam os recursos”.
O primeiro-ministro ouviu tanto Luísa Brandão como outros professores que estavam no protesto, recordando que foi o Governo dele quem descongelou a carreira dos docentes. "Os senhores são muito injustos", disse-lhes, num tom mais aceso. Mas para estes profissionais, esse era o mínimo. “É engraçado, como se a carreira estar congelada fosse normal”, reage Luísa Brandão.
Luísa não preparou o que tinha a dizer a António Costa. “A partir dos 50 anos, dizemos o que nos apetece, o que vai na alma”. E garante: “Se os professores agora desistem, a escola não aguenta. Sentimo-nos muito abandonados. No papel a lei está feita para que um aluno com dificuldades tenha um manancial de recursos. Na prática, o professor tem a sua turma e tem que fazer o possível com eles”.
Esta professora pagou a própria deslocação. Diz que foi a título pessoal, embora seja sindicalizada. “A discussão tem de ser mais abrangente, envolvendo os professores e os pais”. Houve tempos em que ela pertenceu à Fenprof, mas deixou de se sentir representada nas lutas. Faz agora parte do S.TO.P. “Fui percebendo que as ações de luta a que ia aderindo eram promovidas pelo S.TO.P”.
Mas, depois de meses de negociações que parecem não dar em nada, quis tentar a sua parte. “Estava à espera que o primeiro-ministro fizesse uma declaração mais assertiva e tomasse as rédeas do processo”, mesmo no final de uma cerimónia oficial, confessou.
Na conversa com a CNN Portugal, Luísa Brandão voltava de carro para casa com uma colega. Mais de 120 quilómetros de regresso, depois de 120 quilómetros de ida. “É a sensação de que fiz a minha parte, mas de que não chega”.
António Costa ficou com o número de telemóvel desta professora, que garante que vai ficar à espera da chamada. Porque palavra dada ainda pode ser palavra honrada: “Eu não fiquei com o número do primeiro-ministro, foi ao contrário”.