"Espero que daqui a 30 anos ninguém se lembre de mim". António Costa diz que não tem "vocação para ser figura histórica"

1 abr 2023, 23:01

António Costa esteve no CNN Sábado em entrevista com António Saraiva. Em discussão, estiveram temas como a habitação, o PRR e a resiliência das empresas portuguesas

Em conversa com António Saraiva, o primeiro-ministro António Costa debruça-se sobre alguns dos temas mais prementes da atualidade, um ano após as eleições antecipadas que culminaram com a maioria absoluta do Partido Socialista.

O programa "Discutir Portugal" arrancou com uma reflexão sobre a importância dos parceiros sociais e de uma concertação social tripartida entre empregadores, entidades sindicais e Governo - e se esta discussão tem vindo a perder fulgor desde a Cimeira Social do Porto. António Costa reconheceu o diálogo social como “essencial” a uma economia “tão dinâmica e coesa” como a dos países nórdicos - regiões que, nas palavras do primeiro-ministro, são um “bom modelo” de orientação para Portugal. A Agenda do Trabalho Digno foi uma ferramenta “decisiva” neste sentido, continua o primeiro-ministro, ao “ajudar a desbloquear a negociação setorial” num momento de “tanta incerteza à escala global”.

António Saraiva - antigo presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), liderada por Armindo Monteiro desde a passada quinta-feira - questionou também o líder socialista sobre uma “diabolização” dos empresários e da iniciativa privada que, considera, está presente em algumas das propostas do Governo. António Costa refuta as acusações, frisando que “não há uma economia próspera se não houver empresas prósperas” e que, na verdade, os anos de governação do PS têm sido marcados por uma “grande confiança do setor privado no investimento”, com “sucessivos recordes” a serem atingidos desde 2016 (excluindo, claro, os anos “atípicos” de pandemia). O primeiro-ministro reserva ainda uma palavra para o “sentimento geral” da população portuguesa quanto às "desigualdades crescentes” entre a sua remuneração e os resultados das empresas: “Temos de ter consciência de que não estamos a viver num tempo em que as pessoas estão particularmente entusiasmadas”.

Confrontado com a questão da necessidade de um maior investimento público - o “patinho feio do investimento”, como apelidado por António Saraiva, em comparação com o investimento privado que continua a evoluir apesar das dificuldades - o primeiro-ministro contrapõe que “relançar uma dinâmica de investimento nem sempre é fácil”. Reconhece que “gostaria de ter um investimento público muito mais forte do que aquele que temos”, mas chama a atenção para o “exercício difícil” de conciliar “o esforço de crescer, recuperar a degradação dos serviços públicos e aumentar as prestações sociais” com o esforço simultâneo de “ter défices comedidos e manter a trajetória de redução do nível de endividamento”.

Numa nota positiva, António Costa sublinha que Portugal tem “um dos melhores desempenhos da eficiência dos sistemas de justiça civil e comercial, ao nível da União Europeia”. Quanto à justiça fiscal, assume que “é extremamente lenta, e aí temos de aprofundar”, mas com a consciência de que se trata de “processo” e não de um “big bang” em que os problemas são imediatamente solucionados.

A conversa envereda pelo tema da habitação - um dos mais quentes dos últimos tempos, e que este sábado ficou marcado por grandes manifestações em sete cidades do país - e o programa do Governo, cuja versão final foi apresentada no final desta semana. A medida do arrendamento forçado foi uma das mais criticadas pela oposição (e poderá, até, ser vetada pelo Presidente da República), embora António Costa admita “estranheza” quanto à “fixação” nesta proposta em particular: “Não é uma medida nova e já existe no regime jurídico há muito tempo”. Relativamente às acusações de que se trata de um ataque à propriedade privada, o primeiro-ministro é firme na sua posição: “Não é expropriação, muito menos um esbulho”. Como conclusão a este tópico, apela a que “não façamos dessa medida «a medida» de um programa que tem início, meio e fim” e que visa outras medidas de igual importância. E enumera algumas: “uma grande iniciativa de simplificação de licenciamentos” e “um pacote fortíssimo de incentivos fiscais dirigidos aos senhorios”, passando pelo “reordenamento do território para haver mais solo disponível para a construção de habitação”.

Portugal é um dos países que mais verbas comunitárias recebeu ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), posicionando-se acima da média comunitária. António Costa fala numa “oportunidade extraordinária” para a transformação económica do país e nota que, só nos 54 consórcios criados pelas Agendas Mobilizadoras, “temos um crescimento do PIB anual de 3,6%”. A “situação crítica” quanto ao cumprimento dos prazos está “em vias de ser ultrapassada”, garante o primeiro-ministro, acrescentando que “a parte que cabe ao Estado é só um tiro de partida” e que, a partir daí, são “empresas, municípios, universidades” os responsáveis pela parte mais significativa do processo.

Deixa um apelo, com um sorriso: apesar de ter noção de que “há um papel de crítica ao Governo”, papel esse que faz parte e enriquece a democracia, há outra função que compete às associações empresariais: a de “dar confiança e informação ativa aos seus associados quanto à disponibilidade de fundos comunitários que existe”. Como existiu a rubrica do “minuto verde”, António Costa sugere que esta sensibilização seja feita através de um “minuto dos fundos comunitários" feito pelos próprios empresários, visto que seria entendido como "propaganda" se fosse o Governo a fazê-lo.

O programa “Discutir Portugal” chega à reta final com uma reflexão sobre os efeitos socioeconómicos das duas grandes crises que marcaram os últimos anos a nível global - a covid e a guerra na Ucrânia - e os apoios que parecem insuficientes quando comparados com outros Estados-Membros da União Europeia. António Costa começa por apontar uma estatística: 90% das ajudas de Estado em toda a União Europeia foram atribuídas pela Alemanha e pela França, e as restantes 10% pelos outros países. Ainda assim, lembra que a proposta ibérica apresentada em Bruxelas permitiu fixar um custo máximo de combustível por megawatt hora (MWh) e baixar o preço da eletricidade em 20% em relação ao que acontece nos outros países europeus.

Neste momento, o foco do Governo é ponderar o investimento em “blocos potencialmente transformadores” como as indústrias de semicondutores, baterias elétricas e células de hidrogénio - portanto, “setores novos que vão ser essenciais para a economia do futuro” - e a mobilização no sentido de “crescer mais e de forma sustentada”. António Costa realça que, entre 2000 e 2016, Portugal sempre alternou entre anos de recessão e de estagnação, à exceção do ano de 2007. A partir de 2016, porém, “crescemos sempre acima da média europeia” (exceto em 2020, ano marcado pela pandemia e confinamentos) e todas as previsões, “mesmo as mais pessimistas”, indicam que este crescimento deverá manter-se. O “fator diferencial” de Portugal - e que abre espaço para uma sensação de “confiança no futuro” - está relacionado com os crescentes de níveis de formação superior, superiores à media europeia. À medida que Portugal se torna um país mais qualificado, a economia fica também mais rica e inovadora, como exemplificado pelo recorde português de patentes em 2022 - um “excelente sinal” da capacidade de inovação e resiliência das empresas após o cenário negro da pandemia e ainda durante a incerteza da guerra. 

Numa última questão, António Saraiva volta a confrontar António Costa com a possibilidade de, muito depois de concluídas as suas funções enquanto primeiro-ministro, ponderar uma eventual candidatura à Presidência da República. A resposta é imediata e reitera a posição que tem mantido sempre que questionado sobre o assunto: confessa que "quem gosta do cargo de primeiro-ministro dificilmente daria um bom Presidente" e reforça que a única função que lhe compete é a de "cumprir a sua missão neste momento". Daqui a 30 anos, espera não "ficar agarrado ao passado" e graceja que, provavelmente, a vida será "tão intensa" que ninguém recordará a sua existência. "Não tenho vocação para ser figura histórica", encerra, afastando de vez as questões sobre o seu futuro político. 

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