Governo mudou de estratégia nos incêndios. Sem presenças no terreno, com Costa a centralizar

16 jul 2022, 08:00
Incêndio em Andrinos, Leiria (Nuno André Ferreira, Lusa)

Numa semana marcada por fogos a ameaçar de norte a sul foram poucas as aparições de governantes nas localidades. Uma postura diferente do habitual, garantem os politólogos, até porque nos últimos anos sucederam-se as polémicas com políticos nas épocas em que o país estava a arder

Em momentos de tragédia, os portugueses habituaram-se a ver os políticos no terreno. Mas, nestes incêndios, o cenário está a ser  diferente. O primeiro-ministro não vai aos teatros de operações e tende a centralizar a comunicação, geralmente a partir de Lisboa. Os restantes governantes com implicações diretas na gestão da crise seguem a mesma linha.

Uma mudança de estratégia? Os politólogos acreditam que sim. “Julgo que há uma estratégia definida e concertada, de desviar a atenção sobre o que está a acontecer no terreno. No fundo, separar a comunicação em si do palco dos acontecimentos, onde tudo decorre de forma dramática”, explica a politóloga Paula do Espírito Santo.

É quase como se separassem as águas: ao desespero no combate às chamas contrasta-se a firmeza da estratégia e do acompanhamento político, tornando-os mais institucionais. As informações tendem a ser anunciadas junto dos locais de decisão, como a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, que desempenha um papel determinante também na comunicação com os portugueses – à semelhança do que acontecia com a Direção-Geral da Saúde na gestão da pandemia.

Primeiro-ministro na reunião do Centro de Coordenação Operacional Nacional a 12 de julho (Mário Cruz/Lusa)

“Há com certeza uma estratégia de centralização, que tem a ver com a gravidade da situação. E uma maior eficiência na comunicação: se há vários intervenientes a fazerem comunicados, isso pode gerar alguma cacofonia, que é indesejável”, reitera o politólogo André Freire.

Até porque o teatro de operações não é encarado como um terreno confortável para a classe política: se por um lado os pode tornar mais humanos, com as emoções à flor da pele, por outro pode fazer com que acabam por dar passos em falso – como declarações que, no jogo de interpretações, podem fazer cair um ministro (ver abaixo).

“Julgo que é uma estratégia de centralização e controlo da mensagem, para que ela seja coordenada e não derive para aspetos secundários. Há menos delegação de competências, pelo menos no plano da comunicação”, reforça Paula do Espírito Santo.

O Governo – que no mês passado contratou um diretor de comunicação, precisamente para uniformizar a mensagem – parece estar a falar numa só voz neste domínio. Mas tem outro nome de peso a alinhar na postura: Marcelo Rebelo de Sousa, que habituou o país a chegar aos locais de tragédia em poucas horas, estando próximo das populações,  não se dirigiu para os locais dos fogos na úlitma semana. À CNN Portugal, fonte oficial de Belém assegurou que, até ao momento, não havia esse plano. O Chefe de Estado já visitou, contudo, em Lisboa, um dos bombeiros feridos no combate.

Governo em Pedrógão Grande, em junho de 2017 (Miguel A. Lopes / Lusa)

Como a classe política marcou os incêndios

A demissão

“Para mim seria mais fácil, pessoalmente, ir-me embora e ter as férias que não tive, mas agora não é altura de demissões”. A frase é de 16 de outubro de 2017. Dois dias depois, Constança Urbano de Sousa deixava de ser ministra da Administração Interna. Uma frase vista como infeliz num ano em que morreram 116 pessoas nos incêndios de Pedrógão Grande e do pinhal interior - os primeiros em junho, os segundos em outubro. Em Pedrógão, a ministra emocionou-se em diferentes situações. Mas, apesar da fragilidade, dizia-se sempre convicta e empenhada no trabalho que tinha pela frente.

Os abraços

Constança Urbano de Sousa e o seu secretário de Estado secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, não foram as únicas figuras a surgir em Pedrógão em 2017. Ao seu lado apareceu, em múltiplas ocasiões, Marcelo Rebelo de Sousa, que cultivou, ao logo dos últimos anos, a fama de estar no local das tragédias poucas horas depois de elas acontecerem. O Presidente da República fez então questão de estar perto das famílias afetadas pelos incêndios. Em outubro, voltou a fazer o mesmo. Os abraços ficaram eternizados em fotografias, como a do abraço dado a Manuel, um agricultor de Santa C.omba Dão que se mostrava inconsolável, após ter perdido tudo.

Marcelo Rebelo de Sousa conforta Manuel, vítima dos incêndios de outubro de 2017 (Nuno André Ferreira / Lusa)

O lema antigo

“Sou alérgico a políticos que correm para as câmaras de televisão a chorar e a rasgar as vestes perante uma tragédia”. A frase é de 2005, ano em que arderam cerca de 339 mil hectares. O autor é António Costa, então ministro da Administração Interna - que, anos depois, havia de ver o seu antigo secretário de Estado Ascenso Simões a admitir “um erro grave” na política de defesa da floresta, ao não se apostar na prevenção. Já enquanto primeiro-ministro, Costa procura seguir o seu próprio lema. Em Pedrógão abriu exceção e foi ao terreno. Mas, ainda assim, não se livraria de falsas acusações. Uma publicação nas redes sociais, que se espalhou rapidamente, acusava o primeiro-ministro de estar de férias enquanto o país ardia. O assunto só havia de ser encerrado em 2019 quando, no final de uma ação de campanha eleitoral em Lisboa, Costa é confrontado por um idoso: “O senhor quando foi dos incêndios lá de cima de Pedrógão Grande estava nas suas merecidas férias”. O socialista irritou-se, quase partiu para a violência, quase pôs em causa o trabalho de toda a campanha. Por causa de uma mentira incendiária.

A polémica que podia ter sido tragédia

Não foram os incêndios a fazer cair Eduardo Cabrita. Mas o ministro da Administração Interna, chamado para o lugar de Constança Urbano de Sousa após os incêndios de 2017, não se livrou de polémicas nesta matéria. Isto porque o Estado adquiriu 70 mil golas antifumo, para a proteção das pessoas no âmbito do programa Aldeia Segura, que, afinal, eram feitas de material inflamável. Os custos destes kits levaram também a um inquérito da Procuradoria-Geral da República e a buscas por parte da Polícia Judiciária. A nível político, o secretário de Estado da Proteção Civil, José Neves, acabou a pedir a demissão, após decisão semelhante do seu adjunto Francisco Ferreira.

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