opinião

O arraso de Costa

31 jan 2022, 11:56

Artigo de opinião do comentador da CNN Portugal Rui Calafate

A maioria absoluta que ontem aconteceu e à qual fui o único a abrir essa hipótese na sexta-feira na emissão da CNN Portugal tem uma fácil explicação e várias sub-teses. Os portugueses castigaram fortemente os parceiros da geringonça que não permitiram a aprovação do Orçamento do Estado. Os portugueses queriam estabilidade para enfrentar a pandemia e o PS a comandar o País, assim o forte apelo ao voto útil dizimou o BE e o PCP que juntos obtiveram 31 deputados em 2019.

No artigo que escrevi para o site da CNN Portugal, alertei que a vitória num debate não ganha eleições, uma arruada plena de gente não ganha eleições, uma sondagem com um ou dois pontos de vantagem não ganha eleições, o que conta é o voto das pessoas. Por diversas vezes afirmei na CNN que não confio muito em sondagens, mas acredito na minha intuição de 25 anos de carreira no jornalismo político e na comunicação e nas dinâmicas eleitorais. A primeira semana oficial de campanha correu bem ao PSD e o PS soube ajustar a agulha acabando com o pedido de maioria absoluta e entrando numa lógica de capacidade de negociação com todos os partidos (com a excepção do Chega) à qual denominei de “bacalhau com todos”.

Também na CNN criei outro soundbyte que se veio a confirmar. Disse que o PS tinha tomado a vacina de Lisboa. Isto é, António Costa compreendeu muito bem que Fernando Medina perdeu Lisboa porque se criou a ideia (fruto de sondagens e debates) que ia ganhar facilmente. E assim a esquerda desmobilizou e absteve-se dando uma vitória inesperada a Carlos Moedas. Agora, o PS não facilitou e usou a arma do voto útil contra a direita. E a estratégia ganhou.

Mas para lá de relevar o arraso de Costa, não podemos deixar passar a clamorosa derrota de Rui Rio, uma das maiores de sempre, especialmente porque enfrentava um primeiro-ministro com 6 anos de exercício e algum desgaste. O apelo do voto útil à direita falhou, as piadas não convenceram ninguém e o Zé Albino caiu no ridículo. Rio não é um homem carismático, foi tímido a falar de mudança e a sua aposta de “Portugal ao Centro” foi um “flop” porque o centro moderado não saiu dos braços de António Costa e o PSD esqueceu a direita que deu de mão beijada ao Chega e Iniciativa Liberal, dois grandes vencedores também da noite de ontem.

O PSD vai entrar numa nova disputa pela liderança e Carlos Moedas é o homem para o qual todos vão olhar. O problema é que foi eleito em Lisboa há 100 dias. Seria péssimo para a capital que o novel presidente saísse e estar sentado em duas cadeiras - na São Caetano e na Praça do Município - não parece plausível para um partido que se tem de reorganizar.

Doze deputados para André Ventura são um excepcional resultado e sendo a terceira força política vamos ter de estar atentos a ela. Em pouco tempo ser a terceira força política em todo o território nacional é obra e não se pode apoucar, porém, caberá ao líder e ao novo grupo parlamentar mostrar preparação, propostas concretas e reforçar o Chega com melhores quadros para poder ambicionar crescer.

A Iniciativa Liberal é agora um fortíssimo partido urbano, de gente com qualificações profissionais e muitos jovens. É uma sementeira segura que para lá de alicerçar o partido o pode fazer crescer, até aproveitando a seca de novidades e de ligação à sociedade civil do PSD. Não posso deixar de enviar um forte abraço aos meus amigos Rodrigo Saraiva e Manuel Soares de Oliveira que desde o início sonharam este projecto e dar os parabéns para um magnífico líder, bem preparado, que esteve bem em toda a campanha, o João Cotrim de Figueiredo.

Uma palavra para o Rui Tavares que finalmente consegue ser eleito, também fez uma boa campanha e merecia estar no Parlamento até para apagar a tragicomédia de Joacine que beliscou a imagem do Livre. Na restante esquerda teremos seguramente mudança nas lideranças. O BE, como antevi na CNN, seria o partido mais penalizado pelo voto útil no PS e foi. Catarina Martins terá de dar o lugar ao maior trunfo actual do Bloco, Mariana Mortágua. No PCP foi o último combate do generoso e grande homem que é Jerónimo de Sousa, que cederá o lugar provavelmente a João Ferreira.

O PAN que navegou na ambiguidade quase foi extinto, sobrou Inês Sousa Real, que não percebeu que os seus problemas empresariais afectaram em muito o partido. E deixo para o fim o meu lamento por o CDS, um partido fundador da democracia portuguesa, perder a sua representação parlamentar. Há muitas culpas de todos, do Francisco Rodrigues dos Santos também, foi uma campanha de um homem só, bateu-se com dignidade mas não chegou. Não é surpresa este desfecho, mas lamento.

A maioria absoluta dá quatro anos de tranquilidade ao PS e caberá à oposição e comunicação social fazer o seu trabalho. Portugal vai receber muito dinheiro da UE, é tempo de reformas e do tecido empresarial português se modernizar. Portugal não pode desperdiçar esta oportunidade. Esperemos que tudo corra bem.
 

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