António e Inês prontos para renovar os votos (o lítio e o novo aeroporto é que podem azedar a relação)

8 jan 2022, 21:59

No longo prazo, as visões diferem. Costa avisa que não é possível querer transição climática sem uma aposta no lítio. Inês de Sousa Real insiste que, se o novo aeroporto for para manter no Montijo, talvez o melhor seja calçar as “galochas” para uma visita daqui a 30 anos. Posições distintas de dois líderes que, no curto prazo, parecem disponíveis para firmar alianças.

Nenhum fechou a porta a um acordo após a noite de 30 de janeiro. António Costa e Inês de Sousa Real quiseram vincar que não é por causa de nenhum deles que o país vai a votos mais cedo do que o esperado.

“Foi o único partido, juntamente com o PS, que não contribuiu para esta crise absurda”, começou o secretário-geral do PS.

Na resposta, a porta-voz do PAN diria o mesmo. “Não contribuímos para esta irresponsabilidade. Os portugueses não queriam uma crise política em cima de uma crise económica”, afirmou.

Como o passado não se pode mudar, era tempo de falar no futuro. Questionado diretamente sobre um acordo de incidência parlamentar - ou mesmo sobre ir mais longe com ministros do PAN no Governo -, Costa nunca descartou. Nem a líder do partido ecologista.

“Fora alguns exageros, temos conseguido trabalhar em diálogo”, garantiu Costa. Inês de Sousa Real lembrou que o Orçamento do Estado para 2022 ficou “aquém das expectativas”. E que, a haver uma nova parceria, não podiam ficar de fora as “causas fundamentais”.

Costa haveria, já numa fase posterior do debate, de 'piscar o olho' à líder do PAN, para lhe mostrar que o outro pretendente não está à altura. Para exigir uma posição a um partido que, “às vezes, se coloca numa posição um bocado equidistante entre o PS e o PSD”. Com que arma? O programa eleitoral dos sociais-democratas, onde se defende a liberalização da plantação de eucaliptos e o retorno da tutela da proteção dos animais de companhia para a Direção-Geral de Veterinária.

“O PAN desvia-se completamente. Temos uma visão completamente distante do PSD”, respondeu Inês de Sousa Real.

E, segundos depois, explicava como gostaria de ver organizados dois ministérios de um eventual Governo: o Ministério da Economia e das Alterações Climáticas e o Ministério do Ambiente, da Biodiversidade e da Proteção Ambiental. Se este é um caderno de encargos já a pensar no futuro? O resultado das eleições o dirá.

Debate foi transmitido em simultâneo pela CNN Portugal e pela TVI (Foto: Armanda Claro / Media Capital)

Lítio, o nome do primeiro arrufo

A transição climática, para uma economia mais verde, foi o tema forte do debate. António Costa e Inês de Sousa Real até concordam na meta. O mais difícil, como em qualquer relação, é como lá chegar.

A porta-voz do PAN começou por admitir que a exploração de lítio é “um tema complexo” e criticou “a opacidade dos contratos que temos assistido até aqui”. É o caso da Serra da Argemela, onde a população tem contestado a retirada desta matéria-prima, determinante para a produção de baterias – e, logo, para descarbonizar a economia.

Costa usou o argumento de que “todos os contratos dizem que não pode haver exploração se não houver um estudo de impacte ambiental”. Mas haveria de abrir ainda mais a divisão com a adversária de debate:

“Há desconfiança [nestes negócios] a partir do momento em que são feitos os contratos sem um estudo prévio”, respondeu Inês de Sousa Real. Ficou então a promessa de apresentar propostas para alterar esta lei em concreto.

O primeiro-ministro havia de lembrar depois que a transição energética – que vai custar “25 mil milhões de euros” – tem de ser feita em parceria com as empresas, porque “não haverá fundos suficientes” para responder a este desafio. E, para lá chegar, “uma nova fileira industrial” ligada ao lítio é uma das soluções; 

“Não é possível haver sol na eira e chuva no nabal”, atirou.

Eis a previsão de que o casamento com o PAN – que, apesar do trabalho em conjunto, não assinou qualquer acordo no passado – nunca será um ‘mar de rosas’.

António Costa lembrou papel do PAN na votação do Orçamento de 2022 (Foto: Armanda Claro / Media Capital)

Sem altos voos, entre o Montijo e Beja

A indústria da aviação é uma das mais poluentes do mundo, mas tanto o PS como o PAN sabem que Portugal não pode viver sem ela por causa do turismo. Há décadas que o país discute onde instalar um novo aeroporto, para retirar pressão à Portela. Para Costa, não há duvidas: “não está a ser avaliada outra opção” que não seja ter infraestruturas no Montijo e em Alcochete. Basta esperar pela avaliação ambiental estratégica.

Mas, para espanto do primeiro-ministro, o PAN queria descer um pouco mais para sul. Inês de Sousa Real defendeu que a avaliação ambiental estratégica devia ser feita tendo em conta “todas as opções aeroportuárias, incluindo Beja”, ligada à capital por comboios.

Costa insistiu no “custo ambiental” da ideia, a porta-voz do PAN respondeu com a subida do nível médio das águas:

“Daqui a 30 anos, terei de fazer consigo uma visita, mas de galochas, porque a zona vai ser inundada”.

Inês de Sousa Real fez questão de vincar as diferenças entre o PAN e o PS (Foto: Armanda Claro / Media Capital)

O mais forte: o que une ou o que separa?

António Costa e Inês de Sousa Real haviam de discordar noutros pontos, como o Rendimento Básico Incondicional ou o peso das alterações climáticas no Plano de Recuperação e Resiliência.

Mas, ao longo do debate, havia de se tornar evidente que, além do desejo de estabilidade, há outras metas concretas a juntar PS e PAN: os incentivos às empresas para que se tornem mais verdes, o aumento dos salários (não só o mínimo como o médio), a revisão dos escalões de IRS ou a necessidade de aplicar bem os fundos de Bruxelas.

“A transição climática tem de ser justa. É fundamental que não multipliquemos adversários”, insistiu Costa. Vendo, do outro lado da mesa, uma provável aliada depois da morte da geringonça.

Debate decorreu em tom cordial mas não esteve livre de 'farpas' (Foto: Armanda Claro / Media Capital)

 

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