No longo prazo, as visões diferem. Costa avisa que não é possível querer transição climática sem uma aposta no lítio. Inês de Sousa Real insiste que, se o novo aeroporto for para manter no Montijo, talvez o melhor seja calçar as “galochas” para uma visita daqui a 30 anos. Posições distintas de dois líderes que, no curto prazo, parecem disponíveis para firmar alianças.
Nenhum fechou a porta a um acordo após a noite de 30 de janeiro. António Costa e Inês de Sousa Real quiseram vincar que não é por causa de nenhum deles que o país vai a votos mais cedo do que o esperado.
“Foi o único partido, juntamente com o PS, que não contribuiu para esta crise absurda”, começou o secretário-geral do PS.
Na resposta, a porta-voz do PAN diria o mesmo. “Não contribuímos para esta irresponsabilidade. Os portugueses não queriam uma crise política em cima de uma crise económica”, afirmou.
Como o passado não se pode mudar, era tempo de falar no futuro. Questionado diretamente sobre um acordo de incidência parlamentar - ou mesmo sobre ir mais longe com ministros do PAN no Governo -, Costa nunca descartou. Nem a líder do partido ecologista.
“Fora alguns exageros, temos conseguido trabalhar em diálogo”, garantiu Costa. Inês de Sousa Real lembrou que o Orçamento do Estado para 2022 ficou “aquém das expectativas”. E que, a haver uma nova parceria, não podiam ficar de fora as “causas fundamentais”.
Costa haveria, já numa fase posterior do debate, de 'piscar o olho' à líder do PAN, para lhe mostrar que o outro pretendente não está à altura. Para exigir uma posição a um partido que, “às vezes, se coloca numa posição um bocado equidistante entre o PS e o PSD”. Com que arma? O programa eleitoral dos sociais-democratas, onde se defende a liberalização da plantação de eucaliptos e o retorno da tutela da proteção dos animais de companhia para a Direção-Geral de Veterinária.
“O PAN desvia-se completamente. Temos uma visão completamente distante do PSD”, respondeu Inês de Sousa Real.
E, segundos depois, explicava como gostaria de ver organizados dois ministérios de um eventual Governo: o Ministério da Economia e das Alterações Climáticas e o Ministério do Ambiente, da Biodiversidade e da Proteção Ambiental. Se este é um caderno de encargos já a pensar no futuro? O resultado das eleições o dirá.
Lítio, o nome do primeiro arrufo
A transição climática, para uma economia mais verde, foi o tema forte do debate. António Costa e Inês de Sousa Real até concordam na meta. O mais difícil, como em qualquer relação, é como lá chegar.
A porta-voz do PAN começou por admitir que a exploração de lítio é “um tema complexo” e criticou “a opacidade dos contratos que temos assistido até aqui”. É o caso da Serra da Argemela, onde a população tem contestado a retirada desta matéria-prima, determinante para a produção de baterias – e, logo, para descarbonizar a economia.
Costa usou o argumento de que “todos os contratos dizem que não pode haver exploração se não houver um estudo de impacte ambiental”. Mas haveria de abrir ainda mais a divisão com a adversária de debate:
“Há desconfiança [nestes negócios] a partir do momento em que são feitos os contratos sem um estudo prévio”, respondeu Inês de Sousa Real. Ficou então a promessa de apresentar propostas para alterar esta lei em concreto.
O primeiro-ministro havia de lembrar depois que a transição energética – que vai custar “25 mil milhões de euros” – tem de ser feita em parceria com as empresas, porque “não haverá fundos suficientes” para responder a este desafio. E, para lá chegar, “uma nova fileira industrial” ligada ao lítio é uma das soluções;
“Não é possível haver sol na eira e chuva no nabal”, atirou.
Eis a previsão de que o casamento com o PAN – que, apesar do trabalho em conjunto, não assinou qualquer acordo no passado – nunca será um ‘mar de rosas’.
Sem altos voos, entre o Montijo e Beja
A indústria da aviação é uma das mais poluentes do mundo, mas tanto o PS como o PAN sabem que Portugal não pode viver sem ela por causa do turismo. Há décadas que o país discute onde instalar um novo aeroporto, para retirar pressão à Portela. Para Costa, não há duvidas: “não está a ser avaliada outra opção” que não seja ter infraestruturas no Montijo e em Alcochete. Basta esperar pela avaliação ambiental estratégica.
Mas, para espanto do primeiro-ministro, o PAN queria descer um pouco mais para sul. Inês de Sousa Real defendeu que a avaliação ambiental estratégica devia ser feita tendo em conta “todas as opções aeroportuárias, incluindo Beja”, ligada à capital por comboios.
Costa insistiu no “custo ambiental” da ideia, a porta-voz do PAN respondeu com a subida do nível médio das águas:
“Daqui a 30 anos, terei de fazer consigo uma visita, mas de galochas, porque a zona vai ser inundada”.
O mais forte: o que une ou o que separa?
António Costa e Inês de Sousa Real haviam de discordar noutros pontos, como o Rendimento Básico Incondicional ou o peso das alterações climáticas no Plano de Recuperação e Resiliência.
Mas, ao longo do debate, havia de se tornar evidente que, além do desejo de estabilidade, há outras metas concretas a juntar PS e PAN: os incentivos às empresas para que se tornem mais verdes, o aumento dos salários (não só o mínimo como o médio), a revisão dos escalões de IRS ou a necessidade de aplicar bem os fundos de Bruxelas.
“A transição climática tem de ser justa. É fundamental que não multipliquemos adversários”, insistiu Costa. Vendo, do outro lado da mesa, uma provável aliada depois da morte da geringonça.