António Costa enfrenta hoje o debate "mais crítico" da legislatura. Os (bons) dados económicos podem não ser suficientes

24 mai, 10:00
António Costa no Parlamento. (Tiago Petinga/ Lusa)

Politólogos e especialistas em comunicação política apontam que o debate parlamentar com o primeiro-ministro acontecerá num "ambiente de cortar a faca". Dossier TAP irá dominar ataques da esquerda à direita, mas Costa estará a guardar trunfos para o embate parlamentar

‘Zugswang’. É assim que os alemães lhe chamam. Define uma posição no xadrez em que um dos jogadores é obrigado a movimentar-se, mesmo que todas as alternativas o coloquem numa posição pior do que aquela em que começou.

Esta quarta-feira o cenário pode muito bem vir a aplicar-se ao primeiro-ministro quando tomar o púlpito do hemiciclo e for pressionado a dar respostas sobre o seu grau de envolvimento na polémica chamada ao SIS para recuperar o computador de Frederico Pinheiro, ex-adjunto exonerado do Ministério das Infraestruturas.

São, aliás, as versões contraditórias e as pontas soltas deixadas pela Comissão de Inquérito à gestão da TAP que, perspetiva-se, vão dominar grande parte do debate de política geral no Parlamento que, lembra a politóloga e professora universitária Paula do Espírito Santo, acontece num período “muito difícil” para António Costa “depois de deixar de ter, de uma maneira muito clara e pública, o apoio institucional do Presidente da República”. 

Assim, resume o historiador e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, António Costa Pinto, “enquanto o primeiro-ministro pretenderá debater a política governamental do seu Executivo, todos os partidos da oposição centrarão as suas críticas a propósito da manutenção do ministro João Galamba na pasta das Infraestruturas” - uma decisão pessoal de António Costa que o colocou em pé de guerra com Belém. 

É, por isso, justifica Paula do Espírito Santo, “um dos momentos mais críticos desta legislatura” e será o ponto de ebulição decorrente de “várias situações acumuladas de incapacidade de gestão do ponto de vista geral do Primeiro-Ministro em relação ao Governo”.

O último debate parlamentar com o primeiro-ministro aconteceu no dia 22 de março, antes de ter sido aberta (mais) uma crise política relacionada com a TAP. Mas desde aí, foram também desencadeadas dezenas de manifestações que ocuparam as ruas de Lisboa, Porto, Portimão, Aveiro, Braga, Coimbra e Viseu em defesa de setores que alcançam quase toda a infraestrutura do País.

 “Os partidos da oposição, da esquerda à direita, vão atacar o Governo perante a degradação dos serviços do Estado, da saúde, da educação, da justiça e dos transportes”, prevê o comentador e consultor de comunicação Rui Calafate. No entanto, conclui, o mais provável será que esses temas sejam nota de roda pé, no qual o primeiro-ministro se pode precaver com anúncio de novas medidas. Mas, “no debate, não bastará um passo de mágica com mais milhões a distribuir pelos mais carenciados, no Parlamento, António Costa terá mesmo de dar explicações que podem vir a ser cruas, mas que têm de ser muito claras para que não reinem dúvidas aos portugueses” sobre, por exemplo, o nível de comprometimento na ativação do SIS para recuperar o computador do Ministério das Infraestruturas e que contactos existiram com João Galamba nessa noite.

Para a esgrima política, António Costa irá trazer sobretudo - e paralelamente à tentativa de desvalorização das polémicas no dossier TAP - os números da economia. Portugal liderou o crescimento económico na Europa no primeiro trimestre e já há revisões em alta para que este ano os resultados fiquem acima do previsto, entre 2,1% e 2,9% segundo um estudo de economistas do ISEG.

“António Costa normalmente é muito factual e muito concreto nas suas respostas, julgo que se defenderá, sobretudo, ao mostrar os resultados do crescimento económico, centrando nessa área a quase totalidade das respostas e distanciando-se o mais possível das questões mais casuísticas, tentando diminuir aquelas que são as falhas ou questões menos esclarecidas apontadas pelos adversários no Parlamento”, afirma Paula do Espírito Santo, que considera que este pode também ser um momento ideal para apresentar “novas medidas que poderá ter guardado até ao debate, por exemplo ao nível de áreas frágeis, como a saúde, educação ou ferrovia, que serão úteis para desviar atenções de temas mais quentes”.

Costa tomará o púlpito também menos de uma semana depois de terem começado a ser pagos os aumentos intercalares aos Funcionários Públicos e de Mariana Vieira da Silva ter também anunciado que existe “margem” dentro do Governo para que os aumentos anuais sejam superiores ao já acordado com os sindicatos. “Costa tentará reafirmar e capitalizar nestes pontos económicos”, assevera o investigador António Costa Pinto, argumentando que este será o momento para ultrapassar “a grande dificuldade de fazer passar mensagens positivas” do seu Executivo.

Será, de qualquer das formas, “um ambiente de cortar a faca”, mas “é nestes momentos mais duros que vemos o melhor de António Costa”, diz Rui Calafate, sublinhando que uma das principais mensagens que o primeiro-ministro tentará passar é a de “não existir qualquer erosão dentro do Governo”, mesmo que dentro da máquina socialista tenham aparecido vozes críticas, como Sérgio Sousa Pinto e Alexandra Reis. Para além disso, as probabilidades jogam a favor de Costa, assevera. “Habitualmente, nos debates parlamentares o primeiro-ministro ganha sempre, porque os regimentos da Assembleia da República também lhe dão mais tempo para responder a todos os ataques, o que, a priori, permite que faça o rebate a todas as críticas dirigidas a si”.


Cavaco Silva. Os dados foram lançados

Cavaco Silva convidou António Costa a apresentar a demissão no seu discruso no Encontro de Autarcas Sociais-Democratas

Luís Montenegro vai assistir de fora ao debate desta quarta-feira que, antecipam os especialistas em política e comunicação consultados pela CNN Portugal, vincará, nem que seja de relance, o discurso demolidor que Cavaco Silva deu no fim de semana - o ex-Presidente da República acusou a governação socialista de ser “mentirosa” e “incompetente”, lançando o seguinte convite a António Costa: “Às vezes, os primeiros-ministros, em resultado de uma reflexão sobre a situação do país, depois de um rebate de consciência, decidem apresentar a demissão e dar lugar eleições antecipadas". 

Para Paula do Espírito Santo, o grupo parlamentar do PSD enfrenta neste debate um teste às suas capacidades de fazer oposição e de se mostrar como uma alternativa isolada, impulsionado pela violência das críticas de Cavaco Silva. “Esta comunicação por parte do antigo Chefe de Estado vem trazer mais visibilidade a uma mensagem que, eventualmente, não estaria a surtir tanto efeito ou não estaria tão projetada como, se calhar, seria expectável na Assembleia da República”. Há, diz, “uma grande oportunidade para o PSD e para Montenegro de forma indireta beneficiar disto”.

Já Rui Calafate mostra-se menos convencido. “Uma coisa é ter o líder da oposição à frente de António Costa outra coisa é ter o professor Miranda Sarmento, que já no passado provou que é, efetivamente, um bom professor catedrático, um magnífico especialista de finanças, mas um fraco líder parlamentar”.

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