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Colunista e comentador

Galambismo à sobremesa? Queres tu ver que o Pinto da Costa tem razão?

4 mai 2023, 07:30
Pinto da Costa (FC Porto)

Rui Santos olha para os últimos acontecimentos do País e pergunta se, neste contexto, é possível pedir “alguma coisa” (de distintivo) ao futebol

Apesar de sublinhar a propensão dos nossos técnicos e atletas para desempenhos desportivos ao mais alto nível da competição internacional, reconhecendo que o país tem uma capacidade singular para gerar talentos na área do Desporto e no futebol em particular, tenho sido muito crítico sobre a base que sustenta o nosso dirigismo desportivo e ainda há dias — na mensagem desta semana, dirigida ao presidente da Liga, Pedro Proença — falava, nesse caso particular do futebol profissional, da falta de liderança que existe no sector e da incapacidade de se agir perante o marasmo e os défices que atingem o sector há décadas.

Pinto da Costa continua agarrado à ideia do centralismo que não existe porque, a existir, a Liga nunca teria sido deslocada para o Porto, a Comissão de Instrutores da Liga nunca funcionaria a partir do Porto, o Estádio do Dragão nunca seria chamado as vezes que é para ser o palco dos jogos da Seleção Nacional e o FC Porto nunca seria o clube com mais títulos no tempo da democracia, depois de 1974.

Esse centralismo, cujo maior porta-bandeira é Pinto da Costa, ainda agora em entrevista recente a verbalizar esse sentimento de um País que só tem olhos para o seu umbigo em Lisboa, corresponde à maior mentira e mistificação do pós-25 de Abril.

Quer fazer-se crer que, apesar do FC Porto ter conquistado a esmagadora maioria dos seus títulos depois da ‘revolução dos cravos’, em número superior àquele que é contabilizado pelo Benfica e Sporting em conjunto, o País ‘joga’ e continua a ‘jogar’ com as ossadas de Salazar.

Não é assim, já se percebeu que não é assim, porque feliz e genericamente a dicotomia entre o litoral e o interior, essa sim mais difícil de mitigar, desvaneceu-se, mas em 2023 como em 1983 o discurso continua a ser o mesmo e isso tem acentuado não apenas as características de um discurso odiento e divisionista mas o adiamento das reformas necessárias para o futebol profissional se desenvolver, no seu todo, de Faro a Bragança, à medida das suas imensas potencialidades.

A FPF e a Liga, cada qual no seu tabuleiro, mas em estratégia concertada, deveriam fazer tudo o que está ao seu alcance para moderar ou estugar o passo aos excessos do tecido clubístico nacional, mas não conseguem porque o centro do poder não está — como devia estar — nesses organismos, mas em bolsas de influência muito restritivas as quais, como o eucalipto, secam tudo à sua volta.

Aqui e ali, sem nunca deixar de referir os méritos quando eles se revelam, falamos a dificuldade de Fernando Gomes (FPF) e Pedro Proença em  assumir as respetivas lideranças; referimos a falta de vontade do ‘aparelho’ do FC Porto em se modernizar; falamos da incapacidade da ‘máquina operativa’ do Benfica em saber utilizar a força que tem no melhor dos sentidos (e não como fez o ‘vierismo em copiar algumas das más práticas que dominaram o futebol indígena nos últimos decénios); e falamos da quase impossibilidade de qualquer movimento alternativo se impor perante a militante bicefalia.

A Liga é, por isso, o que é: faz um esforço para vender uma imagem positiva e a ideia de internacionalização, mas é um organismo morto-vivo, apenas com capacidade para gerir calendários (e nem sempre de acordo com os interesses dos adeptos, a avaliar pelas horas tardias a que começam certos jogos), em palpos de aranha para distribuir as receitas dos direitos televisivos de uma forma mais equilibrada e justa.

O nosso futebol continua a evidenciar-se pela falta de respeito perante os adversários, pelo bloqueio que as claques mais destemidas impõem às SAD, pelas ameaças em torno daqueles que têm de decidir; pelo ambiente insustentável que se gera em torno das equipas de arbitragem e pelo medo que se apoderou delas; pelo terrorismo dialéctico de algumas centrais de comunicação/intoxicação, fomentado pelos presidentes e consentido pelas sedes disciplinares; pela falta de bom-senso (vamos dizer assim) no universo das comissões e dos comissionistas.

Os mais desatentos dirão que é uma visão demasiado negativa do nosso futebol.

Não é. Talvez só seja quando olhamos para o País e queremos que o Futebol seja melhor do que o País.

Esta semana tem sido particularmente fértil em acontecimentos que comprometem Portugal, os actores políticos, o governo e a oposição, as nossas instituições, o País em geral.

Tudo começou com a forma como Lula foi recebido no nosso país, entre o bacoco heroísmo e a jovem decrepitude do verbo envergonhar; passando pela notícia de que a prescrição pode ter tomado conta da operação-Marquês; pelos quilolitros de combustível derramado sob as asas da TAP e respectivas indemnizações; e pela crise política que se gerou através de incidentes graves ocorridos no Ministério das Infra-Estruturas, com o pedido de demissão de João Galamba, que o primeiro-ministro António Costa não aceitou, deixando o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em estado mais ou menos catatónico, mas em condições de comer um geladinho de limão, framboesa e chocolate.

— Por que razão são tão curiosos? - perguntou Marcelo. E continuou: “Não me digam que estiveram aqui este tempo todo?! - com a preocupação de não deixar derreter o geladinho.

A acabar (de cone na mão):

— Eu a comer um gelado ‘Santini’ e as pessoas preocupadas?!

Um país com graça (?!) num momento desgraçado, que diz muito sobre o estado a que Portugal chegou. Nada parece sério, nada parece ser para levar a sério, olhamos para as televisões nos últimos dias e parece que, no eixo São Bento-Belém, estamos a ver o Herman José ou o Manuel Marques a contracenar. A rábula que não é rábula. É a vida real em desenhos animados.

Uma brincadeira pegada, a extensão da brincadeira, entre o “Tom” e o “Jerry”, com o país a assistir e a comer pipocas.

Olhamos para a pantalha e somos capazes de começar a dar razão a Pinto da Costa e, também, já agora que estamos em maré de humor, a Ricardo Araújo Pereira: provavelmente não há outra forma de estar nisto a não ser gozar com isto tudo ou… gozar com quem trabalha.

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