O gelo marinho da Antártida nunca foi tão pouco - e os cientistas interrogam-se se será "o princípio do fim"

CNN , Laura Paddison
25 fev 2023, 18:00
Icebergue azul preso no gelo marinho do Mar de Weddell, Antártida. Education Images/Universal Images Group Editorial/Getty Images

O gelo marinho antártico atingiu níveis baixos recorde pela segunda vez em dois anos, com alguns cientistas alarmados com o facto de as quedas dramáticas serem um sinal de que a crise climática pode estar agora a influenciar mais claramente esta vasta, complexa e isolada região.

O gelo marinho que circunda a Antártida caiu para apenas 1,91 milhões de quilómetros quadrados em 13 de fevereiro, de acordo com o National Snow and Ice Data Center dos Estados Unidos (NSIDC na sigla em inglês), abaixo do recorde anterior de 1,92 milhões de km2 estabelecido em 25 de fevereiro do ano passado.

Este gelo pode ainda encolher mais: o nível mais baixo do verão do sul pode ainda não ter sido atingido, uma vez que ainda estamos em fevereiro [o último mês do verão neste hemisfério].

Os últimos dois anos marcam a única vez que os níveis de gelo do mar desceram abaixo dos 2 milhões de km2 desde que os satélites começaram a monitorizá-lo em 1978.

"Não se trata apenas de um nível baixo recorde", disse Ted Scambos, glaciólogo da universidade do Colorado Boulder, à CNN. "Está numa tendência de queda muito acentuada."

Extensão do gelo marinho antártico (superfície oceânica com pelo menos 15% de gelo marinho). National Snow and Ice Data Center

Ao contrário do Ártico, onde a taxa de perda de gelo marinho tem seguido uma trajetória descendente bastante consistente à medida que as alterações climáticas aceleram, a extensão de gelo marinho antártico tem oscilado para cima e para baixo, tornando mais difícil perceber como o continente e o seu oceano circundante estão a responder ao aquecimento global.

As duas regiões polares são muito diferentes. Enquanto o Ártico é um oceano rodeado por continentes, a Antártida é um continente rodeado pelo oceano - isto significa que o seu gelo marinho pode crescer para fora, sem constrangimentos por terra. O gelo da Antártida tende a ser mais fino do que o gelo do Ártico, com maiores subidas no inverno e descidas mais acentuadas no verão.

Os modelos climáticos projetavam declínios no gelo marinho antártico semelhantes ao Ártico, mas até há pouco tempo a região estava a comportar-se de forma completamente diferente do que os modelos previam.

Atingiu um nível recorde de extensão no inverno de 2014, quando chegou aos 2 milhões de km2, o que parecia suportar a ideia de que a Antártida poderia estar relativamente à margem do aquecimento global.

Mas, em 2016, algo mudou. Os cientistas começaram a observar uma tendência descendente acentuada.

No início, alguns atribuíram-na à variabilidade habitual deste continente vastamente complexo, com os seus sistemas climáticos diversos e interligados. Mas depois de dois recordes consecutivos de gelo marinho baixo, os cientistas estão a ficar preocupados.

"A questão é: será que as alterações climáticas chegaram à Antártida? Será este o princípio do fim? Irá o gelo marinho desaparecer definitivamente nos próximos anos, no verão do sul?", questionou Christian Haas, chefe do departamento de investigação da Física do Gelo Marinho no instituto Alfred Wegener na Alemanha, em entrevista à CNN.

Extensão mínima anual de gelo marinho na Antártida (1979-2023). National Snow and Ice Data Center

Vários fatores podem explicar por que o gelo marinho é tão baixo, incluindo ventos, correntes oceânicas e calor oceânico.

As temperaturas do ar estão mais altas do que o normal em partes da Antártida, cerca de 1,5 graus Celsius acima da média de longo prazo.

Outra consideração importante é a faixa de ventos de oeste que circunda a Antártida, conhecida como o Modo Anular do Sul. Estes ventos, que podem aumentar o derretimento do gelo marinho, têm sido mais fortes do que o habitual, de acordo com o NSIDC, e juntam-se às condições meteorológicas que bombeiam ar quente para a região.

A força dos ventos tem sido associada, em parte, ao aumento da poluição que aquece o planeta, bem como ao buraco na camada de ozono acima do continente.

Há também sugestões de que o gelo marinho pode estar a derreter devido ao calor retido logo abaixo da superfície do oceano, apontou Scambos.

"Basicamente, estás a receber calor na camada superior [da água] à volta da Antártida", sublinhou. Se essa teoria se mantém, e está ligada ao aquecimento geral dos oceanos, "então isso tem grandes implicações para a estabilidade da camada de gelo da Antártida".

O desaparecimento do gelo marinho pode ter um efeito bola de neve na Antártida e não só.

Embora não afete diretamente o nível do mar, porque já flutua no oceano, a perda da franja de gelo marinho em torno da Antártida deixa as placas de gelo costeiro e os glaciares expostos às ondas e às águas quentes do oceano, tornando-os muito mais vulneráveis ao derretimento e à ruptura.

Uma paisagem antártica alterada poderá ter impactos significativos sobre a sua vida selvagem, desde os microorganismos e algas que sustentam a cadeia alimentar - alimento para o krill [pequenos crustáceos] que, por sua vez, alimenta muitas das baleias da região - até aos pinguins e focas que dependem do gelo marinho para se alimentarem e descansarem.

Pinguins Adelie na Ilha Paulet, no Mar de Weddell, perto da ponta da Península Antártica. Wolfgang Kaehler/LightRocket via Getty Images

Partes da Antárctida têm vindo a assistir a mudanças alarmantes desde há algum tempo.

A Península Antártica, uma cadeia de montanhas geladas que se ergue do lado ocidental do continente como um polegar apontando para a América do Sul, é um dos lugares de aquecimento mais rápido do Hemisfério Sul.

Carlos Moffat, oceanógrafo da Universidade de Delaware, que acaba de regressar de uma viagem à Península Antártica, disse à CNN que o gelo marinho baixo e as temperaturas muito quentes do oceano que encontrou "são dramaticamente diferentes do que observámos nas últimas décadas".

Para Moffat, que visita a região todos os verões como parte da investigação Palmer Long-Term Ecological Research, "as condições deste ano estão num cenário de mudanças de longo prazo nesta região da Antártida".

No ano passado, cientistas disseram que o vasto Glaciar Thwaites da Antártida Ocidental - também conhecido como o "Glaciar do Juízo Final" - estava "preso por um fio" à medida que o planeta aquece, sendo possível um rápido recuo nos próximos anos. Os cientistas estimaram que a subida global do nível do mar poderia aumentar cerca de 3 metros se o Glaciar Thwaites colapsasse totalmente, devastando as comunidades costeiras em todo o mundo.

É muito cedo para dizer se a diminuição recorde do gelo marinho é o novo normal ou se ele irá recuperar, e a Antártida é conhecida pelas suas oscilações significativas. "Embora 2022 e 2023 tenham tido uma extensão mínima recorde, quatro dos cinco mínimos mais altos ocorreram desde 2008", salientou o próprio NSIDC.

"Vai demorar algum tempo a assimilar isto tudo", observou Scambos. "Ainda estamos a reagir a uma mudança relativamente súbita. Os últimos anos têm sido um ponto de exclamação dramático sobre uma tendência que estava a desenvolver-se desde 2016."

Os cientistas precisarão de pelo menos mais cinco anos de dados e observações, estimou, mas não tem dúvidas: "Parece mesmo que algo mudou na Antártida e que as coisas estão muito mais sérias."

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