No arranque do debate do Orçamento do Estado, o primeiro-ministro disse uma grande verdade: a política de rendimentos depende do crescimento económico. E quem faz a economia crescer são as empresas. La Palisse não diria melhor.
Para sustentar este truísmo, Montenegro tem utilizado a descida do IRC como bala de prata para espevitar uma economia que parece resignada à mediocridade. Ora por erros e falta de condições políticas internas, ora por fatores externos.
Não desprezo a descida do IRC como um fator crítico, sobretudo, para atrair novo investimento privado para Portugal. Mais, até do que pelo impacto que possa vir a ter nas empresas que já estão cá. Mas a medida parece-me manifestamente curta, sobretudo se não for acompanhada de um conjunto de reformas que, no essencial, passam por repensar o papel do próprio Estado.
O que justifica, em grande medida, o atraso português é a ineficiência do Estado. É a incapacidade que tem demonstrado ao longo das últimas décadas de gerir bem o dinheiro dos impostos, a dificuldade em identificar as áreas onde deve estar e aquelas de onde deve sair, mas, sobretudo, a total ausência de uma visão de país.
Os milhares de milhões de euros que despejamos todos os anos no Orçamento do Estado não serviram para resolver os problemas na saúde, nem para evitar que se agravassem. Não fizeram nada pela justiça. Não melhoraram a educação. Não preveniram os incêndios, nem serviram para ordenar o território. Não impediram o agravamento da crise com a habitação. Não impediram que dois milhões de portugueses ficassem em risco de pobreza. E, seguramente, não tornaram mais fácil a vida dos cidadãos e das empresas.
A sensação de falência do Estado torna-se cada dia mais real. Quando vemos a vigésima quinta notícia de mais uma grávida que deu à luz a caminho de um hospital. Ou quando sabemos que mais uma vida se perdeu porque alguém não atendeu uma chamada de emergência. Quando continuamos sem professores para os nossos alunos. Ou quando batemos à porta do Estado e não está lá ninguém para a abrir. Quando tememos pelo verão por causa dos incêndios e pelo inverno por causa das cheias. Se antes só tínhamos duas certezas na vida — a morte e os impostos —, agora temos três: a morte, os impostos e um Estado que nos falha.
A insegurança que os cidadãos sentem é também a das empresas. Que confiança pode ter um investidor num país que tem uma política de imigração em permanente ziguezague, um aeroporto a funcionar ao nível do terceiro mundo, leis do trabalho em permanente mutação, habitação escassa e cara e um Estado que não sai da frente porque quer sempre mais um papel?
O desafio do crescimento económico está longe, por isso, de ser apenas um tema fiscal. Ele é muito mais amplo e as razões do nosso atraso não encontram solução na coreografia orçamental a que assistimos todos os anos. Um leilão de propostas de outdoor está longe de constituir uma alternativa política para o país.
O Orçamento do Estado não pode ser apenas uma ferramenta política para distribuir poder pelos vários setores e corporações do Estado, alimentando assim o poder de quem faz essa distribuição. Deve ser, pelo contrário, um instrumento ao serviço das reformas de que o país precisa, enquadrado numa visão de médio a longo prazo. Mas este é um país nunca soube o que isso era, porque se habituou a viver sempre na espuma dos dias.