O ano letivo está a acabar. Sete dicas e duas reflexões para gerir o sprint final

13 mai 2023, 15:00
Bullying (Pexels)

Recorrer a explicações de última hora, tomar suplementos vitamínicos ou acabar com as atividades extracurriculares para dar mais tempo aos jovens para estudar podem não ser as melhores soluções. Um pediatra, um professor e uma psicóloga são unânimes: “O fim do ano começa a preparar-se no início”. Ainda assim, deixam alguns conselhos que podem ajudar muitas famílias nas próximas semanas

Exames, testes, notas, cansaço, ansiedade, frustração… São seis palavras muito ouvidas nas escolas e nas casas das famílias portuguesas por esta altura do ano. As aulas estão quase a terminar e faz-se, em muitos casos, o último sprint, nesta corrida que já dura há oito meses. Reforça-se o estudo, muitas vezes recorre-se a explicações de última hora para levantar uma negativa ou subir uma nota menos boa, faz-se uma pausa na intensidade da vida social dos jovens e das famílias e, muitas vezes, recorre-se mesmo a ajuda de medicamentos para superar esta etapa.

O que fazer para gerir todas as angústias que habitam as casas das famílias e as cabeças das crianças em idade escolar nesta altura do ano? “Como bons portugueses, só nos preocupamos com as coisas no fim. Porque a resposta a essa pergunta deve ser: ‘começar a preparar o fim do ano letivo no início do ano letivo’. Diria que um ponto crucial é mesmo o meio do ano, em que se deve fazer um balanço e perceber se as crianças têm dificuldades, a que disciplinas, se têm problemas como dislexia, disgrafia, problemas respiratórios que interferem no sono, por exemplo”, começa por aconselhar o pediatra Sérgio Neves, especialista na adolescência.

A opinião é secundada pela psicóloga do desenvolvimento Marta Fialho: “O sucesso escolar é fruto de um investimento desde o início do ano e idealmente, deverá ocorrer desta forma. Mas esta altura do ano deve ser um tempo de reflexão sobre as boas práticas implementadas pela criança e pais durante todo o ano.”

A psicóloga reconhece que, nesta altura do ano, aumentam os casos de crianças e adolescentes “com sintomas evidentes de elevado stress” que lhe aparecem nas consultas.

“Há mesmo casos de sintomas físicos, como diarreia, falta de ar, dor no peito, dor de barriga, náusea, dor nas costas e tonturas. Sintomas de stress, decorrente do baixo rendimento escolar e das dificuldades de aprendizagem”, relata.

Sinais físicos de stress e de sofrimento que o pediatra Sérgio Neves também reconhece nas crianças que lhe aparecem em consulta. É preciso estar atento, mas é preciso também ter consciência que “o stress é também importante para a formação da personalidade”. “É fundamental é perceber se é ou não patológico. Tudo o que vai além do que se pode tolerar tem de ser resolvido”, alerta o pediatra.

Em todo o caso, no que toca ao stress de final do ano letivo, a psicóloga Marta Fialho sublinha que cada família é uma família e, sobretudo, cada criança é uma criança. “Não existe uma estratégia geral, a criança é única e por isso a estratégia deve ser adequada. Em relação a tudo: tempos, atividades, horários, hábitos e tipo de estudo”, acrescenta.

Suplementos vitamínicos? Nada como comer bem e dormir melhor

É por esta altura que muitas famílias recorrem a suplementos vitamínicos para ajudar a criança a tolerar o esforço desta reta final. Mas serão mesmo necessários e aconselháveis?

A resposta é “não”. O pediatra Sérgio Neves sublinha que “uma criança saudável não precisa de suplementos vitamínicos”.

A aposta deve centrar-se numa alimentação saudável e variada. “As vitaminas processadas em laboratório não têm a mesma qualidade das vitaminas que estão nos alimentos”, considera o médico.

“Se fizermos uma alimentação variada, tem lá o zinco, o plénio, a vitamina B12, a vitamina A, a vitamina B… tudo o que o cérebro precisa para trabalhar”, acrescenta.

E, mais uma vez, Sérgio Neves lembra que essa alimentação de qualidade deve ser uma prática adotada desde sempre e não apenas nesta fase do ano. E aproveita para deixar um puxão de orelhas aos pais: “Os lanches são tudo menos saudáveis. Têm sumos processados, têm bolos… não têm uma pêra, uma maçã, uma banana…”

Ainda assim, Sérgio Neves admite que os suplementos vitamínicos podem ser usados “em situações muito concretas (logo após uma doença, por exemplo), mas por um período curto de tempo”.

Além disso, o especialista alerta que é preciso ter cuidado com os suplementos vitamínicos que se administram às crianças, já que, “muitas vezes, têm estimulantes”. Por isso, quando forem aconselhados pelo médico que segue a criança (e só nessas circunstâncias), “devem ser tomados de manhã, para não interferirem com o sono”.

Dormir, e dormir bem, é mesmo fundamental. É importante, por isso, respeitar os horários de deitar e de acordar e dormir as horas necessárias para processar o conhecimento adquirido ao longo do dia.

O pediatra toca ainda noutra tecla que interfere também com a qualidade do sono: os ecrãs. “As crianças não devem ter mais do que duas horas não consecutivas de ecrãs ao longo do dia e nunca nos 45 minutos antes de deitar”, sublinha.

Explicações de última hora

O recurso a explicações, claro está, depende sempre da capacidade financeira de cada família. Mas também da vontade de cada aluno. “Se for um aluno já frustrado e sem vontade de trabalhar, será muito difícil o explicador externo trazer-lhe essa motivação”, admite Manuel Coito, professor de Matemática e Ciências no 2º Ciclo e também ele explicador.

O professor reconhece que a maioria dos seus explicandos são “obrigados pelos pais”. E alerta que, nesta altura do ano, o recurso a explicações de última hora vale de muito pouco. “Não devemos sequer utilizar esse recurso. Tem de ser um plano implementado numa fase mais precoce do ano, se se verificar essa necessidade”, diz.

E, ainda assim, aquela hora ou duas na semana de pouco vale, se não houver um trabalho fora dali. “É eficaz quando o aluno é que traz as dúvidas e não quando é o explicador que gere o que o aluno tem de fazer”, nota.

Sérgio Neves recebe em consulta muitos adolescente que recorrem a explicações e também ele lhes reconhece utilidade quando fazem parte de um plano de longo curso, desde uma fase precoce do ano. “Para recuperar um ano inteiro, se calhar não tem grande eficácia. Pode ser útil em situações pontuais para preparar provas de final de ano… Ter alguém que ajude a orientar o estudo, a ver provas. Contratar um explicador funciona nos bons alunos que querem melhorar e prepararem-se para exames nacionais. Em situações que já estão coxas desde o início do ano, acho difícil”, resume.

As atividades extracurriculares

O esforço de fim de ano soma-se, muitas vezes, a um horário já apertado, em que as crianças têm de gerir estudo e (muitas) atividades extracurriculares. E quando as notas descem, há pais que tendem a interromper o karaté, o futebol ou a música, às vezes, até em jeito de chantagem ou castigo: ‘Tiraste má nota, acabou-se o futebol’.

Nada mais errado, assegura o professor Manuel Coito: “Eu próprio preciso do meu futebol para me concentrar no resto das atividades!”.

O pediatra Sérgio Neves partilha da mesma opinião e garante que “tirá-los do desporto como castigo não tem bom resultado”. Admite apenas que seja útil uma ou outra falta às atividades extracurriculares, quando há uma prova importante e, à última da hora, é necessário rever algum ponto da matéria.

“O exercício físico ajuda no sono. E estas atividades favorecem a socialização, que é também muito importante. Temos é de ajudar as crianças a organizarem-se, porque, no futuro, vão ter também de gerir diversas atividades”, acrescenta Sérgio Neves.

E há outros benefícios: “Alguns treinadores preocupam-se com os resultados escolares e, por exemplo, impõem que haja bons resultados escolares para se jogar determinado jogo ou disputar determinada prova. É mais um adulto de referência a motivar a criança ou o jovem.”

A máxima do “agora é altura de mostrares que consegues manter o futebol e as notas” pode mesmo ser “uma dupla motivação”.

O médico alerta, contudo, para uma questão relacionada com o desporto federado, até porque os finais de época coincidem também, em muitos casos, com o final do ano letivo. E é preciso estar atento à “excessiva competitividade e à exigência”, que acrescentam ainda mais stress a uma angústia já difícil de gerir.

Recompensar os bons resultados, sim ou não?

Para compensar este esforço de última hora, ou mesmo o esforço ao longo do ano, muitos pais compensam os filhos e premeiam os bons resultados. Nada de errado nessa recompensa, se se aproveitar para refletir sobre o percurso feito e traçar planos para o futuro.

“Os pais devem valorizar, gratificar e nomear comportamentos de sucesso, potenciando a autoestima e autonomia da criança. Em conjunto, devem definir estratégias para usar no futuro, bem como sinalizar o que ocorreu de negativo e quais devem ser as mudanças a fazer”, explica Marta Fialho.

Sete dicas e duas reflexões

A psicóloga Marta Fialho lembra que “a criança necessita de segurança no ambiente familiar” e “previsibilidade dos acontecimentos”. Por isso, a especialista aconselha, por exemplo, a que se trace “um plano individual, que pode passar pela criação de um horário ilustrado, onde se define as últimas semanas de aulas de forma esquematizada e sua prioridade”.

Marta Fialho deixa assim seis dicas e dois conselhos práticos para ajudar estudantes e famílias nesta fase:

  • Poderá eventualmente recorrer a apoio técnico e/ou explicações, de forma a apoiar a aluna (o) a consolidar matérias e ultrapassar fragilidades.
  • O hábito de estudo é de fato uma das maiores fragilidades e neste caso, devem criar um espaço físico com todas as condições.
  • Devem ser instituídos períodos de estudo de 30 minutos e pausas de 10 minutos para fazer algo de que a criança gosta.
  • Deverá continuar com as atividades extracurriculares, sobretudo se forem desporto e/ou música e pintura, por exemplo, porque estas ajudam a manter o equilíbrio psíquico.
  • Pode ser feito o treino de relaxamento e respiração (inspirar e contar até quatro, reter o ar e contar até quatro e, por fim, expirar pela boca e contar até seis ou sete).
  • Apostar numa alimentação saudável, evitando o açúcar em demasia (embora ele seja necessário ao cérebro de forma doseada).
  • Intervenção psicológica, de forma a apoiar a criança a compreender qual o gatilho que reativa um eventual elevado nível de stress e almejar o equilíbrio emocional, sempre em articulação com a família.

A psicóloga reforça ainda dois pontos nos quais é importante as famílias refletirem:

  • Existem famílias em que o sucesso escolar assume o fator principal da vida da criança. Quando assim o é, a criança tende a sentir-se preocupada, pressionada e stressada por querer superar as expectativas dos pais.  A criança deve sim valorizar o investimento escolar, mas terem a consciência que não é só o sucesso escolar que define o seu valor. É importante que a criança compreenda que existem outras áreas que são importantes e que, em conjunto, é que definem o seu valor.
  • Outro problema é quando os pais projetam nos filhos o seu próprio fracasso escolar, bem como a interiorização de que a única forma de valorização pessoal é o sucesso escolar e que define o seu futuro.

As aulas terminam a 7 de junho, para os estudantes dos 9º, 11º e 12º anos, a 14 de junho, para os do 5º, 6º, 7º, 8º e 10º e a 30 de junho, para as crianças do primeiro ciclo.

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