Na imagem de capa deste artigo está Denali que, como muitos cães e alguns gatos, tinha anomalias oculares que exigem um tratamento especial. E não é, infelizmente, caso único
Por sentir tanta dor, Hamilton recusava-se a abrir os outros. Quando o buldogue inglês de quatro anos tentou, as pálpebras deformadas do animal rolaram para dentro, levando as pestanas a arranhar a córnea.
“Já teve algo a arranhar a sua córnea? É algo profundamente doloroso”, refere Dana Varble, veterinária e diretora na North American Veterinary Community, uma organização sem fins lucrativos que oferece oportunidades de aprendizagem a veterinários.
“Para estes pobres animais, qualquer piscar de olhos é insuportável”, acrescenta. “Muitas vezes, eles apertam os olhos para ver, o que possa fazer com que as pálpebras se fechem ainda mais”.
Depois de Hamilton ter feito uma cirurgia plástica nos olhos, voltou a ser capaz de ver e interagir com os tutores sem qualquer dor.
“Estas cirurgias não são mera estética, são cruciais para a saúde do animal”, argumenta Varble. “Quando as pálpebras se enrolam e as pestanas arranham a córnea, é provável que a córnea fique com cicatrizes, o que causa problemas de visão, ou até mesmo a cegueira”.
Algumas raças de cães são geneticamente mais propensas ao desenvolvimento de problemas nas pálpebras, sobretudo os cães com focinhos curtos e rostos achatados – basta pensar nos boxers, nos Boston terriers, nos buldogues franceses, nos pequineses, nos pugs e nos shih tzus, apenas para referir alguns.
No caso de Hamilton, a visão piorou depois de ter ganho peso, com as bochechas carnudas a pressionar as pálpebras a fecharem para dentro. No entanto, os sintomas desta dolorosa condição podem aparecer na infância, muitas vezes disfarçados de problemas comportamentais, alerta Varble.
“Vemos cachorros de seis meses com mau humor, que não conseguem ser bem treinados, que não estão domesticados ou que não ultrapassaram a fase de morder”, conta. “Se olharmos com mais atenção, estão em dor constante sempre que piscam os olhos. Não admira que não prestem atenção ao treino”.
Os gatos também podem sofrer
Raças de gatos grandes, com faces planas como os persas ou os himalaios, ou com bochechas redondas e inchadas como os siberianos, os ragdolls ou os maine coons, também podem ter problemas com malformações nas pálpebras, embora não seja tão comum como nos cães.
Um maine coon de seis meses, chamado Jinxy, costumava manter os seus olhos fechados devido à dor até que o dono o levou a uma especialista na cidade de Athens, no estado norte-americano da Geórgia, com experiência para levar a cabo cirurgias complexas às pálpebras.
“Estes problemas com as pálpebras também acontecem com as pessoas, gosto de dizer aos meus colegas que as praticamos primeiro em humanos, para garantir que são seguras, antes de o fazermos em cães ou gatos”, refere Kate Myrna, professora associada de oftalmologia veterinária no College of Veterinary Medicine da University of Georgia em Athens.
Depois da cirurgia, Jinxy passou a ser capaz de abrir os olhos e de ronronar para o dono sem qualquer dono, garante Myrna.
“São cirurgias necessárias. Se um animal de estimação nasce com demasiada pálpebra, não é algo que vai melhorar por si só”, insiste a especialista. “Apesar de a palavra cirurgia soar a algo grave, acaba por criar um alívio quase imediato da dor, até porque o olho é um dos órgãos com maior capacidade de recuperação no corpo”.
Contudo, pode ser um bocadinho mais difícil tratar os gatos porque “quando nos aproximamos com a luz, geralmente costumam reagir de uma forma intensa”, diz Myrna.
“Por isso, não fique surpreendido se o veterinário precisar de embrulhar o seu gato, criando uma espécie de burrito, para levar a cabo o exame”, junta, referindo-se à necessidade de colocar uma toalha à volta do gato para manuseá-lo com segurança.
Falta de especialistas
Quando Denali, uma mastim arraçada, foi resgatada aos quatro meses por Dana Varble tinha glândulas vermelhas nos cantos dos dois olhos.
“Chamamo-lo de olho de cereja, porque parece que tem uma pequena cereja no canto de cada olho. No entanto, na verdade, são as glândulas lacrimais atrás da terceira pálpebra a enrolar-se para fora, em vez de ficarem protegidas como era suposto”, explica Varble.
Embora não seja sempre dolorosa, esta condição pode ser irritante para os cães, colocando-os em risco de ficarem com ferida ou infeção ao passarem as patas pelo olho para se coçarem. Deixada sem tratamento, esta condição pode levar à secura dos olhos e até mesmo à cegueira, mostram os especialistas.
Apesar de todas as raças serem suscetíveis ao olho de cereja, é algo mais comum entre os basset hounds, os beagles, os cocker spaniels, os dogue alemães, os rottweilers, bem como cães com faces planas como os boxers, os buldogues e os pequineses.
A cirurgia para corrigir o olho de cereja pode ser relativamente simples para um cirurgião veterinário experiente. Contudo, há outras circunstâncias que podem ser mais desafiantes, exigindo a competência de um veterinário com treino em oftalmologia.
“A Denali tinha um caso muito grave”, refere Varble. “Felizmente, o especialista foi capaz de salvar a glândula no olho dela. É algo importante porque, se tivermos de remover a glândula, aumenta a incidência da secura nos olhos nestes cães após a cirurgia”.
Infelizmente, há apenas 500 oftalmologistas veterinários nos Estados Unidos da América, tornando difícil para os donos dos animais e para os próprios veterinários generalistas obter rapidamente o tratamento necessário, segundo Varble. Para ultrapassar este obstáculo, a North American Veterinary Community realiza treinos periódicos para que os veterinários generalistas se possam sentir mais confortáveis a tratar lesões simples e anomalias oculares.
“Se os nossos veterinários generalistas conseguiram lidar com mais do que os primeiros socorros, conseguem libertar os especialistas para os casos graves e para as emergências significantes”, argumenta Varble. “Torna toda a gente mais eficiente e também é melhor para os animais e para os seus donos”.
Olhos descaídos e sinais de lesão
Há outros problemas oculares que requerem também uma cirurgia plástica. Os mastins e os cães-de-santo-humberto costumam nascer com “grandes pálpebras descaídas”, que acabam por não fechar completamente, descreve Varble.
“As pálpebras inferiores podem estar tão baixas que as pálpebras, literalmente, não fecham na totalidade quando a pálpebra superior desce”, refere a especialista. “Isso pode criar pontos de secura, e os cães ficam mais propensos a ter poeiras ou outras coisas presas nos olhos”.
Infelizmente, um olho saudável pode tornar-se rapidamente numa emergência que ameaça a visão, fazendo com que seja importante que os tutores dos animais atuem o mais rapidamente possível mal notem alguma irritação relevante, aponta Kate Myrna.
“Se o seu animal de estimação tiver remelas ou gosma nos cantos dos olhos, ou um pouco de corrimento, que é normal em algumas raças de cães e gatos, provavelmente não é razão para ir a correr para o veterinário”, avisa Myrna.
Os sinais de lesões relevantes incluem vermelhidão num ou nos dois olhos, estrabismo excessivo [olhos demasiados desviados um do outro], a contração das pálpebras, bem como um olho que se mantém fechado ou é incapaz de abrir, descreve a especialista. Outro sinal consiste num azul turvo sobre todo o olho que dura mais de duas horas.
“É diferente das cataratas, que deixam a pupila branca ou azul”, diz Myrna. “Quando toda a superfície do olho tem esse azul turvo, geralmente é porque está encharcada. Isso é sinal de um problema que temos de analisar rapidamente”.
“Lembre-se: um olho arranhado pode, facilmente, ficar infetado, passando de uma lesão simples e superficial a uma lesão que necessita de tratamento cirúrgico. Caso contrário, o animal arrisca-se a perder o olho e a visão. É algo que pode acontecer numa única noite”.