Estudo conclui que os cães conseguem reconhecer línguas diferentes e palavras sem sentido

CNN , Sandee LaMotte
17 jan 2022, 08:18

Investigação recente demonstra que o cérebro dos cães consegue detetar o discurso e mostra diferentes padrões de atividade consoante o idioma é conhecido ou não

Os 18 participantes, usando auscultadores, ficavam deitados enquanto uma máquina de imagem por ressonância magnética funcional (fMRI) andava à volta das suas cabeças.

Eles ouviam uma voz feminina que recitava uma fala de um estimado livro infantil, "O Principezinho".

“Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”, disse a voz suave, primeiro, em espanhol, depois, em húngaro.

De seguida, a voz começou a recitar várias palavras sem sentido.

Dois dos 18 participantes estavam familiarizados com o espanhol, mas nunca tinham ouvido a língua da Hungria. Os outros 16 conheciam húngaro, mas nunca tinham ouvido espanhol. As palavras sem sentido eram uma algaraviada e, obviamente, os participantes não as conheciam.

Esta experiência foi concebida para saber onde e como o cérebro se ilumina quando é exposto a línguas conhecidas em oposição a línguas desconhecidas, ou a discurso natural em oposição a discurso sem nexo.

Qual é o resultado? Efetivamente, as imagens do cérebro revelaram diferentes padrões de atividade no córtex auditivo primário, quando as palavras sem sentido eram ditas e não quando o discurso natural ocorria. Também revelaram que diferentes áreas do cérebro ficam ativas, quando um idioma desconhecido é falado, ao contrário do que acontece quando os participantes ouviam uma língua conhecida.

Estes resultados não parecem nada surpreendentes, até se perceber que os 18 participantes eram cães.

“O mais interessante é que o cérebro (dos cães) respondia de maneira diferente à língua conhecida e à desconhecida”, disse Attila Andics, chefe do Departamento de Etologia (o estudo dos animais) da Universidade Eötvös Loránd em Budapeste, Hungria, que liderou a experiência.

“Esta é a primeira espécie não-primata em que conseguimos demonstrar uma capacidade linguística espontânea - é a primeira vez que conseguimos localizá-la e ver onde esta combinação de duas línguas ocorre no cérebro”, disse o especialista.

Os cães tiveram de ser treinados para ficarem quietos dentro da máquina de ressonância magnética. Foto: Eniko Kubinyi/Departamento de Etologia/Universidade de Universidade Eötvös Loránd

Uma mudança intercontinental

A ideia começou quando a neuroetologista Laura Cuaya mudou-se do México para Budapeste com o seu cão, Kun-kun, um border collie.

“Eu só falava com o Kun-kun em espanhol”, disse Cuaya, investigadora em pós-doutoramento em Estudos dos Animais na Universidade de Eötvös Loránd. “Perguntei-me se ele conseguia detetar uma língua diferente.”

Laura Cuaya e os seus coautores conceberam um estudo para o descobrir. Reuniram cinco golden retrievers, seis border collies, dois pastores-australianos, um labradoodle, um cocker spaniel e três cães de descendência mista. Todos tinham entre 3 e 11 anos de idade e tinham sido previamente treinados para ficarem quietos dentro da máquina de ressonância magnética.

“O Kun-kun está feliz por participar. Nota-se que é emocionante e ele recebe muita atenção”, afirmou a investigadora.

“É importante mencionar que todos os cães podem deixar a máquina a qualquer altura”, disse ela e acrescentou que os donos estavam presentes e os cães “estavam confortáveis e felizes”.

Descobriu-se que os cães apresentam mais atividade cerebral no córtex auditivo quando ouvem palavras sem sentido por oposição ao discurso natural, independentemente da língua falada.

Porém, quando se tratou de distinguir entre diferentes línguas, os investigadores descobriram que o cérebro se iluminava numa região do cérebro completamente diferente e mais complexa, o córtex auditivo secundário.

“Cada língua caracteriza-se por uma variedade de regularidades auditivas. Os resultados sugerem que, durante a convivência com humanos, os cães aprendem as regularidades da língua a que são expostos”, disse numa declaração o coautor Raúl Hernández-Pérez, investigador em pós-doutoramento no Departamento de Investigação Animal na Universidade Eötvös Loránd.

“Isto é muito semelhante ao que se vê em crianças muito novas, em idade pré-verbal, que conseguem distinguir as línguas de forma espontânea antes de começarem a falar”, afirmou Andics à CNN.

E parece que a prática leva à perfeição. Quanto mais velho o cão era, melhor o seu cérebro distinguia a língua conhecida da desconhecida.

“Em investigações anteriores, descobrimos que não é só a forma como dizemos as coisas que é importante, mas também o que dizemos”, declarou Andics e explicou que os cães distinguiam frases familiares, mesmo quando estas eram ditas com o mesmo tom e do mesmo modo.

“Vimos que algumas palavras são, de facto, processadas independentemente da entoação. Mas a forma como falamos e o que dizemos é importante”, disse ele.

“No seguimento desta investigação, a questão se centenas de anos de domesticação deram aos cães vantagem no processamento da linguagem é muito emocionante”, acrescentou o investigador.

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