Como as eleições angolanas podem afetar os negócios com Portugal

25 ago 2022, 12:34
Adalberto Costa Júnior, líder do partido de oposição de Angola UNITA durante a campanha eleitoral (Julio Pacheco Ntela/ AFP via Getty)

ANÁLISE. Com quase 90% dos votos contados, vitória ainda está em aberto. Fomos ouvir a opinião dos especialistas sobre qual será o impacto para as empresas e os setores com mais ligações a Angola

Angola foi a votos esta quarta-feira. Os cerca de 14,3 milhões de eleitores registados foram chamados às urnas para decidir quem será o próximo presidente, assim como a composição da Assembleia Nacional.

Os resultados provisórios dão vantagem ao atual chefe de Estado, João Lourenço, mas a UNITA, de Adalberto Costa Júnior, também reclama vitória. Se este último chegar ao poder, será a primeira vez que o partido fundado por Jonas Savimbi consegue eleger o presidente, e representará a perda do poder que o MPLA mantém desde a conquista de independência.

Uma mudança radical que a acontecer pode potenciar, segundo o economista Carlos Bayan Ferreira, o surgimento de “alguma instabilidade social”. “Acredito que há setores do MPLA que não aceitariam facilmente essa nova situação. E também há setores da UNITA que teriam uma ambição desmedida de poder. Não deve ser assim. Se a UNITA for inteligente, não entrará a ferro e fogo, optará por uma transição calma. A parte económica é muito importante para qualquer questão política. Por mais que os políticos queiram, se a parte económica não andar, também não conseguem nada. Portanto a UNITA teria todo o interesse em que a transição decorresse da forma mais suave possível”, explica à CNN Portugal, referindo também outros potenciais riscos para o investimento português.

“Há investidores portugueses que têm sócios angolanos, e a mudança de sócios, por vezes, causa as suas perturbações. Os próprios objetivos do governo poderiam mudar”, sublinha.

Apesar destes fatores, o economista destaca a forte ligação de Costa Júnior a Portugal, dado que o líder político “viveu cá muitos anos” e chegou mesmo a ter nacionalidade portuguesa, e o facto de o clima entre o MPLA e a UNITA estar mais pacífico que o vivido durante praticamente toda a história da Angola independente. “Espero que ambas as partes reconheçam que a alternância democrática é uma nota do crescimento dos países. Agora há estabilidade. As Forças Armadas estão estabilizadas, não se metem na política como no passado. Anteriormente, havia as forças armadas do MPLA e as da UNITA. Agora, existem verdadeiramente as nacionais, que são das melhores de África”, considera.

Na segunda-feira, em entrevista à CNN Portugal, o líder da UNITA, após ser questionado sobre os riscos de violência após as eleições, rejeitou essa possibilidade, dizendo que “hoje temos partidos absolutamente civis”.

Carlos Bayan Ferreira vinca também a “boa experiência” dos empresários portugueses durante os governos do MPLA, que “sempre acarinharam muito o investimento direto estrangeiro, principalmente o português”, cenário que prevê que se mantenha caso a oposição assuma o poder. “Nesse cenário hipotético, que eu não acredito que se materialize, passada a fase normal de adaptação, penso que o empresário português vai continuar a investir em Angola porque conhece o país e as suas características. Não há empresário estrangeiro que conheça melhor Angola que o português. Não há, em todo o mundo. Vê-se isso pelas experiências espanholas, alemãs, francesas. É a nossa mais-valia”, sublinha.

"Os que lá vivem continuariam a viver, e os que lá investem continuariam a investir. O objetivo dos empresários portugueses é Angola, não é este ou aquele partido. Os empresários portugueses veem Angola como um país amigo, com um potencial enorme para investir, independentemente das dificuldades que o país atravessa neste momento”, diz o economista.

E como ficariam os investimentos angolanos em Portugal? Bayan Ferreira aponta no mesmo sentido, e destaca o papel importante que o investimento angolano, quer o público, através de empresas como a Sonangol, quer o privado, teve durante o auge da crise em Portugal. “O investimento angolano em Portugal diminuiu bastante, em virtude da crise em Angola, mas temos de ver que o investimento angolano em Portugal foi muito importante para suportar a nossa economia. As pessoas pensam logo em corrupção e lavagem de dinheiro, que terão ocorrido, mas esse investimento foi vital para a economia portuguesa durante a época de crise. Estou convencido que, passando a crise profunda, o angolano, a investir no estrangeiro, sente-se melhor a investir em Portugal e vai fazê-lo”, perspetiva.

O oitavo maior cliente de Portugal

Opinião semelhante tem Ricardo Ferraz, investigador do ISEG e professor da Universidade Lusófona. Frisando que as relações económicas entre Portugal e Angola "já foram mais intensas", e que a causa para o esmorecimento reside na crise que o país austral atravessa, o economista não acredita que uma mudança no poder possa afetar substancialmente os investimentos portugueses no país africano.

"Temos um partido [MPLA] no poder desde 1975, é natural que haja pessoas que se sintam tentadas a votar noutros partidos. No entanto, parece-me pouco provável que a UNITA vença. Mesmo caso se verifique esse cenário, não me parece que haja alguma alteração significativa nas relações entre Portugal e Angola a nível económico. Não me parece que as exportações venham a diminuir ou aumentar caso a UNITA vença, nem que vá haver mais ou menos investimento direto estrangeiro de Portugal em Angola", considera, vincando também que, apesar de as exportações para Angola seguirem uma tendência negativa, o país continua a ser o oitavo maior cliente de Portugal.

"No meu entender, não haverá grande turbulência. Não vejo a UNITA com um discurso muito nacionalista e contra os portugueses ou Portugal. São países amigos, partilham a mesma língua, têm uma história em comum", reforça à CNN Portugal.

Para Ricardo Ferraz, o importante para Angola é desenvolver a sua economia. "Angola tem de definir um caminho de maior crescimento para a sua economia. Se olharmos para os dados do Banco Mundial, Angola contraiu economicamente todos os anos entre 2016 e 2020. Apesar do seu potencial, tem um PIB per capita em paridade de poder de compra relativamente baixo, até inferior ao de Cabo Verde e do Bangladesh", analisa. "Não sei se a UNITA pode definir esse caminho."

Investimento angolano em Portugal tem sido superior ao português em Angola

O investimento angolano em Portugal era, em junho de 2021, superior ao português em Angola em 241 milhões de euros, de acordo com dados do Banco de Portugal, enviados à Lusa pela AICEP.

Segundo os dados, o Investimento Direto Estrangeiro de Angola em Portugal (IDE) ascendia, em junho deste ano, a 2.214 milhões de euros, face aos 1.973 milhões de euros de Investimento Direto Português no Estrangeiro (IDPE) em território angolano registados no mesmo mês.

O IDE tem-se mantido mais ou menos estável desde 2017, sendo que em dezembro de 2019 totalizava 2.249 milhões de euros e um ano depois fixava-se nos 2.176 milhões de euros. Já o IDPE registou uma queda assinalável nos últimos anos. Em dezembro de 2017 ascendia a 4.547 milhões de euros e em 2020 já tinha descido para 1.944 milhões de euros.

As relações económicas mais importantes entre os dois países são visíveis nos seguintes setores:

Banca

A década de 90 marcou a entrada dos bancos portugueses em Angola com a normalização do sistema financeiro do país, depois das nacionalizações pós-independência (1975).

Dos bancos que compõem o setor bancário angolano, cinco concentram a maioria do mercado. Destes, dois têm capitais de origem portuguesa: o Banco de Fomento Angola (BFA), de que o BPI é acionista, e o Banco Económico, antigo Banco Espírito Santo Angola (BESA), do grupo Espírito Santo, que acabou por ser arrastado na derrocada do grupo. O Novo Banco mantém uma posição nesta instituição angolana, que é dominada pela Sonangol.

Estão ainda no país o BCP, através do Banco Millennium Angola (BMA) e a Caixa Geral de Depósitos, no Banco Caixa Geral, onde chegou a ter uma parceria com o Santander Totta, que vendeu a sua posição em 2015. Também o Montepio está presente nesta nação africana, através de uma participação, de 51% no Finibanco Angola.

A presença de Angola na banca portuguesa é mais recente e foi alvo de muitas mudanças nos últimos anos, depois do Luanda Leaks.

Em 2008, a Sonangol comprou 9,99% do capital do BCP e, em 2009, foi vez da holding Santoro (de Isabel dos Santos) entrar no BPI, ao adquirir 9,67% do capital do banco ao BCP. A Sonangol é atualmente o segundo principal acionista do BCP, com 19,49%.

No BPI, a Santoro vendeu a sua participação na OPA (Oferta Pública de Aquisição) do CaixaBank, em 2017. Por sua vez, o BIC Portugal comprou o BPN por 40 milhões de euros ao Estado português, mas, depois do Luanda Leaks, a instituição (agora EuroBic) anunciou que a empresária Isabel dos Santos iria abandonar a estrutura acionista do banco português, uma medida para “salvaguardar a confiança na instituição”, segundo a entidade financeira.

No entanto, esta venda ainda não avançou e para já a empresária mantém-se no banco, através da Finisantoro (17,5%) e da Santoro Financial Holding (25%), segundo a última informação disponível no site do banco, sendo que a participação está arrestada.

Energia e indústria

A holding Esperaza, uma joint-venture em que a Sonangol detém 60% das ações e a Exem (de Isabel dos Santos) detém os restantes 40%, controla 45% da Amorim Energia que, por sua vez, é acionista de referência da Galp. No entanto, a petrolífera estatal angolana anunciou em julho de 2021 ter sido declarada como única proprietária do investimento feito na Galp, segundo a sentença final de um tribunal holandês que arbitrou o litígio que opunha a petrolífera à Exem, que, por sua vez, recorreu da decisão.

Já a relação da petrolífera portuguesa com Angola remonta a 1982, dedicando-se à atividade de produção e exploração de petróleo.

Na área industrial, com ligações à energia, a posição de Isabel dos Santos na Efacec era, até ao ano passado, maioritária, mas acabou por ser nacionalizada pelo Governo depois da saída da empresária, devido ao Luanda Leaks. Está agora em processo de reprivatização.

Construção

A presença mais emblemática de empresas portuguesas em Angola pertence à Mota-Engil. A empresa liderada por António Mota e Gonçalo Moura Martins está no país desde a sua fundação, em 1946, mas tem vindo a reforçar e diversificar a sua presença nos últimos anos, acompanhando o desenvolvimento económico daquele mercado.

A Mota-Engil Angola, a filial criada em 2010 pelo grupo para este país, conta com acionistas como a Sonangol (20%), sendo que o Estado angolano planeia vender esta posição.

A Teixeira Duarte é outra das construtoras portuguesas que marcam presença no mercado angolano. As dificuldades de empresas como a Soares da Costa, historicamente com grande presença em Angola, ditaram a redução dos interesses portugueses no mercado angolano, neste setor.

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