Lei angolana não prevê exceções para detenções, mas pode haver acordos. O que dizem os juristas sobre a entrada em Angola das filhas de José Eduardo dos Santos

Agência Lusa , CF
13 jul 2022, 10:38
José Eduardo dos Santos (Tiago Petinga, Lusa)

Juristas explicam que, se houver um mandado, a regra é que as pessoas sejam detidas onde estiverem - incluindo velórios. Mas pode ser aberta uma exceção: "Todos sabemos que os acordos políticos não raras vezes eclipsam a lei"

Juristas contactados pela Lusa consideram que apesar de o Código de Processo Penal (CPP) angolano não prever exceções para detenções, pode haver acordos de natureza político-jurídica no caso da entrada em Angola dos filhos de José Eduardo dos Santos.

O vice-procurador geral da República, Mota Liz, garantiu na segunda-feira, citado pelo semanário angolano Novo Jornal, que as filhas do antigo Presidente José Eduardo dos Santos poderiam entrar e sair de Angola para participar nas cerimónias fúnebres do pai, sem recearem ser detidas.

O responsável, que falava durante o velório do antigo Presidente angolano, declarou que não "se prendem pessoas em dias de óbito”, já que “a própria lei exclui essa possibilidade".

No entanto, juristas contactados pela Lusa disseram que não há exceções previstas na legislação angolana, nomeadamente no CPP, admitindo, no entanto, exceções de natureza político-jurídica em determinadas ocasiões, mediante acordos.

“Sendo esta negociação (para a transladação do corpo de Eduardo dos Santos) de natureza político-jurídica, pode-se abrir uma exceção, vai haver uma espécie de suspensão da lei em determinado momento para cumprir o acordo que se vai conseguir ou que está a ser negociado, em princípio é isto”, afirmou o jurista Sebastião Vinte e Cinco à Lusa.

Segundo explicou, a regra é, se houver um mandado, que as pessoas sejam detidas onde estiverem ou onde forem encontradas, ainda que estivessem no velório.

"Claro que não será enquanto estiver a decorrer o funeral, devem esperar quando terminar, por exemplo, aliás há exemplos internacionais disso”, indicou.

“O normal é decorrer assim, mas tendo em conta a negociação político-jurídica que está em curso, e que esperamos venha a ser bem-sucedida o quanto antes para se fechar este tema, haverá aqui esta exceção”, argumentou o jurista.

Para fundamentar os seus argumentos, Sebastião Vinte e Cinco, frisou mesmo que a democracia é impulsionada “pelo império das leis”, mas referiu: “todos sabemos que os acordos políticos não raras vezes eclipsam a lei, ou alguns elementos da lei”.

“Têm a ver com o interesse público em determinado contexto, nós vemos, por exemplo, que apesar de haver uma Constituição revista, em 1992, tivemos um GURN (Governo de Unidade e Reconciliação Nacional) que não estava previsto na Constituição, portanto foi um acordo político e era necessário naquele contexto para se implementar o acordo de paz”, exemplificou.

“Pensamos que esta é uma medida apaziguadora e idónea para se promover estabilidade política e se enterrar o ex-Presidente em condições de segurança para todos que vierem à cerimónia fúnebre”, rematou o jurista.

O artigo 255.º do CPP estipula os requisitos dos mandados de detenção, não sendo mencionadas exceções em nenhum capítulo do CPP.

Contactado pela Lusa, o jurista Rui Verde afirmou que o CPP “especifica as condições em que as pessoas podem ser detidas, mas não refere exceções para óbitos, casamentos ou outras ocasiões”.

“(Essa referência) poderia constar como legislação geral no Código de Processo Civil, ou ser alguma lei subsidiária, avulsa, mas acho muito difícil que exista fora do CPP”, referiu.

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