"O problema da democracia é não saber perder". Embaixadores não esperam escalada de violência, mas instam UNITA a aceitar os resultados

27 ago 2022, 16:45
Angola

Os embaixadores António Martins Cruz e Fernando Neves consideram normal que haja contestação por parte do povo, mas descartam a possibilidade de uma escalada de violência a propósito dos resultados eleitorais em Angola.

Três dias depois de os angolanos terem ido às urnas, são várias as pessoas que se manifestam na rua, sobretudo em Luanda, contra a situação política do país, apelando à mudança e ao fim da pobreza. O clima de tensão é notório, mas não é expectável que haja uma escalada de violência em Angola, asseguram os embaixadores António Martins Cruz e Fernando Neves em declarações à CNN Portugal.

“O problema da democracia é não saber perder”. O embaixador Fernando Neves olha para a situação política de Angola como um espelho do que acontece em vários países: é normal haver contestação, mas é preciso confiar nas instituições responsáveis. Da mesma opinião é o embaixador António Martins da Cruz. E ambos instam a UNITA a aceitar os resultados oficiais finais, tendo a Comissão Nacional Eleitoral de Angola rejeitado a reclamação da UNITA.

“O que eu espero é que não haja violência nenhuma e que os resultados eleitorais sejam aceites pacificamente por todas as forças políticas. Há centenas de observadores internacionais, incluindo de Portugal, e não ouvi até agora nenhuma declaração deles, sobretudo dos portugueses, a pôr em causa o resultado eleitoral”, diz António Martins Cruz, frisando que só os próprios partidos podem contribuir para que a tensão não suba de nível: “o que podemos antecipar é que as forças políticas, sobretudo o MPLA e a UNITA, saibam respeitar os resultados e atuar em conformidade”.

O embaixador que também foi representante de Portugal na NATO durante cinco anos destaca ainda que a UNITA deve olhar para o que já aconteceu na política angolana, sobretudo pela mão do falecido José Eduardo dos Santos, diz, e perceber que a porta não está fechada, um ponto que foi igualmente destacado por Fernando Neves em declarações à CNN Portugal. 

“José Eduardo dos Santos é uma figura histórica não só para Angola, como para África e soube dar várias lições ao longo [do tempo], não nos podemos esquecer que depois da derrota da UNITA em 2002, José Eduardo dos Santos integrou membros da UNITA em altos lugares governamentais, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas e o próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros”, esclarece António Martins da Cruz.

Fernando Neves insta igualmente a UNITA a aceitar os resultados das eleições, esperando que isso ajude a que os episódios de confrontos até agora relatados não passem de situações “pontuais”. “Lamento que o chefe da UNITA, que me parece uma pessoa sensata, tenha enveredado por um caminho que não mudará nada, que esteja a conspurcar um pouco as eleições. Pelo que sei parecem ter ocorrido de forma equitativa e livre comparada com muitas outras noutros países. Pareceu-me que foram corretas, em termos gerais pelo menos. A UNITA teve uma grande vitória em Luanda, Zaire e Cabinda, seria razoável reconhecer as eleições e esperar [pelos resultados finais]”, destaca.

Polícia angolana em prontidão para agir

O ministro do Interior de Angola, Eugénio Laborinho, apelou este sábado à “calma e serenidade” no período pós-eleitoral, afirmando que as autoridades estão prontas para responder a possíveis alterações da ordem pública

Sobre este ponto, os dois embaixadores dizem que é normal haver contestação - e que esta “não é uma particularidade de Angola”, como destaca António Martins Cruz - e que também é normal as forças de autoridade estarem preparadas para atuar em períodos eleitorais. 

“Segundo a projeções da própria Comissão Nacional Eleitoral, a UNITA teria ganhado as eleições na província de Luanda, que tem entre sete a oito milhões de habitantes e é onde a população está mais politizada, não apenas porque estão lá as sedes dos governos e partidos, mas pela redes sociais que são muito ativas em Angola, pela imprensa e pelas televisões. Se houver algum distúrbio, é normal e expectável que seja na província de Luanda e daí ser normal a polícia estar em prevenção, como está em todos os países do mundo em eleições”, destaca o embaixador António Martins da Cruz.

Também o embaixador Fernando Neves considera que “o governo tem estado a procurar evitar” que as reações da população se tornem violentas, “não tendo até agora mostrado uma força excessiva”. “Tenho esperança que não haja uma onda de violência”, diz.

António Martins Cruz lembra que “o MPLA perdeu uma percentagem significativa de votos, segundo as projeções” e que, por isso, é necessário “esperar pelos resultados finais para saber exatamente qual é a composição do parlamento” e qual a reação do povo, embora volte a destacar que não é expectável uma escala de violência no país.

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