“Toda a gente fala do petróleo, mas o problema principal é o gás e a eletricidade”. Entrevista ao CEO da Galp (na íntegra)

21 abr 2022, 12:00

O problema é grande e não é de curto prazo: o preço do petróleo vai continuar elevado durante um ou dois anos, no gás pode ser durante três ou quatro e na eletricidade os consumidores ainda não sentiram o aumento de preços real. Entrevista exclusiva da Andy Brown à CNN Portugal.

Andy Brown nunca vira os mercados de energia como agora. O gestor inglês, presidente executivo da Galp há cerca de um ano, reconhece que a empresa está a lucrar com a guerra, mas dá a garantia aos portugueses de que não é assim na venda de combustíveis. A sua preocupação está sobretudo nos mercados. Brown percebe a preocupação com o petróleo mas é com o gás e com a eletricidade que está mais preocupado. Porque vai demorar anos a resolver, dada a dependência europeia do gás russo. E avisa: os portugueses ainda não sentiram o impacto da guerra no preço da eletricidade. E se a UE não aceitar a proposta de Portugal e Espanha para limitar os preços, no próximo ano sentirão. E isso é importante até para aproveitar os recursos “fantásticos” de que Portugal dispõe.

Está prestes a divulgar os resultados do primeiro trimestre da Galp. Esperam-se lucros elevados, enquanto as pessoas pagam cada vez mais nas bombas de combustível. Como explica isso às pessoas?
Julgo que primeiro há que explicar que o mercado da energia está bastante agitado, a um ponto que nunca vi em toda a minha carreira de 35 anos. Todos os mercados - de combustível, de eletricidade - estão todos agitados. No Pós-covid, a procura estava em baixa, as pessoas não investiam, e depois disso rebentou a guerra na Ucrânia. Isso colocou os mercados de energia sob bastante pressão. O nosso negócio é cíclico: há dois anos, perdemos imenso dinheiro; agora, os preços estão mais altos e nós iremos ganhar dinheiro.

Agora, estão a ganhar imenso dinheiro, certo?
Sim. É um negócio cíclico.

Compreende a questão: as empresas petrolíferas estão a lucrar com a guerra.
Certas partes da nossa atividade estão a perder dinheiro e outras partes estão a ganhar. Todos estes fluxos de energia estão esticados. Mas sim, estamos a ganhar dinheiro e a guerra provocou o aumento dos preços. Não é do nosso interesse ter preços elevados. Isso cria oscilações de mercado. Nós preferimos um mercado bastante mais estável, no qual podemos investir e que podemos prever. Tivemos preços muito baixos e agora temos preços muito altos. Não gostamos desse tipo de mercado.

Estão a ganhar dinheiro na refinação de produtos.
Sim, estamos.

E nas bombas de combustível?
Se olharmos para a forma como a Galp ganha dinheiro, a vasta maioria dos nossos lucros vem de fora de Portugal. A vasta maioria. Neste momento, fazemos algum dinheiro com a refinação, concordo. Principalmente devido a uma crise com o gasóleo, que se centra na falta de oferta de gasóleo, devido à guerra na Ucrânia. Mas na venda de produtos aos clientes nas estações de abastecimento não ganhamos muito dinheiro. Apenas uma pequena fração dos nossos lucros tem essa origem.

Em perspetiva, as margens são mais altas do que antes?
Não, de todo. Não. Na verdade... Não vou revelar se as nossas margens no retalho são mais altas ou não, mas posso dizer que não houve alteração na quantidade de dinheiro que estamos a ganhar no processo de distribuição e venda de produtos aos clientes em Portugal. Assim sendo, estamos a lucrar, com os preços mais elevados, nos locais onde produzimos petróleo. Não estamos a especular para aumentar os preços, de forma oportunista. Não fazemos isso. Não é assim que operamos. Temos um mercado aberto e competitivo, em Portugal.

O Governo vai fazer um corte significativo de impostos sobre o preço dos combustíveis. É dinheiro dos contribuintes. Como podemos ter a certeza de que os preços finais irão refletir esse corte no imposto?
O Governo está a reduzir o imposto, mas apenas para compensar o aumento de IVA que receberia, devido ao preço mais elevado. É uma compensação, para que o próprio Estado não ganhe mais dinheiro sob a forma de receita fiscal. Acho que é uma medida muito boa por parte do Governo. A nossa solução foi aplicar descontos sobre os descontos já existentes, de seis cêntimos por litro para os assinantes do cartão Galp. Todos cumprimos a nossa parte, mas eu tenho de dar às pessoas em Portugal a minha total garantia de que não estamos a ganhar mais dinheiro nas bombas, em virtude dos preços mais altos por causa da guerra. Não aumentámos as margens entre a saída da refinaria e aquilo que têm de pagar na caixa.

O Governo também afirmou que está a estudar um “windfall tax”, ou seja, taxar lucros imprevisíveis. Não concorda que seria uma medida justa?
Eu acho que o Governo deve taxar as empresas nos países onde estas ganham a receita. Se o Governo Português quer aumentar os impostos sobre o que ganhámos com a refinação e retalho, a decisão cabe ao Governo Português.

Para que fique claro: está disposto a discutir e a aceitar esse “windfall tax”?
O Governo é que decide a forma de taxar as empresas. O que quero esclarecer é como as empresas ganham o dinheiro e garantir que o imposto é aplicado na origem da receita. O que quero dizer é que devemos permanecer competitivos, enquanto economia, em Portugal. É muito importante que as empresas portuguesas consigam competir com as outras empresas do mundo e é aí que deixo um apelo de cautela ao facto de se recorrer aos impostos e achar que essa é a solução para todos os problemas.

Ou seja, aceitaria...
Não seria contra a tributação, claro.

Nem isso está no seu poder.
Não.

O que pensa da ideia de fixar um máximo para o preço dos combustíveis?
Num mercado de preços internacionais, não pode fixá-los. Juntamente com o Governo espanhol, o Governo falou sobre limitar os preços da eletricidade, alterando a forma como os preços da eletricidade são fixados na Península Ibérica, e vejo alguma lógica nisso. Mudamos o sistema e dizemos: "Não vai haver flutuações no preço do gás, vamos limitar esse preço, o que vai fixar o preço da eletricidade." Acho que isso tem algum mérito, porque é um sistema que tem fronteiras. Já o mercado do petróleo não tem quaisquer fronteiras a nível global. Portanto, temos de estar dentro desse ecossistema global, senão não fazemos parte do jogo.

É um especialista em petróleo e gás, esteve 20 anos na Shell, e diz que, em 35 anos, nunca viu o mercado tão perturbado como agora. Como vê as tendências, não só em Portugal, mas a nível global? Até onde e quando pode ir esta perturbação?
Os mercados do petróleo são diferentes dos mercados do gás. Os mercados do petróleo estão perturbados, no momento. Já estavam perturbados no final do ano passado. Porquê? Porque, devido ao covid, não houve investimento suficiente na produção petrolífera. A procura recuperou e o mundo não foi capaz de satisfazer essa procura. Depois disso, veio a guerra na Ucrânia e o fornecimento russo começou a ser interrompido. Agora, esse fornecimento russo pode ir para a Ásia. Os mercados de petróleo encontrarão uma solução e haverá mais produção, sobretudo em gás de xisto nos EUA. Ao longo de um ano ou dois, consigo ver isso a equilibrar.

Então, podemos esperar entre um a dois anos de preços elevados a nível dos combustíveis?
Sim, preços altos. É o que espero acontecer. Mas as coisas mudam rapidamente no nosso mercado e aprendemos a não fazer previsões a tão longo prazo. Mas, sim, no momento, existe uma grande interrupção. Uma das grandes dúvidas é o que acontecerá ao comércio de petróleo russo. Irá ficar desprovido de tecnologia ocidental e perderá capacidade em resultado disso? Isso pode vir a ser um problema significativo.

Então, as sanções [de proibir a exportação de tecnologia ocidental para a Rússia] têm impacto?
As sanções talvez... Irão depois afetar o Ocidente, porque o preço do petróleo subirá. Veremos quanto... A Rússia produz cerca de 11 milhões de barris por dia, por isso, veremos a redução que isso sofrerá, quando as sanções forem implementadas e quando a tecnologia falhar, devido a muita perfuração horizontal.

No gás, é pior?
É pior para a Europa, não para os EUA. Os preços do gás na Europa são quatro vezes mais altos do que nos EUA. E porquê? Porque estamos ligados à Rússia, e a única forma de compensar isso é importando mais gás. E a única forma de a Europa fazer isso é com mais gás natural liquefeito [GNL, transportado por navio]. Mas não existe capacidade disponível, nem existe capacidade de regaseificação disponível para compensar a diferença do que a Rússia fornece à Europa. Portanto, isso é um grande problema.

Não existe capacidade para fazer isso?
Não.

Então, o que pode a Europa fazer?
Bom, é por isso que a Europa continua a receber muito gás da Rússia. Porque esses fluxos russos continuam a ser essenciais para manter as economias europeias a funcionar.  Há muita discussão na Alemanha sobre se devem cortar o fornecimento, se devem sofrer esse golpe económico, se devem fechar negócios, e consigo ver que se trata de um grande dilema para a Europa resolver. Entretanto, devemos procurar novas formas de importar mais GNL. Mas vai demorar alguns anos para estabelecer essa capacidade.

Mais do que os um a dois anos, como disse que seria para o petróleo?
Se queremos ser independentes da Rússia no gás, vai demorar mais anos. 40% das importações [europeias] de gás vêm da Rússia. E encontrar fornecimentos alternativos, e assegurá-los a longo prazo, vai demorar mais tempo. O problema é que a Ásia também está sedenta de gás, a China, em particular, está a sugar muito GNL, e a Europa também vai querer sugar muito GNL. Essa concorrência irá manter os preços do gás bastante elevados, até esse sistema ficar mais equilibrado.

Vai demorar entre três a quatro anos?
Implica aumentar a capacidade de GNL. Um projeto de GNL demora, em média, três anos a desenvolver. Portanto, se queremos mesmo ser independentes da Rússia, nos próximos anos, isso implicará os mercados de gás estarem sob pressão algum tempo.

Isso também tem um impacto nos preços da eletricidade.
O gás é que está a estabelecer o preço da eletricidade e isso significa que temos preços muito elevados da eletricidade. Entendo as razões para os governos espanhol e português, em especial, dizerem que é preciso arranjar uma forma de cortar essa ligação. Porque os preços da eletricidade que estão no mercado spot [indexado ao mercado ibérico de eletricidade], atualmente... Os consumidores ainda não viram esses preços.

Ainda não?
Ainda não viram esses preços. Porque o preço de mercado hoje é vendido ao consumidor com eletricidade comprada no ano passado. Mas, em breve, teremos de comprar eletricidade para o próximo ano. E, neste momento, os preços da eletricidade estão muito elevados. E se tivermos de a comprar aos níveis atuais, isso significa que as faturas de eletricidade continuarão a subir. Eu não quero ver isso. Os consumidores não querem ver isso. Portanto, penso que é do interesse de todos percebermos como podemos estabilizar os preços da eletricidade.

E quando acontecerá isso? No final do ano?
Bem, penso que as propostas portuguesa e espanhola fazem sentido. Fazem sentido porque farão descer os preços da eletricidade para, não sei, 70 ou 80 euros por MWh. Um valor que é metade ou um terço dos preços atuais do mercado spot. Isso faz bastante sentido. Mas teremos de ver. A União Europeia... Não temos a certeza ainda se aceitará a proposta. Temos de ter alguma resposta. Mas esta é uma situação que tem de ser resolvida.

Deixe-me resumir: prevê que os preços do petróleo se vão manter elevados durante um a dois anos, o preço do gás durante três a quatro anos, e quanto aos preços da eletricidade, os consumidores ainda não sentiram o impacto da subida, mas irão senti-lo no próximo ano, provavelmente. Estamos perante um grande problema.
Sim.

Não é um problema a curto prazo.
Exato.

E vai levar o dinheiro das pessoas.
Eu sei.

E das empresas.
Para as empresas... Importamos gás, mas vendemo-lo antecipadamente. E, às vezes, temos problemas nas entregas. Portanto, estamos a perder dinheiro no mercado do gás, atualmente. Como eu disse, umas coisas estão altas e outras estão baixas. Aquilo que tenho de dizer é que todos os preços do petróleo estão altos. Toda a gente fala dos preços do petróleo, veem o preço imediatamente nas bombas. Os preços do gás, em termos equivalentes de energia, têm estado [historicamente] a metade dos preços do petróleo. Recentemente, os preços do gás são o dobro dos preços do petróleo. Mesmo estando os preços do petróleo altos. O dobro! Por isso é que digo que podemos falar de petróleo e toda a gente se concentra no petróleo, mas, para mim, o principal é o gás e a eletricidade. É esse problema que devemos tentar resolver.

Como está Portugal nesse cenário? Portugal tem mais produção energética de fontes renováveis. Temos fontes mais diversificadas que podem funcionar a nosso favor?
Uma das razões pelas quais estou animado por liderar a Galp é o facto de Portugal ter um portefólio fantástico de recursos renováveis. Tem bom sol, bom vento e bons recursos hídricos. Mas, mesmo assim, precisa de gás. O que, numa base ibérica, fixa o preço da eletricidade. Com o tempo, penso que Portugal estará muito bem posicionado. Está bem posicionado para a energia renovável e para o hidrogénio. Mas, neste momento, está ligado ao mercado do gás. O meu conselho ao governo é que encontre uma forma de quebrar essa ligação, pois isso permitir-nos-á desfrutar da nossa energia renovável, para termos empresas competitivas e penso que também para protegermos os consumidores.

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