André Ventura e Pedro Frazão, eleito recentemente como deputado do Chega, viram a Justiça obrigá-los a retirar o que disseram publicamente. Dois casos distintos mas que, em comum, têm a mesma advogada a representar os queixosos. E a mesma estratégia, que torna tudo mais rápido
É a segunda vez que um dirigente do Chega tem de dar o dito por não dito. Desta vez é Pedro Frazão que, depois de acusar Francisco Louçã de receber uma avença do BES no Twitter, tem de admitir na mesma rede social que o que escreveu é mentira.
O outro caso é protagonizado pelo próprio presidente do Chega, André Ventura, que foi condenado a pedir desculpa à família a quem chamou "bandidos", a família Coxi, que vive no Bairro da Jamaica. Mas além do partido, há outro elemento em comum nestas duas decisões: a advogada que defendeu os ofendidos, Leonor Caldeira.
Com 28 anos, a advogada recorreu, nas duas situações, a um “processo especial no Código de Processo Civil chamado tutela da personalidade”. E o que é que isso implica? Um processo mais rápido na Justiça. Até seria possível apresentar-se um processo contra um partido, mas não ter um partido como lesado a iniciar a ação. Ou seja, o mecanismo destina-se apenas a proteger pessoas singulares.
“O objeto da tutela de personalidade é pedir ao tribunal que decrete providências”, resume. O que se espera são ações concretas que permitam restaurar a honra de quem foi ofendido. Por exemplo, a admissão nas redes sociais de que o que foi dito é mentira. “Quem toma a dianteira e domina todo o processo é o lesado”, concretiza.
Retificação e Retratação. Qual a diferença?
No caso de Francisco Louçã, o que foi pedido foi uma retificação. No de André Ventura, uma retratação. É Leonor Caldeira quem traça a diferença, embora o propósito seja o mesmo: restaurar a honra.
A retificação implica uma “reposição da verdade, um reconhecimento de que as afirmações não eram verdadeiras”. Não se dá o passo seguinte, que é o do pedido público de desculpas. No caso de Francisco Louçã, explica a advogada, não foi pedido porque o queixoso é uma figura pública, o que acaba por implicar uma “maior tolerância a ataques”.
Já a retratação exige uma espécie de pedido de desculpas público, como aquele que a família Coxi exigiu a Ventura. Há uma “dimensão penitente” nas palavras. Mas com a plena consciência de que “não dá para obrigar ninguém a arrepender-se”.
Uma estratégia que parece ter vindo para ficar
Num mundo onde as redes sociais escalam novas acusações a cada dia, fica a questão: irão estes pedidos de retificação e retratação virar moda? Para Leonor Caldeira há uma barreira: a taxa de Justiça, no valor de 600 euros, com isenções apenas para pessoas em situação de pobreza extrema. O cidadão comum, avisa, fica limitado. Ainda assim, reconhece que é “uma boa via para compatibilizar a liberdade de expressão com a defesa da honra”.
O advogado e comentador da CNN Portugal Rogério Alves admite que a estratégia poderá tornar-se recorrente, com especial utilidade no “domínio político”. “Tem uma dupla eficácia: repor a verdade no sítio onde a mentira foi dita e castigar o infrator, porque se vê obrigado a dar o dito por não dito”.
Mas, acrescenta o especialista, há que também pesar o impacto que esta formulação tem junto de quem decide, o juiz: “do ponto de vista estratégico, [os queixosos] dizem que não vêm pelo dinheiro mas pela honra. E a melhor forma de a verdade ser reposta é não pedindo dinheiro”.
Um juiz desembargador ouvido pela CNN Portugal admite que estes casos podem servir de inspiração para o futuro. “Para o efeito, uma decisão dessa natureza parece ser mais efetiva”, esclarece. Mas sempre com um aviso: por mais que seja reposta a verdade, “o tribunal não pode obrigar uma pessoa a se arrepender”, mesmo que peça desculpas publicamente.