Projeto concluiu que o Chega era um caso de estudo na política e nas redes sociais, com uma narrativa simples e populista, uma estrutura semiprofissional, apoiantes que são “militantes digitais” e que partilham “uma cultura de liderança”
O Chega tem sido o amplificador da desinformação em Portugal, aquilo a que os estudiosos chamam “trompete da desinformação”, como aconteceu nas eleições de 2024, de acordo com especialistas.
Investigador do MediaLab do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e a Empresa (ISCTE-IUL), José Moreno lembrou um caso desse 'efeito trompete' na pré-campanha para as legislativas de março de 2024: uma publicação nas redes sociais, segundo a qual a caravana do Ventura tinha sido recebida com tiros em Famalicão, Braga, e que, depois de verificação, se concluiu tratar-se de rateres de motas.
Inicialmente, a publicação, “numa conta relativamente desconhecida”, teve poucas visualizações. Depois foi partilhada por Rui Paulo Sousa, deputado do Chega e teve 1.700 visualizações no Twitter e só “explodiu”, com “um milhão de visualizações”, quando foi partilhada pelas contas do Chega e do seu presidente, André Ventura.
“O efeito aqui é mesmo de amplificação. Aliás, Claire Wardle, uma estudiosa de desinformação, chama a isto trompete da desinformação”, disse Moreno, um dos responsáveis pelo projeto para aferir a desinformação e os conteúdos a circular nas redes e sociais e no meio ‘on-line’ antes das legislativas e europeias em 2024 e que se repete este ano em parceria com a Comissão Nacional de Eleições (CNE) e agência Lusa.
A desinformação, explicou em entrevista à Lusa, “começa num sítio relativamente pequeno, não tem grande impacto, mas a partir do momento em que algum ator político ou não político com grande alcance pega nessa desinformação e a reproduz, propaga ou amplifica, ela ganha uma relevância muito maior”.
Nas duas últimas eleições, conclui Gustavo Cardoso, coordenador do projeto do MediaLab, “houve mais desinformação veiculada pelo líder do Chega do que pelos líderes dos outros partidos”.
O sociólogo usa a metáfora da poluição para se explicar: “A desinformação é como a poluição no ar que respiramos nas cidades. Há sempre poluição, tu respiras. Ela não te mata, mas está lá. O que acontece é que há momentos em que [a poluição, tal como] a desinformação, atinge níveis críticos.”
Esses “níveis críticos” são atingidos quando “políticos ou personalidades públicas, celebridades” – e Ventura é um exemplo, segundo Gustavo Cardoso – “dão o ‘boost’” para um publicação se tornar viral.
O caso dos rateres tornou-se “um caso de estudo” em Portugal, que permitiu “mostrar como as coisas funcionam”. Há um ano, refere José Moreno, a desinformação era muito centrada na corrupção e menos na imigração, tema dominante em muitos países da Europa, e que ganhou importância na campanha para as europeias de junho.
A MediaLab concluiu, então, que a desinformação original sobre os “tiros” teve “mais alcance e impacto” nas redes sociais e do que a correção escassas quatro horas depois, feita por vários ‘fact checkers’ ou verificadores.
O projeto concluiu que o Chega era um caso de estudo na política e nas redes sociais, com uma narrativa simples e populista, uma estrutura semiprofissional, apoiantes que são “militantes digitais” e que partilham “uma cultura de liderança”.
E identificou, pela primeira vez em 2024, “indícios de interferência externa nas eleições em Portugal”, com anúncios ‘on-line’, um acusando o PS de corrupção e outro lembrando os cortes do PSD durante a ‘troika’.
Até então, nunca se tinha detetado qualquer indício claro de interferência externa direta em eleições portuguesas, segundo a equipa de investigadores do MediaLab, que acompanha a comunicação sobre eleições nas redes e nos media sociais em Portugal desde 2019.
Portugal vai ter sistema de resposta rápida para denunciar desinformação
Portugal vai ter pela primeira vez nas legislativas de 18 de maio um sistema de resposta rápida para denunciar desinformação, incluído na estratégia da Comissão Europeia contra a desinformação, anunciaram à Lusa investigadores envolvidos no processo.
Gustavo Cardoso, sociólogo e coordenador do MediaLab, instituto de estudo de ciências da comunicação integrado no ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa), e José Moreno, investigador da mesma entidade, estão a colaborar com o que Bruxelas designa como ‘Rapid Response System’ - RSS (em português Sistema de Resposta Rápida), que “já foi utilizado várias vezes em muitas eleições europeias, mas é a primeira vez que está a ser utilizado em Portugal”.
Segundo estes investigadores, esta é uma alteração porque neste momento a Comissão Europeia recorre, para todas as eleições, recorre ao Código de Conduta contra a Desinformação, em articulação com o regulamento europeu dos serviços digitais (Digital Services Act -DSA).
Ao abrigo daquele Código, durante os atos eleitorais, as plataformas signatárias estão “obrigadas a instituir um sistema que permita muito rapidamente denunciar ações de desinformação que possam afetar as eleiçõeDesinformação s”, explicam os investigadores.
“Neste momento, o que está em cima da mesa com o Rapid Response System é entidades em Portugal, neste caso o Media Lab - a entidade que foi contactada - poderem rapidamente denunciar casos de desinformação que possam ter implicação nas eleições. Denunciá-los diretamente junto das plataformas, para que elas possam tomar uma atitude rápida. A ideia é exatamente essa”, disse José Moreno, em entrevista à Lusa.
O Código de Conduta contra a “é um acordo voluntário que foi subscrito por uma série de plataformas, das quais o Twitter originalmente fazia parte”. Desde que o milionário Elon Musk comprou esta rede (2022), o código reúne “todas, exceto o X (antigo Twitter)”.
Assim, agora, “o Código de Conduta continua a funcionar, o DSA continua a funcionar, o Rapid Response System continua a funcionar, com a maior parte das plataformas, todas as grandes plataformas, exceto o X. Está lá a Microsoft, está lá o YouTube, está lá a Meta (...) está lá o TikTok”, enumerou.
Todas as principais plataformas comprometem-se a receber a denúncia e agir o mais rapidamente possível, exceto o X.
Mas, notou o investigador, “o X é uma plataforma importante do ponto de vista político, mas o Facebook e o Instagram são plataformas mais importantes do ponto de vista social, [porque] têm mais alcance social do que o X na maior parte dos países”.
A escolha do MediaLab pela Comissão Europeia prende-se com o Iberifier, o Observatório Ibérico de Media Digitais que visa combater a desinformação e do qual a Lusa também faz parte.
“O que a Comissão está a fazer é colaborar com o 'nó' do EDMO (Observatório Europeu de Media Digital, rede europeia que estuda as dinâmicas da desinformação) na Roménia, com o 'nó' do EDMO na Polónia, o 'nó' do EDMO em Portugal e, portanto, é aí que surge o Iberifier para o caso português”, segundo Gustavo Cardoso.
O sistema de resposta rápida para as legislativas em Portugal está ativo desde 21 de abril e prolonga-se até 25 de maio, uma semana depois do voto. A equipa MediaLab que se ocupa deste projeto é composta por Gustavo Cardoso, José Moreno, Inês Narciso e Paulo Couraceiro.