Os rapazes do Chega sentem-se culpados. Por causa das mulheres

5 mai, 22:00
Reportagem com o Chega em Santarém

REPORTAGEM || O Chega de André Ventura — ou do senhor Ventura, consoante a deferência dos intervenientes — esteve em Santarém: o líder do partido não entrou no “Studio de Beleza Fernanda Coutinho”, não entrou no “Solar Azul” nem no “Nail Designer Bruna Soares” - tudo lojas com uma bandeira brasileira à porta. À passagem, a pequena arruada entoará com fervor, até quase clubista: “PORTUGAL É NOSSO, PORTUGAL É NOSSO!”

Ao contrário do que se vira nos últimos dois dias, primeiro na Ovibeja, sábado, em que se desfilou na feira em passo de procissão entre muitos pedidos de fotografia, ou depois no habitual almoço (ou jantar, quando é jantar) que André Ventura tanto aprecia em salões de casamentos e batizados — o de domingo foi na Guarda —, a primeira arruada do partido aconteceu em Santarém esta segunda-feira e não atraiu o que mais atraíra nos outros dias: idosos. Atraiu jovens, muitos. 

Embora o primeiro a chegar fosse um idoso. Manuel Simões, 73 anos, guiou da Lousã a Santarém para conhecer Ventura. Chegou meia hora antes das quatro da tarde. Ventura, como já vem sendo hábito nesta campanha, atrasou-se e chegaria meia hora depois das quatro. Manuel esperará, paciente. Lá consegue uma t-shirt, que logo veste, e acaba todo de branco — que as calças já eram daquela precisa cor —, a lembrar um desfile pacifista. Mas porque veio Manuel? — perguntamos —, porque se fez à estrada para hora e meia de caminho? “Porque concordo com as ideias do Ventura. Porque nada funciona. E é preciso mudar já o país. Fui um funcionário do Estado durante 41 anos. Em Lisboa, no Instituto de Emprego e Formação Profissional. Muito trabalhei. E hoje sou mais uma daquelas pessoas reformadas com uma pensão baixa. E nem é das mais baixas, porque são 1.000€, acima disso. Mas ganhava mais em 1972, antes do 25 de Abril, do que ganho hoje.”

Manuel Simões parece ter muito em comum com Ventura. Palavras do próprio. “Eu também já fui do PSD, como ele. Eu também já fui do Estado, como ele. Portanto, acredito nele.” Quando ouve chamar-se racista, fascista, extremista a Ventura, Manuel indigna-se. Porque Ventura é o que Manuel é e Manuel vê-se assim: “Eu não sou racista, obviamente que não. Nem racista nem nenhuma coisa. Quem chama isso ao Ventura é ignorante. São pessoas que estão bem com este país, com o que o PS fez ao país. Em que nada andou para a frente. Mas isto vai mudar. Porque há pessoas que estão a ficar cansadas, estão tristes, estão cansadas de incompetência.”

Uma das razões que une também Manuel ao Chega, embora se diga só simpatizante e não militante, é o “problema da imigração”. Mais do que as pensões baixas, mais do que o esquecimento a que um idoso das beiras se vê vetado pelo Estado, central é a imigração — assegura. Mas que problema vê, que problema é que Manuel literalmente vê? 

“Olhe, aqui em Santarém eu comprei uma casita e é só imigrantes, lá da Índia ou de onde eles vêm. Imensos, imensos. Sentados dias inteiros nos bancos dos jardins. Isso não pode ser normal. Se estão no jardim é porque não trabalham. Se não trabalham, rua! Nós temos cá demasiados imigrantes, um milhão e seiscentos mil — não é? Muitos vêm para cá roubar. E nós nem sabemos quem eles são ao certo.” Sobre o plano, ou intenção do Governo de expulsar mais de 4.000 em situação irregular, Manuel diz que é “eleitoralismo” — como já se ouvira a Ventura, parecidos que são — e que o primeiro-ministro “não terá o voto” de Manuel. 

Sente-se inseguro perante a presença de imigrantes, sobretudo os do Bangladesh, do Nepal, do Paquistão, da Índia. “Pois sinto, pois sinto. Eu já nem à rua saio à noite para ir dar a minha volta. E se for sair, fico trancado dentro do carro. Porque eles andam sempre em grupos. E a polícia nem sabe quem são.” Ventura está para chegar. Manuel diz que soube da arruada pela internet. “E também vi como me fazer militante. E são cinco euros ao mês. Isso eu pago. Vale a pena.”

Enquanto Ventura chegava e não chegava, toca-se em loop a canção que o vem anunciar, em que se anuncia a chegada do Quinto Império, o Chega é descrito como “a voz dos heróis do mar”, que vem para acabar com “promessas”, corrupção”, “mentiras” e “doutrinação” — e a canção termina com a voz de Ventura a pedir que lhe deem “só uma oportunidade”. Toca de uma pequena coluna, pequena-sonora, que ecoa por toda a praça ao lado do mercado. A praça está vazia, como as ruas quase todas àquela hora do dia, e os do Chega perfazem nem uma centena, nem meia por certo. 

Quanto o líder do Chega finalmente irrompe na multidão — e ansiedade era grande já —, dirige-se primeiro aos jornalistas do que à multidão. Para nos falar de Cavaco Silva, que escreveu no Observador um artigo elogioso de Montenegro — da sua “postura ética e moral”. “É estranho o professor Cavaco Silva estar empenhado nestas eleições quando não o esteve noutras. É um sinal de que quer levar novamente o pupilo à vitória. Mas ele não pode dizer que a ética de Montenegro está inatacável e está inabalável. Não estará a avaliar bem Luís Montenegro”, contra-ataca Ventura. Que diz que Cavaco — como outros líderes do PSD que se reúnem esta terça-feira por ocasião dos 51 anos do partido, incluindo o “amigo” (palavra deste) de Ventura, Passos Coelho —, são “passado” e Portugal “precisa é de futuro”. 

"Não estamos aqui com históricos. Nós não queremos históricos. Eu não quero dar a Portugal um passado”, concluiu Ventura. E prosseguiu a arruada. Que seria bem curta, do largo junto ao mercado (fechado à segunda) ao largo junto da Igreja, praticamente uma rua, ainda que andasse Ventura por vielas. 

Um grupo de três jovens quer uma fotografia com o líder do Chega e consegue-a, ficando eufórico. São Paulo Russo, de 17 anos, Diogo Augusto e Abel Veloso, já com 18 — vão votar pela primeira vez. Nomeiam Russo seu porta-voz — e por isso é que está ao centro na foto. Russo conta que veio por querer mostrar “apoio ao senhor Ventura”. “Porque este país está muito mal. Muito mal. Cobram muitos impostos. Os deputados não querem saber das pessoas. Então viemos apoiar quem pode mudar. Eu ainda não voto, mas apoio na mesma. Porque senão o país nunca vai mudar, sobretudo para nós que somos jovens.”

Em casa de Russo a mãe é “socialista”, mas “nunca se fala em política”. Então como chega a política a ele? “Foi lá em 2019. Quando eu estava a ir para a escola vi aqueles cartazes dele. Depois fiquei curioso em saber mais e fui à internet, ao YouTube, e encontrei vídeos do senhor Ventura, ouvi as opiniões que tinha — e concordava com muitas das coisas. Sobretudo as da pandemia, porque eu também era contra a quarentena — estar fechado em casa era exagero.”

Mas falemos da condição de Russo: jovem, ser jovem. O que é que Ventura pode, ou diz que pode, fazer por ele se for um dia primeiro-ministro ou Governo? “Eu quero ser militar. Para o ano eu vou alistar-me. E o senhor Ventura liga muito para os militares, liga muito para os polícias. Tem respeito. E além disso é carismático. Eu acredito nele.” Outra questão, ou problema, que Russo pretende que André Ventura resolva é a da imigração, “porque só nos traz insegurança”. “Aqui em Santarém é muito inseguro. Sais à rua à noite e é só indianos, sikhs. Para nós que somos homens é normal, são normais; o problema é com as mulheres. E sentimo-nos, enquanto homens, algo culpados.”

— Culpados? 

— Porque nós homens temos o dever de proteger as mulheres.

— E como é que tencionas proteger uma mulher?

— Através da política, ao votar no senhor Ventura. 

O melhor é dar voz às mulheres. Perguntar se sentirão essa insegurança — e se o que pretendem é ser na rua protegidas por homens com 17 anos ou políticos de 42. Fala Beatriz Mendes, de 27 anos, natural de Almeirim. 

“Há insegurança, há. E isso é urgente resolver. Por isso é que eu vim aqui. Eu não me sinto à vontade para andar na rua. Já fui perseguida diversas vezes por gente indiana. Atrás de mim, a tirar fotografias. Uma vez tive de me esconder dentro de um banco. Estava sozinha, foi muito mau. Mudou complemente os meus hábitos, as minhas rotinas. Já não saio à rua sozinha de noite. E mesmo com a minha filha tenho muito cuidado. Porque tenho medo. Eu quero um Portugal melhor, sobretudo neste aspeto, o da imigração. E o Ventura é quem fala disto com toda a clareza, da bandalheira da imigração. Ele diz as verdades.”

Beatriz Mendes, que trabalha como empregada doméstica, está na arruada acompanhada do pai, Carlos. Carlos acena positivamente a tudo o que a filha diz — e repete, dá enfoque, nos imigrantes. É Beatriz do Chega por influência familiar? “Não, não. Nada. Nunca liguei muito à política. Nem ele”, explica a filha. Que prossegue: “Mas eu comecei a ver coisas do André Ventura na televisão, na internet, e fui-me identificando com aquilo que dizia. Foi uma coisa minha, mesmo. Gostar dele, do André. Se ele for um dia primeiro-ministro, pode até não se resolver tudo, mas uma boa parte sim, revolve. O trabalho, os salários. E a imigração, claro.” 

No fim da entrevista, Beatriz Mendes procura um elemento do Chega para saber como se pode inscrever como militante do partido. Foi ali também para isso.

A arruada entretanto já percorrera praticamente a rua toda até à igreja. Há sobretudo lojas fechadas, para trespasse,  as que resistem são pequeno comércio de roupas ou sapatos, também vinhos, alguns cafés, tascos idem, e Ventura entra quando nota comércio português. Não entra no “Studio de Beleza Fernanda Coutinho”, não entra no “Solar Azul” e não entra no “Nail Designer Bruna Soares”; tudo lojas com uma bandeira brasileira à porta. À passagem, a pequena arruada entoará com fervor, até quase clubista: 

— “PORTUGAL É NOSSO, PORTUGAL É NOSSO!” 

No largo da igreja há já um pequeno palanque à sombra do largo, onde Ventura discursará à multidão - que é ainda mais curta do que a que partira do mercado. No palanque, um cantor ensaia um playback do hino de Ventura para quatro jovens, todas mulheres, o das promessas e corrupção e mentiras e doutrinação. Ventura vai discursar em seguida. 

"Nunca senti tanto apoio. Nunca senti tanta gente. Nunca senti que estava tão perto de ganhar.” Não falará certamente de Santarém. Mas fala aos de Santarém, sobretudo aos jovens que vieram ao encontro, procurá-lo. “O Governo teve um ano de oportunidade para fazer alguma diferença. Sentiram alguma mudança? Algum vento de mudança? Os jovens continuam a ir embora. A imigração continua sem qualquer controlo. E a insegurança: quantos eu ouvi dizer-me hoje ao ouvido para eu vir tornar Portugal seguro. Só se pede um país seguro quando não se é um país seguro. Deixo-vos, olhos nos olhos, esta promessa: eu vou tornar o país seguro novamente.”

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