"O doutor Ventura é um deus, o mais próximo do tenente Le Pen. E é conversa de gente sem instrução dizer que Le Pen era extremista"

13 mai, 10:00
Reportagem com o Chega em Évora e Portimão

REPORTAGEM || Líder do Chega foi proclamado pelos seus "rei do Algarve". Apareceu em ombros. Antes disso, no Alentejo: foi bem menos apoteótico e mais do mesmo

Não começou bem. 

A arruada da manhã de segunda-feira em Évora arrancou tarde, como vem sendo um hábito, e com a adesão a ser, excluindo o aparelho, de talvez 20 pessoas. O que é manifestamente aquém para as ambições de um partido que conquistou 50 deputados e mais de um milhão de votos em 2024, mas que não parece ter nas distritais a capacidade de se organizar e agregar como um “grande”. 

Partiu-se do Jardim das Canas e rumou-se até ao Giraldo, percurso brevíssimo, em passo mais veloz que lento, desta vez sem bombos nem gaitas — e são as deputadas Madalena Cordeiro e Rita Matias que, revezadas, entoam cantigas e cantilenas de apoio ao líder — e em que o candidato Ventura distribui segundos (ou, como ele mesmo diz, “segundo a segundo”) de simpatia, quase candura — o que até destoa demasiado do parlamentar combativo e provocativo —, trocam-se apertos de mão à porta das lojas, a selfie da praxe, uma abordagem ou outra mais fogosa, entusiástica, sobretudo de pensionistas mulheres, mas ainda assim sem um entusiasmo que justifique as declarações de Ventura no fim da arruada. 

Ora, disse André que o Chega vai no domingo “vencer” as eleições — ainda que não haja qualquer sondagem que sustente a confiança de Ventura —, pelo que não quer colocar qualquer cenário que não seja este — nomeadamente uma vitória por minoria do PS ou da AD, o que podia deixar ambos numa situação de completa ingovernabilidade ou, no caso de Montenegro, a necessitar de apoio (e sustentação) à direita. “Os eleitores têm de escolher se querem o mesmo cenário que houve até agora, com um PSD em governo minoritário, com instabilidade, com falta de transparência, com uma queda do Governo ao fim de pouco tempo, ou se querem um governo mais estável. Um governo estável só pode acontecer com uma vitória do Chega”, insistiu. 

Esta confiança de Ventura é a de Joaquim Baião, um antigo militar das operações especiais — traz no chapéu o símbolo, o emblema, dos militares do Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE) —, hoje marceneiro e escultor, hoje com 65 anos, natural de Portel e que foi a Évora (que não é assim tão longe) para ver de perto o líder do Chega. 

Não chegaram a trocar uma palavra. “Estou convicto de que o doutor André Ventura vai chegar, no mínimo dos mínimos, aos 65 deputados. Dos 50 passa, isso para mim é uma coisa quase certa. Porque acredito nisto? Porque estou cansado. Cansado. São 50 anos disto — de miséria, de exploração. Dizem que não somos os últimos da Europa, mas não é só da Europa; nós somos os últimos em tudo, tudo.” Ventura mudará isso, "sem sombra de dúvida”, “mas é que vai, vai”, “sem qualquer hesitação”. “Não há uma área que esteja bem. No Alentejo, meu amigo: pois bem, faça favor. O Alentejo está envelhecido. Desertificado. Abandonado. O Partido Comunista que aqui nos governou décadas não serviu foi para nada. São eles os maiores criminosos do desleixo no Alentejo. Agora já perderam várias câmaras. Este povo começa a abrir os olhos. Socialistas e comunistas são uma bandalheira de inúteis.” 

Joaquim diz-se revoltado. “Revolta-me a mim, revolta muita gente. Menos aqueles que já não veem bem. Porque há quem tenha uma falha no pensamento, não é?” Uma das revoltas é contra a imigração. Não que Joaquim seja contra quem migra. É, sim, contra os “tipos de cabeça enrolada”, referindo-se a indostânicos. “Sou filho de emigrantes. O meu pai, quando esteve em França, viveu quase seis anos numa bidonville. Em Nancy. Só depois desses anos teve direito a uma residência condigna. Agora? Agora dão tudo de bandeja. Há aqui no Alentejo pessoas — não são muitas, mas também contam — que começaram a trabalhar aos oito, nove anos. Chegam aos 67 todos partidos, todos escavacados. E depois só recebem 270, 300 euros. E vêm-me estes tipos da Índia, e sei lá de onde vêm mais, e recebem 911. Subsídios daqui, subsídios dali. E porquê? Por um voto. O Estado vende-se por um voto. Sai-nos caro.” 

Mas irá Ventura combater o que os dois denominam “subsidiodependência”? “Para mim, o doutor André Ventura é um deus. Eu já estava desiludido com a política e os políticos. Ele é que me trouxe de volta à política. Interessei-me por política, em França, desde os meus 19 anos, por causa do tenente Jean-Marie Le Pen. E agora o Ventura é o mais próximo disso. Se Le Pen era extremista? Isso é conversa de gente sem instrução nenhuma. O Chega é um partido de direita. Direita pura e dura. O único. Os outros partidos todos já não sei o que são. Vejo só dinheiro e bandidagem.”

Avancemos. Da parte da tarde, já não no Alentejo mas mais abaixo, pelo Algarve, em Portimão, onde haveria mais gente a juntar-se do que em Évora. 

A arruada que partia do Largo da Mó — e percorreria as estreitas e comerciais ruas velhas desta cidade —, e inicialmente programada para as 17:00, uma hora antes já aglomerava na local uma larga dezena de apoiantes, gente variada, multicultural, mestiça, bairrista, jovens, menos jovens, e acima de tudo revoltada - revoltada com Portugal e com o estado do Estado, que do Algarve se desinteressou, se desinvestiu, e entusiasmada com Ventura e no que de mudança este promete trazer. 

A verdade é que o Chega fez saber que já não partiria pelas 17:00 mas sim uma hora mais tarde, até mais. E ninguém parecia saber disso, ninguém dos que esperavam. Tanto que alguns desistiram depressa. E mais não foram porque chegaram bombos — e rufavam, rufavam, rufavam, gerando ansiedade e anunciado apoteose — e alguns outros deputados (Matias e Pinto à cabeça) que lhes são conhecidos. 

Quando Ventura finalmente se fez ver na rua, já não eram só dezenas, eram pelo menos duas a três centenas de pessoas, e receberam a Ventura em ombros (não vamos dizer que de forma já orquestrada, mas pelo menos foi conivente — os seguranças nunca permitiram tal gesto sem conivência do aparelho e da comunicação) e Ventura parecia exultante, triunfador. 

Partindo a arruda, partiu por ruas com forte comércio proveniente do Indostão, mas não houve lugar a picardias significativas, apenas um por outro “PORTUGAL É NOSSO” e também uma resposta de circunstância de apoiantes a quem à passagem soltava um já habitual “racistas-fascistas”. “Não votes no André, não, e para o ano andas aqui é de burca!”

O hino também haveria de tocar repetidamente, o jornalista contabilizou oito repetições consecutivas, mas não por instrução do partido mas sim por conta de um apoiante, conhecido das ruas de Portimão, um homem já idoso, ou envelhecido da vida, curvado da coluna, que trazia num carrinho de supermercado uma coluna — de som — já gasta mas que ainda lhe deu para o gasto. Tocou tanto, mas tanto pela rua “A Portuguesa” que alguns lhe diziam “ó Filipe, já chega!”. Ventura estava glorificado, alguns chamavam-lhe “o salvador da pátria”, outros chamavam-lhe “o rei do Algarve”. 

Entretanto: duas mulheres percorrem toda a arruada — Mónica Afonso, 47 anos, e Ana Santos, 31 — e, como Ventura, estão exultantes porque “ou ele nos muda isto ou isto não muda”. Palavra de Mónica. 

Mónica diz que também está aqui por ser mãe — embora seja Ana, mais jovem, quem traz à arruada a sua bebé de tão só oito meses. "Vim para ver se ainda há futuro para os jovens. Os meus dois filhos tiveram de emigrar. Um foi para França, a outra para o Luxemburgo. Porque aqui em Portugal, simplesmente, não há futuro. E tudo por causa da entrada descontrolada de imigrantes da Índia, do Bangladesh, daqui e dali.” O problema, pelo menos aqui no Algarve, “está longe de ser na economia”. “Bom, também é na economia. Esta rua onde agora passou a comitiva, esta rua das lojas, está toda a mudar. Eles estão a ocupar cada vez mais e mais lojas e o comércio local perde clientela. As pessoas deixam de vir aqui. Só que o problema maior é que eles não respeitam as mulheres, independentemente até mesmo da idade. Metem-se até com as crianças.” 

Mónica e Ana dizem-se amigas de já longa data, antigas colegas “da função pública, de trabalhar na Câmara de Lagoa. Antigas porque Ana está por casa. Culpam novamente “o problema” que as trouxe à arruada: imigração. É o garante. “Tenho três filhos. E agora, com um de oito meses, simplesmente não consigo regressar ao trabalho. Porquê? Porque não há vagas em infantários. Dizem-me que os imigrantes têm prioridade para tudo: para emprego, para apoios, para creches. E depois vemos que muitos nem trabalham. Só se for no ramo da criminalidade. Eu vim para ver se este país muda. Para acabar com subsídios — os subsídios à dependência, os subsídios ao facilitismo. Eles estão a prevalecer-nos em tudo e isso não pode ser. É pelos meus filhos que estou aqui. Porque se nem para mim consigo vislumbrar futuro, muito menos para eles.” 

Mas Ventura é quem vai mudar isso? Acenam ambas que sim. Mónica remata: “Porque fala claro. Porque diz aquilo que todos pensamos. Eu em 2024 fui secretária na mesa de voto, aqui em Portimão. E só lhe digo: impressionante. Os jovens, muitos com 18 anos acabadinhos de fazer, apareceram para ali votar. E o Chega ganhou na nossa mesa com vantagem. E foi bonito de ver — os próprios pais a incentivarem os filhos a votarem por um país onde não precisem de emigrar e sem imigrantes.”

Talvez por sentir que o entusiasmo não abrandava — como este de Ana e de Mónica —, o partido resolveu acrescentar à arruada marcada uma segunda arruada, ao final da tarde, já quase noite, já quase hora de jantar, na Praia da Rocha. E como era quase hora de jantar, hora de telejornais: Ventura apareceu nas TV a acenar para muitos lados. 

Na avenida da praia, Ventura pediu um cartão vermelho a Montenegro e à AD. Curiosamente, fê-lo junto de um casino da Solverde, um antigo cliente da  Spinumviva.

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