Este é o Máté, apareceu de arco-íris contra o Chega. Antes disso apareceu a Cristiana, toda contente com Ventura

6 mai, 22:00
Reportagem com o Chega no Porto

REPORTAGEM || O homem da foto chama-se Máté, Máté Szedlák. É húngaro e trocou a Hungria por Portugal, e o Porto, por causa da perseguição de Viktor Orbán (da família política de André Ventura) aos homossexuais. Enfrentou a arruada do Chega de chapéu de chuva arco-íris porque não quer ter de mudar outra vez de casa. Mas esta não é só a história de Máté e não vai começar com ele (aviso: esta reportagem contém linguagem explícita)

Quem vem, vem cedo. 

Portanto, não esperem de um mercado, e este é em Matosinhos, que esteja com grande azáfama, grande corrupio às 11 horas da manhã de terça-feira. Está quase às moscas. Ainda assim, à entrada há apoiantes — e militantes e dirigentes, sobretudo “aparelho”, que os curiosos hão de chegar aos poucos —, um grupo bem grande, ou maior do que o que se vira em Beja ou em Santarém, no começo da campanha, talvez a rondar a centena aqui. Dispensaram a coluna, portátil e ruidosa, que passa o hino do partido, o hino que pede uma oportunidade, “só uma, só uma”. Portanto: dispensaram a coluna porque hoje há uma fanfarra — em miniatura, só bombos e gaita de foles. São parte do grupo “Zés Pereiras”, de Barcelos, e não são propriamente estranhos à campanha, pois estiveram já com o candidato Pedro Nuno Santos. 

Às 11 em ponto arrancam num ribombar, anunciando a chegada do homem por quem se espera, a multidão aproxima-se, há euforia e ânsias. Era só falso alarme. Ventura, por hábito, tem chegado às meias horas atrasado e desta vez assim será também. 

Entretanto, do primeiro piso do mercado, talvez surpreendidas pelos bombos e pela gaita, um grupo de jovens mulheres, há também um homem mas são sobretudo mulheres, acorre à janela e não tarda que grite “FASCISTAS!”. Não são logo, logo ouvidas - e insistem: “FASCISTAS!”. A primeira resposta é, apesar de tudo, até serena. “Fascista é a tua tia, pá.” Aquelas jovens mulheres não perdem as ganas: “Voltem para as cavernas!” Um apoiante do Chega, um outro, entra no bate-boca: “Está a acabar-se a mama!”. Os que respondem são sobretudo idosos. 

Agora vem destas mulheres um combo: “Voltem para as cavernas, FASCISTAS!”. O ataque vem munido de pirete. 

Reponde agora alguém jovem também, um homem de negro, e o que agora se transcreve tinha de o ser (aviso: contém linguagem ofensiva): "Mete-o na cona, se quiseres vou aí a cima metê-lo à força!”. Segue-se uma ameaça, ou duas: “um par de bofetadas”, “no focinho, levas no focinho”. As raparigas recolhem. Já perdeu a graça. 

Enquanto Ventura não chega aqui, conheçamos estas cuja mama deve estar, auguram, para terminar, mas que são afinal criativas num atelier — que nada tem que ver com peixes, carnes, hortícolas e frutícolas — e estão a trabalhar e não em visitas a mercados numa manhã de terça. 

Rita é a mulher — jovem, uma bem jovem mulher — do pirete. E a que mais se ouvira à janela. Sabia que Ventura vinha aqui, achava até que estava lá em baixo. Também foi ao engano, ao ouvir os bombos. “Por acaso a minha mãe tinha-me dito que ele iria andar por Matosinhos e também pelo Porto, portanto eu já tinha ideia de que ele podia aparecer aqui. Mas pronto, vi que estava ali um grupo de pessoas à entrada. Vi ali a Rita Matias e mais alguns e achei que ele devia estar por ali também. Eu só gritei o que ele é, um fascista.” Mas porque o considera a jovem Rita um fascista? Desde logo pelo que lhe ouve. 

“Pelo discurso, sim. Diz basicamente aquilo que as pessoas querem ouvir. E como hoje há muita gente farta — parece que todos os anos vamos a votos e o país continua na mesma —, ele aparece com promessas e com uma retórica que agrada. Mas na prática não concretiza nada daquilo, não vai concretizar. É o que já temos visto noutros países da Europa e na América. O crescimento dos populismos não nos dá nada, só tira.”

Mas o discurso que Rita diz ouvir, e desconstrói, colhe. Só neste distrito, o do Porto, o Chega elegeu sete deputados nas últimas legislativas — e Ventura pretende “superar esse resultado” nas eleições de 18 de maio. Eis porque é aceite, segundo Rita: “Acho que as pessoas estão cansadas. E mais do que desrespeitadas, sentem-se talvez desiludidas. Depois, também há um fator demográfico. Nós somos hoje um país envelhecido. Os jovens estão todos a sair. E aqui dentro é mais do mesmo. Nada muda. Então, quando aparece alguém a prometer o contrário, a prometer mudanças, há ainda quem tenha fé nisso. Normalmente pessoas — jovens e não só — que já não terão nada para perder.” Mas há até muito a perder, assegura. “Os jovens, sobretudo os jovens, como eu — que tenho 26 anos —, não têm noção do que é que custou a nossa luta pela liberdade. É quase um insulto. Preocupa-me pensar que este tipo de discurso de ódio pode continuar a crescer. As pessoas precisam de abrir os olhos. Porque não é só o futuro das próximas gerações que está em causa. É já o nosso presente também.”

Terminamos como começámos. Pelos insultos trocados. “Eu só disse que eram fascistas. E para irem para a caverna. O que eu ouvi foi grave. Insinuações sexuais, mesmo atentatórias. Como mulher, sinto-me bem mais em perigo, bem mais sob ameaça de alguém do Chega do que de imigrantes. Sem dúvida. Até porque este partido tem nas assembleias abusadores sexuais, além de deputados acusados, ou condenados, por diversos crimes. Os imigrantes vêm só à procura de um futuro melhor em Portugal — bem ou mal, vêm.”

Ventura está já para dar entrada. No ringue. Quase, vá. Passa um camião do Chega a apitar a canção “Eye of the Tiger”, do filme Rocky, que o vem anunciar. Chega pelas 11:34. Curiosamente, não falará aos jornalistas, como até aqui, sobre imigração, da "bandalheira na imigração", mas fala de deputados e até de crime — Rita previra isso quase sem saber. 

Vem ao seu lado Cristina Rodrigues, deputada acusada pelo Ministério Público por um crime de dano informático e outro de acesso ilegítimo aos ficheiros informáticos do PAN, ao qual a deputada pertencia. O julgamento arranca já esta quarta-feira. Mas Cristina Rodrigues está na lista de candidatos a deputados por decisão de Ventura, uma “decisão ponderada”. Defende-a atacando. 

“Nós distinguimos muito, muito bem, eu tomei uma decisão ponderada na indicação de Cristina Rodrigues, pelo trabalho que tinha feito. Há aqui uma grande diferença entre a Cristina Rodrigues, entre o Hernâni Dias, entre o Miguel Albuquerque, entre o Luís Montenegro e entre outros. É que a Cristina Rodrigues é acusada pelo seu antigo partido de ter levado a cabo atos menos próprios, de ter apagado e-mails. Nós somos um partido de tolerância zero à corrupção. Não me venham é cá falar agora de apagar e-mails do antigo partido.” Mas ao ser questionado sobre se Rodrigues se manterá na bancada do Chega caso venha um dia a ser condenada, o presidente do partido respondeu: “A bancada do Chega não tem corruptos”.

Entretanto, o percurso de Ventura no mercado é brevíssimo, em 40 minutos está tudo visto, beijos e abraços e selfies distribuídos, e a fanfarra — em miniatura, sim — que ficara no exterior ribomba novamente e Ventura partirá. Cristiana Ferreira, peixeira, 33 anos, consegue apanhá-lo à saída, consegue uma fotografia e cravaria um cachecol também, que exibe com orgulho. Já por ali viu um sem-número de políticos, recebe-os, mas nunca recebera este André — trata-o só por “André” — e nunca recebeu nenhum como a este. 

“Gosto muito. Muito, muito. E agora fiquei muito contente por conhecê-lo. Nunca o tinha visto assim ao vivo. Não é? Deu-me dois beijinhos. Fiquei toda contente. É um bom partido.” Ri-se. “Porque é que eu gosto dele? O país não está espetacular. Não é? E acho que ele vai fazer alguma coisa por este nosso Portugal. Alguma coisa há de fazer. Não é? Se não for a cem por cento, que seja só a cinquenta. Mas fazer faz. E acho que sim, que ele merece uma oportunidade.” E tendo uma oportunidade, onde devia esse Ventura primeiro-ministro, Ventura governante, investir? “Na saúde. Sim, na saúde. E nas escolas para os miúdos. Eu por acaso não tenho filhos mas a minha irmã tem. Não é? Por enquanto até está tudo bem com ela e com os filhos mas tem de mudar na mesma. Ah, e a habitação. Que isto para ter casa está cada vez pior. Os ordenados até aumentaram mas também os preços, os gastos. Eu tenho fé nele. No André. E mesmo que não ganhe, na Assembleia pode fazer toda a diferença.”

A paragem seguinte da caravana é o Mercado do Bolhão e é às quatro da tarde. Ainda lá estão os bombos e as gaitas, há ainda mais gente do que havia pela manhã, só não há é ainda André Ventura, 10 minutos atrasado, e sobejam turistas. O Bolhão tornou-se um mercado de turistas. Pelos menos pela tarde. 

Quando Ventura chega há cantorias, gritos, até um hino se ensaia — o nacional —, os turistas estranham, questionam se é uma “party” mas é um “party”, e Ventura falará sobre política na chegada. Só depois visitará o pouco ou nada que há para visitar — e muitas das fotos até tira com a entourage. 

Resolve Ventura falar de Passos Coelho, do “amigo”. Diz que Passos, que hoje até está com Montenegro, nos 51 anos do PSD, é afinal do Chega, pois é o Chega que melhor lhe “representa” as ideias e os ideais. “Eu acho que quando chegar ao dia 18, no momento de votar, o doutor Pedro Passos Coelho irá dizer assim: ‘Em quem é que eu vou votar e quem é que melhor representa aquilo tudo que eu digo?’ E responde: ‘O Chega e o doutor André Ventura!’. Todas as intervenções do doutor Pedro Passos Coelho até hoje foram no sentido de mostrar que a linha política que o Chega está a seguir é a linha certa na família, na integração, na imigração, nas questões de ideologia de género e na segurança.”

Para Ventura, Passos não tem dúvidas de que o próprio Ventura é o “futuro” e Montenegro o “passado”. Pelo menos quanto ao “espírito reformista” que Passos Coelho deseja ver. “Nós temos de ter a coragem na segurança, na saúde, em lutar contra a corrupção, na imigração, de fazer mesmo reformas e não só aparências de reformas. Quando as pessoas têm de vir a escolher entre o original e a cópia, escolhem o original sempre. Porque as cópias geralmente são contrafeitas, malfeitas e são farsolas — e também geralmente são ilegais.” Leia-se que a “cópia” é o líder do PSD. 

A saída do centro do mercado faz-se pela escadaria. Na escadaria estão sentados Petra e Dirke, um casal da Alemanha, que se desvia da pré-arruada (a rua é já ali) e continua a tomar vinho. “Isto é o quê?”, pergunta o marido. Um partido. Da família da AfD. “Da AfD, a sério? Oh não. Assusta-me um bocado”, responde a mulher. Assusta porquê? “Porque sei o que aconteceu na Alemanha com a AfD. Crescem cada vez mais, cada vez mais a tornar-se ainda mais populares — e entre toda a gente. Na Europa, no mundo.” 

Perguntamos a Dirke o que pensa ele do crescimento — e porque crescem os partidos populistas. “Acho que tem que ver com as pessoas que agora vêm de fora. De outros países. Imigrantes.” Petra concorda: “Sim. Sim, sim. E a Europa não tem um plano. Não tem realmente um plano para lidar com tudo isto. Não conseguem apresentar soluções. Nem para as pessoas que vêm, nem para os países, nem para os cidadãos nacionais. E é por isso que muita gente está hoje a lidar mal com esta questão.”

— Tenho medo…

— Do quê?

— De que se repita a História.

— Qual?

— Nazi. 

Medos ditos, visita feita, piscar de olho a Passos (ou a uma coligação pós-eleitoral) no discurso e começa a arruada, Rua de Santa Catarina afora. Avançam em quadrado, quase esquadrão — que fica em euforia diante da loja de equipamento da Seleção, onde há um manequim de Ronaldo —, a rua já por si está repleta, de turistas e de estudantes, trajados, que é altura da queima no Porto. Entretanto juntam-se à arruada três lesados do BES, com cartazes a lembrar os 11 anos à espera de justiça no seu caso. 

Também se juntará Máté Szedlák, um jovem da Hungria que circula pela arruada, em volta do “esquadrão”, com um chapéu de chuva arco-íris, as cores do movimento LGBTQIA+, ouve bocas — “sai daqui, sai daqui, ó paneleiro” — mas mantém-se ali, vê um porta-estandarte (o que leva a maior das bandeiras do Chega) tentar tapá-lo — com a bandeira — para que não seja visto pela televisões, mas Máté teima, rodopia, mantém-se. 

— Porque vieste? 

— Vim comprar um aspirador…

— Aspirador?!

— Para limpar “isto”.

Máté começa por gracejar. “Não, agora a sério: eu estava a andar na rua, encontrei pessoas da comunidade queer a protestar sobre a arruada — e senti em mim uma urgência. A urgência de lutar pelos nossos direitos.” Mas logo isso vai mudar, o gracejo. Quando a pergunta é porque está aqui, em Portugal, e não na Hungria. 

“Deixei a Hungria há cinco anos. Já não me sentia seguro. Viktor Orbán mandava perseguir homossexuais. Não me sentia seguro.” Foi viver para o Porto. Cidade segura, garante. Para si, para esta comunidade. "Sim. Sim, sim. Cheguei e fui logo bem aceite. Esta cidade, estas pessoas acolheram-me, deixaram-me fazer parte desta nação. E sinto-me seguro. Por agora. Mas tenho muito medo de perder o meu lar. Outra vez. Perder outra vez. Porque aqui sinto-me em casa. E custa muito viver com o medo de perder a nossa casa. De novo. Então eu tenho de agir, não posso só ficar parado.”

E volta à arruada, que está já a terminar. Rodopia o arco-íris do alto de uma fonte. Parece estar feliz.

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