opinião

A política de pocilga

30 mar 2023, 18:05

“Tantas famílias cá a viver em barracas e este assassino está cá há um ano e já tinha um apartamento em Odivelas e nem sabia português”.

Este primeiro comentário foi escrito por uma cidadã (o nome é indiferente, porque deve ser falso) na caixa de comentários de uma notícia sobre o crime cometido no Centro Ismaili, em Lisboa, esta semana. É um de vários exemplos — já veremos mais — de como uma tragédia que provocou duas vítimas mortais e um ferido grave consegue trazer ao de cima o pior do ser humano. De como, para muita gente, nem todos são gente. E de como Portugal não está isento do risco de um retrocesso civilizacional. 

Mas é pior. Quem se dedicar a ler as centenas de comentários às várias notícias publicadas esta semana por vários órgãos de comunicação social — coisa que não aconselho, por uma questão de higiene mental — rapidamente percebe o crescimento eleitoral do partido Chega. 

“Mais uma vez André Ventura está coberto de razão, quem nega a realidade e do perigo que se advinha para Portugal, só pode ser de gente incompetente não querendo assumir a sua responsabilidade!”

A política do medo e dos bons contra os maus — tal como a história já nos demonstrou múltiplas vezes — acaba sempre por acordar os espíritos mais ignorantes e cobardes. Dos que se escondem atrás de perfis falsos para mandar estas atoardas, dos que preferem ignorar os factos e acreditar nas realidades alternativas que um qualquer vendilhão político lhes coloca à frente. Quase sempre em nome de um pretenso amor à pátria que não é mais do que uma espécie de nacionalismo bacoco. 

“Portugal tem que mandar esses assassinos para fora de Portugal. Que vão para a terra deles. Agora é deixá-lo morrer”

Os “justiceiros” saudosistas do regime de Hitler, que André Ventura tem conseguido arrebanhar para as suas fileiras eleitorais, são tão criminosos como os que matam. Porque quem assim pensa e o expressa publicamente não respeita nada. Não respeita a carta universal dos direitos humanos, não respeita a justiça, não respeita a democracia e, sobretudo, não mostra qualquer respeito pela vida humana. 

E antes que me voltem a encher de mensagens a perguntar como reagiria eu se fossem familiares meus a morrer às mãos de um assassino, a minha resposta é simples: que seja feita justiça. Que me seria completamente indiferente saber se era afegão, branco, de cor, católico ou muçulmano. Que a dor de perder familiares, desta forma tão trágica, não se cura com a xenofobia ou com o racismo.  

“A política de portas abertas sem qualquer controlo deu nisto. O sangue destas vítimas é responsabilidade do criminoso afegão, mas está nas mãos do governo de António Costa.”

Eis-nos perante o grande maestro deste pequeno exército de ignorantes. André Ventura, o líder político que não pode ver uma pocilga sem mergulhar nela e encharcar-se da cabeça aos pés. Indiferente aos danos que provoca à democracia, insiste num discurso próprio da Idade Média, com um único propósito: aproveitar-se da fragilidade dos outros, para daí retirar dividendos políticos. 

Não seria necessário explicar que o crime cometido no Centro Ismaili não tem rigorosamente nada a ver com política de imigração, não fosse dar-se o caso de muitos terem mordido o isco que o líder do Chega lançou e de terem ido a jogo. Todos os outros — políticos, comentadores, jornalistas, portugueses que preferem formar a sua opinião com base em factos —, que percebem que a democracia, sendo o mais perfeito dos imperfeitos sistemas políticos, e a dignidade humana não se medem pela cor, pela religião, pela nacionalidade ou pela orientação sexual, continuarão a rejeitar esta forma de fazer política protagonizada pelo Chega. Felizmente, ainda são a maioria. Mas, se não estivermos atentos, Portugal pode mesmo sofrer um significativo retrocesso civilizacional.

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