Fez história no FC Porto e brilha no Sporting para ser «o melhor do mundo»

Adérito Esteves , Em Kristianstad, Suécia
24 jan 2023, 09:15
Mundial de andebol: Portugal-Coreia do Sul (Johan Nilsson/EPA)

Aos 17 anos, Kiko Costa tem o mundo aos seus pés. Além dos recordes de precocidade nos dragões e na seleção nacional, o português é considerado «o maior talento que surgiu no andebol mundial nos últimos 20 anos». Recebeu a modalidade nos genes e quer chegar ao topo do mundo, levando com ele, para sempre, Alfredo Quintana, com quem tinha uma relação muito especial

«Mais longe e mais alto» é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Predestinado: substantivo masculino; aquele que foi destinado para grandes coisas; reservado para situações especiais e importantes; apontado ao sucesso.

Francisco Costa ainda nem tinha nascido e já se adivinhava que o andebol seria, muito provavelmente, o seu destino.

Até podia nem vir ser, mas o facto de ser filho de dois antigos internacionais da modalidade – Cândida Mota e Ricardo Costa - dava força a essa possibilidade.

O que poucos imaginariam é que aos 17 anos teria os amantes de andebol de todo o mundo de olho em si.

Mas essa é mesmo a realidade do jogador que há um ano e meio trocou o FC Porto pelo Sporting e que já é uma figura de destaque da seleção principal de Portugal, tendo apontado 17 golos em seis jogos no Mundial.

Aos 17 anos, recordamos. Com idade de juvenil.

É impressionante. Mesmo que sejam 17 anos de convívio com o andebol, como o próprio admite em conversa com o Maisfutebol, na qual assume não ter memórias anteriores à entrada do andebol em cena.

«A minha vida, basicamente, resume-se ao andebol. Mas eu não me importo. A minha paixão sempre foi o andebol e o meu sonho era ser jogador. Não me interessa se não tenho outras histórias para contar, porque é o andebol que eu quero para a minha vida», introduz.

Pouco depois do nascimento de “Kiko”, como é tratado no meio, o pai, Ricardo Costa, foi jogar para Espanha, tornando-se num dos primeiros andebolistas portugueses a ter sucesso no estrangeiro.

E são dos tempos do antigo internacional português no Ademar León as primeiras memórias de Kiko num pavilhão.

«O meu pai jogou em Espanha e eu ia ver todos os jogos. Vivia aquelas emoções que me marcaram, mesmo tendo apenas três anos. Aquilo ficou dentro de mim e quando o meu pai me levou a experimentar, eu já tinha a certeza absoluta que era aquele o desporto que eu queria», assegura.

Kiko Costa, ainda criança, a treinar em casa perante o bloco... do pai, antigo internacional português

«No final dos jogos do meu pai, ele pegava em mim, levava-me para o campo e eu ia marcar sete metros contra o Mirko Alilovic», lembra sorridente, sobre o guarda-redes internacional croata que, aos 37 anos, ainda joga a alto nível, nos húngaros do Pick Szeged, com o português Miguel Martins.

«E agora aqui estou eu no andebol, num nível ao qual nunca imaginei chegar, aos 17 anos», resume.

«O maior talento do andebol Mundial dos últimos 20 anos»

«Num nível ao qual não imaginava chegar, aos 17 anos».

Recuperamos esta frase de Kiko Costa para tentar resumir o nível de que falamos. Mas o melhor é explicar a loucura que se viveu em redor do adolescente durante o Mundial nas últimas semanas.

Loucura, sim: não há exagero na palavra.

Quem passou no hotel da seleção na Suécia, onde Portugal jogou as duas primeiras fases do Mundial do qual foi eliminado no domingo, percebeu a ânsia geral em conhecer Kiko Costa.

Os pedidos de entrevistas de jornalistas de todo o Mundo sucediam-se. Todos os dias. E mesmo sendo recusados, isso não impediu que vários jornais dedicassem as suas páginas a um jogador descrito como «um fenómeno».

O jornal sueco Sportbladet, por exemplo, no dia em que Portugal defrontou a Suécia, escreveu que o jovem português é «considerado o maior talento do andebol mundial desde Nikola Karabatic, há 20 anos».

Para os menos familiarizados com a modalidade, o francês Karabatic, de 38 anos, ainda em atividade, venceu quatro Mundiais, três Jogos Olímpicos, três Europeus, três Ligas dos Campeões e mais seis dezenas de títulos.

A comparação é com um jogador que foi eleito três vezes o melhor jogador do Mundo e é considerado por muitos como o melhor jogador de todos os tempos. GOAT, diz-se agora.

Em dezembro, já lhe tínhamos trazido também o que o treinador do Barcelona dizia sobre ele.

O jovem jogador do Sporting tem noção do impacto que causa. E não se deslumbra. Até porque sabe bem onde quer chegar.

Aos 15 anos disse, numa entrevista ao jornal O Jogo, ter o objetivo de ser o melhor do mundo. Dois anos mais tarde, com outra maturidade… reforça a ideia.

«Continuo a dizer que tenho essa ambição. Não vou fingir que não o quero, porque esse é um dos meus objetivos. Não vou parar até o conseguir», atira, sem receio.

O caminho está a fazer-se. Há pouco mais de um mês, Kiko Costa foi eleito o segundo melhor jogador sub-21 do Mundo. Ainda é pouco para ele.

«Foi bom, mas não é algo que eu valorize muito. Fiquei em segundo e vou continuar a trabalhar para ficar em primeiro», avisa.

Mas quando tentamos puxar por ele, não lhe arrancamos mais do que esse desejo em chegar ao topo… antes de falar no coletivo.

«No andebol não há limites. Com as capacidades e talento que temos, podemos chegar a qualquer lado. Tanto na seleção como no Sporting: não temos limites. Podemos chegar onde nós quisermos. No Sporting temos o objetivo de ganhar o campeonato e jogar a Liga dos Campeões, que é o topo.»

Fez história no FC Porto antes de se mudar para o Sporting

Se descontarmos o andebol que Kiko jogava com os companheiros de equipa do pai, a formação do jogador começou no Colégio dos Carvalhos, uma reconhecida escola de andebol, em Vila Nova de Gaia.

Mas rapidamente o FC Porto o recrutou para os seus quadros, onde viria a fazer história.

Em outubro de 2020, aos 15 anos, sete meses e 21 dias, tornou-se no mais novo de sempre a jogar pela equipa principal do FC Porto.

Esse recorde foi batido, entretanto, por Vasco Costa, que se estreou ainda antes de chegar aos 15 anos. Mas para história ficou também uma tirada de Kiko do dia em que se estreou.

«É incrível vestir esta camisola. Tenho vindo a trabalhar muito esta época, a oportunidade surgiu e eu fiz o favor de vir aqui…»

Sim. Acabado de se estrear com pouco mais de 15 anos pela equipa principal dos dragões, o miúdo resumiu o feito num «favor» que fez.

Mas há explicação para isso.

«Essa entrevista… Meu Deus! Foi a minha primeira entrevista e eu estava mais nervoso porque o Quintana estava à minha frente a gozar comigo e só a rir. Se ele não estivesse ali, eu ficava mais tranquilo e falava direito. Assim, saiu-me aquilo. Mas foi engraçado», lembra, numa gargalhada.

E é também de forma desassombrada que o jovem fala da mudança do FC Porto para o Sporting, revelando que ter trocado de rivais não lhe causou pressão.

«Acho que não me pesou assim tanto porque me mudei juntamente com os meus pais e o meu irmão. Se eu me tivesse mudado sozinho, talvez fosse difícil para um miúdo de 17 anos, mas assim a vinda para Lisboa não me custou. E acho que isso foi um aspeto fundamental para o meu percurso até agora», descreve.

A mudança não impediu Kiko de continuar a bater recordes. Em abril, tornou-se no mais novo internacional AA por Portugal, com 17 anos, um mês e 24 dias. Em pleno play-off de acesso ao Mundial.

Ainda não lhe chega, porém.

«Tenho muito orgulho em estar a viver isto tão jovem, mas eu não quero parar por aqui. Quero continuar a bater recordes. O mais difícil na carreira de um jogador é chegar a um alto nível e depois manter esse nível. E eu ainda quero melhorar, e depois manter-me muitos anos neste nível competitivo», assegura, admitindo que não contava estar já num Mundial sénior.

«Nem me imaginava aos 17 anos a jogar pela equipa principal do Sporting, quanto mais estar a jogar um Mundial. Quero é continuar a jogar Mundiais, Europeus e um dia os Jogos Olímpicos. Esse é o sonho de qualquer atleta».

Agora, fruto da precocidade, Kiko partilha o balneário da seleção com muitos dos antigos companheiros no Dragão. E garante que a mudança dele e do irmão para os leões não foi vista como uma «traição».

«Os jogadores do FC Porto apoiaram-nos sempre. Nunca mandaram bocas. Disseram-nos que nós sabíamos o que era o melhor para nós e para a nossa família», assegura.

E como prova do que afirma, lembra o que aconteceu após o «jogo do título» da época passada. Os dragões venceram no pavilhão João Rocha por 29-28, com um golo marcado a dois segundos do fim, numa partida em que Kiko Costa marcou 19 (!!) dos 28 golos do Sporting,

No final, muitos dos jogadores do FC Porto interromperam as celebrações para dar uma palavra de conforto a Kiko, que não conseguiu evitar as lágrimas.

«Muitos veem-me quase como um filho, ou um irmão mais novo. Gostam muito de mim, e ajudam-me sempre, não importam as rivalidades. E só tenho de lhes agradecer pela partilha de conhecimento e experiência que fazem comigo», enaltece.

Brilha ao lado do irmão e orientado pelo pai

Quando trocou o FC Porto pelo Sporting, Kiko Costa fê-lo juntamente com o irmão Martim, três anos mais velho e que também podia ser ele próprio protagonista neste espaço, tendo em conta a qualidade que também já apresenta.

Com eles veio também o pai, Ricardo Costa, que depois de ter treinado FC Porto, FC Gaia e Avanca assumiu o comando técnico dos leões, já tendo conquistado uma Taça de Portugal para o clube.

Para isso, não é difícil de adivinhar, contribuiu muito o impacto que Martim, mas sobretudo Kiko, tiveram na equipa.

Na primeira época, o lateral direito foi o melhor marcador da equipa, com 263 golos em 48 jogos. Mais: foi o segundo melhor marcador do Mundo no ano de 2022.

Lembramo-nos todos que tem 17 anos, certo?

Na época antes de chegar ao Sporting, Kiko tinha sido treinado por Ricardo Costa no Avanca, clube ao qual esteve emprestado pelo FC Porto. E Martim também já tinha trabalhado com o pai, no FC Gaia, antes de se mudarem os três para o Sporting.

Vão andar sempre juntos?, provocamos.

«Não diria que tenho esse objetivo, mas tenho o sonho de ganhar uma Liga dos Campeões juntamente com eles. Não sei se vai ser possível, mas seria muito bonito», admite.

«Tenho o sonho de jogar no estrangeiro. Não sei se vai ser com ele, mas o que é certo é que ele me está a ajudar muito nesta fase da minha vida, para quando chegar o momento de sair do Sporting, fazê-lo em grande», acrescenta.

E dá o exemplo de dois internacionais espanhóis, que são treinados há vários anos pelo pai, que foi em tempos um dos melhores jogadores do mundo.

«Há o exemplo dos irmãos Dujshebaev [Dani e Alex], que são treinados pelo pai [Talant] no Kielce [finalista vencido da última Champions], e que mostra que não há problema no facto de um pai ser o treinador dos filhos.»

Contudo, a questão impõe-se: como é o tratamento entre atleta-filho e treinador-pai?

«Eu não chamo por ele. O Martim chama “Ricardo”, ou “prof”. Mas eu não tenho esse hábito. Normalmente digo “olha”. Para disfarçar porque ainda não consegui habituar-me a isso», sorri.

«Mas é uma situação normal. É um treinador que está ali para mim, não é um pai. Só tenho de obedecer às regras dele e fazer o meu melhor», sublinha.

Tudo indica que assim continuará a ser. A saída do Sporting não está para breve, acredita. Apesar do interesse dos maiores clubes da Europa – que certamente terá crescido após o Mundial – os irmãos Costa renovaram com o Sporting até 2027 antes da competição.

«O sonho de qualquer jogador é chegar aos melhores campeonatos e às equipas mais fortes. Mas sou muito novo. Tenho apenas 17 anos e um percurso longo para fazer no Sporting. Quero crescer aqui, conquistar o máximo de títulos e um dia mais tarde, se tiver de sair, sairei muito agradecido»

«Tudo o que eu conseguir será pelo Quintana»

Como se percebeu pela história da entrevista após a estreia com a camisola do FC Porto, havia uma relação especial entre Kiko e Alfredo Quintana. Uma ligação que começou quando ele tinha cerca de 10 anos e que se fortaleceu ao longo do tempo.

«A minha relação com o Quintana começou a construir-se quando o meu pai era treinador do FC Porto [entre 2015 e 2017]. Ele pegava muitas vezes em mim no final dos jogos e levava-me para o balneário», explica, orgulhoso das «excelentes memórias desse tempo».

Agora que começa a brilhar nos palcos que se renderam ao falecido guarda-redes do FC Porto e da seleção portuguesa, Kiko garante que Quintana estará com ele em todos os bons momentos que alcançar.

«Eu tinha uma relação extraordinária com ele. Era alguém que me ajudava muito. Conversávamos sobre tudo, e estávamos sempre a rir. E é também por ele que quero continuar a fazer as coisas bem no andebol. Tudo o que eu fizer vai ser também por ele», sublinha.

Alfredo Quintana está, de resto, eternizado no corpo de Kiko Costa. As duas únicas tatuagens que tem são dedicados ao luso-cubano. Tem um “AQ” inscrito no pulso esquerdo e uma frase que Quintana lhe dizia e que ele quis eternizar no mesmo braço, mas que não revela o significado. «É um segredo. Não está em português para ninguém saber. Era uma coisa nossa», confessa.

O que é impossível de manter como segredo é o potencial de Kiko Costa. Ele está à vista de todos. O miúdo predestinado tem mundo do andebol aos seus pés. E tanto para crescer ainda.

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