Anatomia de um jogo.
O Brasil ainda é pouco mais do que uma equipazinhaNo Escrete
O joelho de Pelé, ainda em recuperação, também se queixava, como o avançado reconheceria anos depois na sua autobiografia.
«Pode ter razão, mas o doutor não sabe o que é mais importante no futebol. Se o joelho de Pelé estiver bem, vai jogar», atirava Feola, disposto a lutar contra tudo e contra todos, e também empurrado pela necessidade criada por um problema físico de Joel.
E há ainda que convencer o resto do mundo sobre o pequeno pássaro
«Havia dúvidas sobre Garrincha. Fomos a Itália antes do Campeonato do Mundo, e defrontámos a Fiorentina. Garrincha pegou na bola, fintou o central, o líbero e o guarda-redes. Parou em cima da linha. O guarda-redes tentou recuperar em corrida e ele marcou de calcanhar. O chefe de delegação Carlos Nascimento dizia que isso mostrou que não estava preparado para a Copa, porque estava sempre a brincar», contou o defesa Djalma Santos.
Feola não se deixa desmotivar, e o destino coloca no caminho dos jovens, para o seu país ainda algo infantis, o mais exigente dos embates.
União Soviética, uma força da natureza
Se o 3-0 frente à Áustria no jogo inaugural colocara a Seleção
«No dia após o jogo, os jogadores da URSS, que estavam hospedados perto de nós, vieram cumprimentar-nos. Estávamos a jantar, e o Garrincha perguntou: quem são estes gigantes? Irmão, são os soviéticos. Jogámos contra eles ontem. Ele respondeu-me: «Meu deus, cada um deles é uma besta!», recordou Djalma Santos.
O Maracanazzo
Bola para Garrincha!
A precisar de ganhar, Vicente Feola acredita sempre mais do que os outros. «A primeira bola é sempre para Garrincha», diz o técnico a mestre
Os sul-americanos estão endiabrados pela direita, onde mora seu
Sessenta segundos depois, Pelé acerta na trave e anuncia o que aí vem: o golo de Vavá, rasteiro, depois de um passe fabuloso de Didi. Primeiro, a dança, a convidar ao desarme, e depois a trivela
Respirem fundo: passaram apenas três minutos! Três minutos que mudaram a face do planeta futebol. «Os melhores três minutos que alguma vez se jogaram», escreveu Gabriel Hanot, jornalista e fundador da Taça dos Clubes Campeões Europeus.
Pelé, Garrincha. O futebol nunca mais os esqueceu. Mas o jogo ainda não acabou!
«Na segunda parte, os soviéticos voltaram com força, mas a nossa defesa aguentou-se firme», escreveria Pelé nas suas memórias. O jovem avançado acaba por construir o segundo, de novo de Vavá, aos 77 minutos, acabando com toda a tensão acumulada. «Foi um alívio. Celebrámos tanto que Vavá se magoou e teve de ser assistido fora de campo por vários minutos. Mas tínhamos feito o nosso trabalho. Estávamos nos quartos de final.»
E depois vieram as meias-finais. A final frente à Suécia. O primeiro título mundial. Quatro anos depois, no Chile, o bicampeonato, com muito Garrincha e um Pelé lesionado. O futebol tinha novos reis, e foi nesse dia 15 de junho, na Suécia, que reclamaram o seu trono.
FICHA DE JOGO
Campeonato do Mundo, 1958
Estádio Nya Ullevi, em Gotemburgo (Suécia)
Jogo 4, 3ª jornada
Árbitro: Maurice Guigue (França)
BRASIL - Gilmar; De Sordi, Orlando, Bellini, Nilton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vavá, Pelé e Zagallo
URSS - Iashin; Voinov,
Algumas imagens:
Outras anatomias de um jogo:
1953: Inglaterra-Hungria, o jogo que mudou o jogo (e um país)
1967: Celtic-Inter, a primeira ferida mortal infligida ao catenaccio
1970: Itália-Alemanha, o jogo do século
1973: Ajax-Bayern, o futebol nunca foi tão total
1974: RFA-RDA, o dia em que a Guerra Fria chegou ao Grande Círculo
1982: França-Alemanha, o jogão que o crime de Schumacher abafou
1986: Argentina-Alemanha, a vitória de uma nova religião
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1994: Leverkusen-Benfica, empate épico sentido como grande vitória
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2004: Sporting-FC Porto, o clássico da camisola rasgada
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2005: Argentina-Espanha, a primeira página da lenda de Messi
2009: Liverpool-Real Madrid, pesadelo blanco aos pés da besta negra
2009: Chelsea-Barcelona, Ovebro vezes 4, Iniesta e o início do super-Barça
ANATOMIA DE UM JOGO é uma rubrica de Luís Mateus (