ESTUDO: quem manda nos clubes de futebol? Poucos sabem

2 nov 2018, 17:22
Mala dinheiro

A origem dos proprietários, investidores e acionistas é uma nebulosa preenchida por lacunas e dúvidas. O «Estudo global sobre os proprietários dos clubes» mapeia as preocupações e as urgências identificadas por entidades independentes.

De onde provém o capital investido nos clubes profissionais? Qual é a origem dos acionistas, proprietários ou investidores desses emblemas? Que tipo de escrutínio é exercido sobre os responsáveis pelas sociedades desportivas das maiores instituições desportivas mundiais?

O «Estudo global sobre os proprietários dos clubes», da autoria da SIGA (Aliança Global para a Integridade no Desporto) e da ICSS Insight (Centro Internacional para a Segurança no Desporto), responde a estas e outras questões absolutamente fundamentais para a correta regulamentação do futebol profissional.

O documento, de admirável complexidade, foi apresentado no 62º Congresso da União Internacional de Advogados (UIA), realizado no Porto.

O Maisfutebol escutou Emanuel Medeiros, CEO da SIGA, a descrever «um quadro de preocupante» falta de vigilância. Sob análise estiveram 25 países e centenas de clubes.

«Em alguns países a legislação desportiva está na pré-história. Noutros, mais avançados, como a Premier League, já há ferramentas para a verificação e avaliação de todos os investidores», referiu Emanuel Medeiros, o homem que durante uma década presidiu à EPFL – Associação das Ligas Profissionais de Futebol.

O raio-x efetuado é, insistimos, preocupante.

Principais conclusões:

1 . Disparidade total na legislação entre países, ausência de escrutínio e desconhecimento sobre a origem dos capitais que sustentam clubes e sociedades desportivas;

2. Nem a UEFA, organismo que detém as melhores ferramentas de controlo, tem a capacidade de aquilatar a identidade dos verdadeiros proprietários dos clubes, devido à opacidade manipulada por fundos e empresas sediadas em offshores;

3. Vigilância é parcial ou inexistente em quase todos os países. Só Inglaterra e Itália cumprem os padrões de segurança e exigência devidos.

Fernando Veiga Gomes, presidente da Comissão de Direito do Desporto da UIA e co-autor do estudo, avança com três medidas concretas para o combate a este paradigma do futebol moderno.

1. Revelação das identidades dos acionistas, até ao último beneficiário efetivo. Isso permitiria monitorizar, por exemplo, situações de conflitos de interesses. A nossa lei ainda não chega lá.

2. Sistema de controlo prévio, por parte das entidades desportivas, sobre esses investidores. Os clubes do Campeonato de Portugal têm sido pasto para investidores de todo o mundo, sem qualquer controlo prévio.

3. Dotar a regulamentação de um teste de idoneidade sobre essas pessoas. Nesta altura não existe nenhum controlo.

Empresa de Hong Kong comprou 70% do Atlético por 140 mil euros 

E Portugal? O exemplo trágico do Atlético

A preocupação exibida de forma objetiva pelo estudo não exclui Portugal. Emanuel Medeiros e Fernando Veiga Gomes confiam nas pessoas responsáveis pelos principais organismos, mas lembram que o nosso país tem sido atingido pela entrada de gente pouco credível.

«O Atlético, emblema histórico, foi comprado por uma empresa já anteriormente associada a questões de match fixing (resultados combinados). Os clubes são usados para lavagem de dinheiro e parqueamento de jogadores. A ambição desportiva é secundária para estas personagens», sublinha Fernando Veiga Gomes.

«Temos à frente das instituições pessoas de grande craveira intelectual, gente com provas dadas. Chegou a altura de dar um passo importante, incluindo todos, ouvindo todos. A integridade no desporto tem de ser colocada no topo da agenda. E aí o governo terá de desempenhar um papel. Vamos arregaçar as mangas e por em prática o que é necessário», continua Emanuel Medeiros.

Este estudo, sublinha, é um «objeto credível e independente», um ponto de partida para ações concretas de fiscalização e regularização.

O trabalho divide-se em três fases: os aspetos jurídicos (2018), a componente financeira (2019) e a transparência (2020). A primeira está completa. Quais os passos seguintes?

«A próxima fase será a validação dos dados preliminares. Apesar deles serem muito robustos. Desta vez preferi partir de um retrato exaustivo, demonstrando os factos. Aqui não há subjetivismos. Agora partiremos para o desenho das reformas.»

«Queremos ação, isto não é um exercício académico», explica Emanuel Medeiros, também preocupado com o posicionamento dos maiores patrocinadores.

«Também eles exigem integridade. Boa governança, origem dos capitais, transparência e escrutínio dos frutos financeiros, integridade financeira. Eles investem dinheiro e reputação. Eu estava em Washington com o vice-presidente da Coca-Cola quando o FBI entrou na sede da FIFA e deteve 15 pessoas. Isso criou um clamor enorme na empresa e nos seus consumidores.»

«Mais do que um remédio, precisamos de um antídoto», resume Emanuel Medeiros.

«Políticas acertadas, boas práticas, mecanismos eficientes. Há mais de dez anos que chamo a atenção para o controlo dos parâmetros financeiros, idoneidade dos investidores… há em Portugal capitais de todas as proveniências. Não queremos diabolizar o investimento, mas tem de ser enquadrado num quadro legal, de rigor e transparência. Isto é interesse público.»

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