A morte de uma grávida no hospital Amadora-Sintra acontece um dia depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter segurado Ana Paula Martins. A oposição pede a demissão
“É provavelmente a gota de água que fará transbordar o copo da Ministra da Saúde.” É desta forma que o politólogo José Filipe Pinto reage à notícia da morte de uma grávida, de 36 anos, esta sexta-feira, no Hospital Amadora-Sintra. A grávida tinha ido ao hospital na quarta-feira e apresentava, segundo o hospital, "hipertensão ligeira". Foi enviada para casa com consulta marcada, mas entretanto entrou em paragem cardiorrespiratória e acabou por morrer esta sexta-feira de madrugada.
Para Filipe Pinto, este novo episódio poderá precipitar a saída de Ana Paula Martins do Governo. “Acredito que ela irá apresentar o seu pedido de demissão ao primeiro-ministro, mais do que colocar o lugar à disposição”, afirma, sublinhando que a ministra “poderá entender que este caso foi a gota de água que fez transbordar o copo” e que, “mesmo mantendo a confiança política de Luís Montenegro, perceberá que já não é capaz, no atual quadro, de alterar a situação”.
Para a comentadora da CNN Portugal Mafalda Anjos, “este é talvez o momento mais crítico que a ministra da Saúde já atravessou”. Sobre a possível demissão da ministra, a comentadora da CNN Portugal é mais cautelosa. “Acredito que neste momento o lugar da Ana Paula Martins está em risco. A minha dúvida é quantas vidas políticas ainda tem a Ana Paula Martins. Ela já gastou inúmeras. Quantas vidas é que ainda tem mais? Não sei dizer, mas acho que já estamos na fase das contas.”
Mafalda Anjos sublinha que “as entidades competentes têm mesmo de avaliar o que se passou e porque é que isto aconteceu" no Amadora-Sintra. "O que está aqui à vista é um erro clínico potencialmente muito grave.”
Caso a demissão se verifique, compete a Luís Montenegro aceitar a saída de Ana Paula Martins. Para José Filipe Pinto, o primeiro-ministro "poderá recusar" essa decisão, mas isso pode ser prejudicial, argumentar. "Luís Montenegro tem sempre a possibilidade de recusar a demissão, atendendo aos interesses do Estado. Mas é evidente que isso seria obrigar a ministra a continuar naquilo que eu chamo 'sacrifício'. Acredito que Ana Paula Martins está numa situação em que já percebeu que não consegue ter uma solução para os problemas."
"Um escudo para Montenegro"
Perante os episódios críticos cada vez mais recorrentes no SNS, o Presidente da República preferiu, esra quinta-feira, travar os pedidos de demissão da ministra da Saúde. Marcelo Rebelo de Sousa defendeu a governante e criticou o “tempo perdido” na gestão da saúde, pedindo “um acordo amplo de regime” entre os principais partidos.
“Não há política de saúde que aguente; ou melhor, não há saúde que aguente”, afirmou o chefe de Estado, no ISCTE, sublinhando que “talvez valha a pena pensar que não é boa ideia mudar de política sempre que muda o Governo”.
Segundo José Filipe Pinto, Marcelo tem consciência de que o problema “vai muito além da substituição de uma ministra” e tem na mira outros culpados. “Marcelo sabe que a culpa não pode morrer solteira e que é partilhada entre PS e PSD, porque nunca houve vontade política para um verdadeiro pacto de regime na saúde”, explica o politólogo.
“Quando alguém com o perfil académico e profissional de Ana Paula Martins não consegue resolver os problemas, atributos que o Presidente aprecia, é porque os problemas são mais profundos, estruturais e transcendem a sua ação.” Na leitura do politólogo, Marcelo demonstra “um respeito pessoal e institucional pela ministra” e recusa-se a juntar-se “ao coro dos que pedem a sua substituição”.
Na mesma linha, Mafalda Anjos considera que o silêncio cauteloso de Marcelo explica-se por razões políticas, que podem ser compreendidas à luz de episódios passados. “O Presidente da República já percebeu que não está em condições de comprar um braço de ferro com o primeiro-ministro. Já o fez com António Costa e correu-lhe mal. Agora está em final de mandato e os seus poderes estão limitados, por isso prefere agir nos bastidores.”
Mafalda Anjos sublinha ainda que “a saúde é tradicionalmente uma das pastas mais frágeis” e recorda que “a própria Marta Temido, apesar da experiência, acabou por sair desgastada após a pandemia”. Atualmente, sublinha a comentadora da CNN Portugal, a situação é diferente. “Luís Montenegro fez da saúde uma bandeira eleitoral. Demitir a ministra seria reconhecer uma derrota política que o primeiro-ministro não quer assumir”, menciona, acrescentando que “Ana Paula Martins, enquanto estiver no cargo, será sempre um escudo para Montenegro”.
Na quarta-feira, José Luís Carneiro defendeu que a ministra “está sem autoridade política” e que, por isso, deve ser “responsabilizada”. “Compete ao primeiro-ministro transmitir, com gentileza, à ministra da Saúde que ela está sem autoridade política.”
Na perspetiva do líder socialista, "quem tem condições para realizar com essa gentileza política, esse diálogo com a senhora ministra, é mesmo o primeiro e último responsável do Governo", sendo "o primeiro e o último responsável do Governo o primeiro-ministro".