A pressão sobre Ana Paula Martins intensificou-se com a recente divulgação de um relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), que revelou que a morte de um homem de 53 anos, vítima de enfarte agudo do miocárdio, podia ter sido evitada. O caso aconteceu durante uma greve no INEM no ano passado
A decisão de Luís Montenegro em manter Ana Paula Martins à frente do Ministério da Saúde está a ser cada vez mais criticada. A manutenção da ministra no cargo após as controvérsias geradas pela greve dos técnicos de emergência pré-hospitalar do INEM em 2024 pode agora transformar-se numa verdadeira “bomba-relógio política” nas mãos do primeiro-ministro.
"Parece evidente, desde novembro, que ficou claríssimo que este caso era uma bomba-relógio política para o governo de Montenegro”, começa por dizer a comentadora da CNN Portugal Mafalda Anjos. “Não há um nexo de causalidade imediato entre as mortes e a inação política mas, de facto, há um potencial de isso vir a acontecer e de essa bomba-relógio poder vir a rebentar nas mãos também dos responsáveis políticos.”
“Estamos a falar de 12 mortes que ocorreram durante aquele período das greves, período esse que, como se percebeu na altura, não foi devidamente acautelado em termos políticos para se colmatar potenciais efeitos dessa greve”, argumenta Mafalda Anjos.
À frente dos destinos da Saúde desde 2024, Ana Paula Martins foi uma das governantes reconduzidas no cargo no segundo governo que tomou posse no inicio de junho. Uma decisão polémica e que mereceu várias criticas da esfera política. "Foi uma tanga de Montenegro em manter a ministra", afirma Maria Castello Branco. A comentadora da CNN Portugal acredita que, ao reconduzir Ana Paula Martins no cargo, o primeiro-ministro criou um problema político significativo que pode vir a comprometer ainda mais a estabilidade do Governo.
“A recondução da ministra cria problemas enormes num governo que acaba de tomar posse pela segunda vez. Ana Paula Martins não deveria ter sido reconduzida, que foi algo que não aconteceu com a secretária de Estado, Cristina Vaz Tomé”, defende Maria Castello Branco, acrescentando que não acredita que Ana Paula Martins se venha a demitir. "Está blindada pelo primeiro-ministro."
O caso da morte do homem de 53 anos, agora confirmado como resultado de atrasos no socorro num caso que aconteceu durante a greve no INEM, é apenas a ponta do icebergue. A comentadora salienta que o Governo teve dez dias para chegar a um acordo com os técnicos de emergência, mas ignorou os pedidos que visavam evitar a greve. “A ministra teve 10 dias para responder aos técnicos do INEM e chegar a um acordo. Não sei se por negligência ou por que razão mas ignorou, levando os profissionais para uma greve e levando à morte de uma pessoa, faltando ainda apurar a responsabilidade de outros óbitos”, sublinha a comentadora.
A polémica surge numa altura em que o SNS se aproxima de uma época tradicionalmente critica: o verão. “Será um período muitíssimo complicado para a ministra, ainda mais com a escassez de meios, como a limitação de helicópteros no INEM, que nos próximos tempos terá apenas à sua disposição dois meios aéreos.”
Ministra anuncia que vai ficar no Governo e cita relatório para culpar técnicos
"Vou continuar a trabalhar sob a liderança do meu primeiro-ministro." A ministra da Saúde reagiu assim esta quinta-feira ao caso da morte identificado pela IGAS, isto numa altura em que está sob pressão política para assumir "responsabilidades" pelo sucedido. Ana Paula Martins argumenta que a responsabilidade apurada nesta morte está circunscrita a técnicos do INEM e não à existência da greve.
Segundo a governante, o relatório é "muito claro" ao identificar responsabilidades de natureza técnica e operacional relacionadas com a atuação de dois técnicos do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). A ministra afasta qualquer relação direta com a greve dos trabalhadores da instituição.
"Nunca fugirei às minhas responsabilidades de natureza política, mas o que hoje aqui está em causa é que [...] não houve nenhuma relação entre a infeliz ocorrência e a greve do INEM."
A ministra assegura ainda a sua total disponibilidade para prestar esclarecimentos no Parlamento. "Estou sempre disponível, como é minha obrigação, para responder àquilo que a Assembleia da República me quiser perguntar."
Na passada quarta-feira, o Ministério da Saúde já tinha emitido um comunicado em que sublinhou que a morte de um homem de 53 anos que esteve uma hora e cinquenta minutos à espera de assistência do INEM deveu-se "à falta de zelo, de cuidado e de diligência" de "dois profissionais em concreto que intervieram no processo de socorro" e não "à existência de greve no INEM".
Já o Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH) rejeitou qualquer tentativa de responsabilizar os profissionais e disse que o desfecho se deveu à incapacidade de resposta do INEM.
O que aconteceu
Tinha 53 anos, morreu por enfarte agudo do miocárdio, mas “este desfecho fatal podia ter sido evitado caso tivesse havido um socorro num tempo mínimo e razoável” do INEM. A conclusão é da IGAS, que confirma assim que pelo menos uma das 12 mortes ocorridas em outubro e novembro de 2024 durante a greve dos técnicos de emergência pré-hospitalar - e que estão a ser investigadas - esteve relacionada com os atrasos verificados no organismo naqueles dias.
Este caso que a IGAS considera que podia ter sido evitado é relativo a um homem de Pombal e ocorreu a 4 de novembro - dia em que no INEM se acumularam duas greves e que em alguns períodos do dia mais de 70% das chamadas de socorro ficaram por atender.
Segundo o relatório da IGAS, a que CNN Portugal e a TVI tiveram acesso, entre a primeira chamada telefónica para o 112 feita pela mulher da vítima e a chegada do meio de auxílio (Vmer) passou uma hora e 50 minutos, o que impossibilitou que o homem conseguisse ser submetido a tempo a uma “angioplastia coronária” num dos hospitais da zona, o que lhe podia salvar a vida.
“A demora do atendimento”, referem os inspetores da IGAS, é “revelador de ineficiências” e “juridicamente censurável”, uma vez que perante a análise de todas as chamadas telefónicas é possível verificar que alguns profissionais revelaram falta de zelo, não atuando segundo as boas práticas médicas de dois profissionais - que podem agora ser alvo de processos-disciplinares do INEM.
Dos 12 casos que estão em investigação na IGAS, faltam ainda relatórios finais sobre nove casos. Além deste de Pombal, a IGAS já concluiu um relativo a um homem de Cacela a Velha e uma mulher de Castelo de Vide, tendo concluindo que no caso destas duas vítimas não se confirma uma relação direta entre a morte e os atrasos no socorro do INEM. Apesar disso, os inspetores sublinharam em ambos os casos a gravidade dos atrasos na emergência médica - seja no atendimento, seja no acionamento de meio de socorro.