A tenista ucraniana Marta Kostyuk está a ter dificuldades em concentrar-se, neste momento, no desporto a que dedicou a sua vida. Por vezes, há demasiada dor e turbulência emocional para compreender como Kostyuk, de 19 anos, nascida em Kiev, reflete sobre o impacto da invasão do seu país pela Rússia, em si e nos colegas jogadores ucranianos.
"Neste momento é algo indescritível, há um pai de um jogador de ténis que morreu", disse Kostyuk à CNN. E “há uma casa de um tenista que está completamente destruída", afirmou.
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A própria saúde mental de Kostyuk também foi afetada.
"Foi extremamente difícil, na primeira ou nas primeiras duas semanas", afirmou à CNN, em entrevista por telefone no início de abril.
"Faz dois meses e, sabe, isto melhora e piora, vai mudando. Estou a tentar guiar-me um pouco, apenas a tentar ver onde estou. A tentar sentir-me e entender-me", acrescentou.
Kostyuk está extremamente consciente da importância de tentar controlar os seus sentimentos e diz que está a trabalhar com um psicólogo. "Comecei há algumas semanas, o que me ajuda muito. Mas sabe, às vezes chega a ser assustador, os pensamentos que vêm à cabeça", acrescentou Kostyuk. "Eu não quero dizer as palavras, você pode descobrir sobre o que estou a tentar falar. Porque, a este ponto, há tantas coisas a acontecer, é preciso carregar tantas coisas de uma só vez que você fica, tipo, eu não posso lidar mais com isto”.
"Eu estou, tipo, para onde tudo está a ir? Isto nunca acaba, tipo, o que devo fazer com a minha vida agora? Para que estou eu a viver?" disse.
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O que tem ajudado Kostyuk e lhe dado um propósito é tentar ensinar as pessoas sobre a guerra na Ucrânia. "Toda a gente está a fazer isso de maneiras diferentes, mas o meu único objetivo é não me sentir uma vítima nesta situação", afirmou. "Porque eu não sou e não estou a posicionar-me assim. Nas duas primeiras semanas [da invasão], tive essa sensação, de que sou uma vítima, tipo, não sei o que devo fazer, porque raramente me sinto assim na minha vida.”
"Este foi o ponto de viragem para mim, quando mudei esta mentalidade de não ser uma vítima", afirmou.
"Eu não deveria ficar em silêncio. Deveria dizer o que penso. Não deveria gritar a plenos pulmões, tipo, por favor ajudem-nos. Nós dizemos especificamente de que ajuda precisamos”.
"Ainda sou uma jogadora de ténis e ainda quero competir. Não quero magoar-me. Não quero chegar ao ponto em que estou apenas 'quer saber? acabei. Não posso jogar ténis neste momento... não posso fazer nada’."
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Kostyuk é dos jogadores ucranianos que pediram a atletas russos e bielorrussos que denunciassem a decisão do governo russo de invadir a Ucrânia se quisessem entrar em competições internacionais.
“Uma grande responsabilidade”No início de abril, os organizadores de Wimbledon anunciaram que os jogadores russos e bielorrussos não poderiam competir na edição deste ano após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Vinte vezes campeão de Grand Slams, o sérvio Novak Djokovic criticou a decisão, apelidando-a de “loucura”. Entretanto, o tenista russo Andrey Rublev disse que a proibição é “ilógica” e equivale a “completa discriminação”.
Numa conferência de imprensa na terça-feira, Ian Hewitt, presidente do All England Lawn Tennis Club (AELTC), que gere Wimbledon, afirmou: “Não é discriminação na forma em que está a ser dita, é uma visão ponderada que visa alcançar qual é a decisão certa e responsável em quaisquer circunstâncias."
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Num post no Twitter no início de abril, Kostyuk escreveu: "Como atletas, vivemos uma vida aos olhos do público e, portanto, temos uma enorme responsabilidade... Em tempos de crise, o silêncio significa concordar com o que está a acontecer".
Além de Kostyuk, os jogadores ucranianos Elina Svitolina e Sergiy Stakhovsky estão entre os que pedem à WTA, ITF e ATP que peçam aos jogadores daquelas duas nacionalidades que condenem a invasão.
“No tour, estamos sozinhos”Kostyuk disse à CNN que os críticos de sua posição argumentaram que "jogadores de ténis... não têm nada a ver com política".
"Não entendo: qual é o sentido de dividir essas duas coisas? É um grande sistema em que estamos a circular. Um não pode viver sem o outro e vice-versa", disse. "Então, para mim [a ideia de que] 'o desporto está fora da política'… Honestamente, durante muitos anos, foi provado exatamente o contrário".
"Estamos a tentar falar sobre o facto de que nenhum dos jogadores veio e falou connosco para tentar ajudar de alguma forma", acrescentou. "Costumávamos ser amigos de muitos jogadores. Já não sou amiga de ninguém, nem de um único jogador", disse.
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"Sabemos que o mundo inteiro está a tentar apoiar-nos [à Ucrânia]. Toda a gente sabe que o que está a acontecer está errado. E mesmo assim, dentro do tour, estamos sozinhos", desabafou.
Em resposta à decisão de Wimbledon de banir atletas russos e bielorrussos do torneio deste ano, a WTA distanciou-se da decisão da AELTC. "A WTA condena veementemente as ações que foram tomadas pela Rússia e a sua invasão não provocada da Ucrânia. Continuamos os nossos esforços de ajuda humanitária para apoiar a Ucrânia, através do Tennis Plays for Peace”, disse a organização em comunicado, acrescentando estar "muito dececionada" com a decisão da AELTC e da Lawn Tennis Association, que também anunciou que baniria atletas russos e bielorrussos de competir nos seus eventos. "Um princípio fundamental da WTA é que atletas individuais podem participar de eventos profissionais de ténis com base no mérito e sem qualquer forma de discriminação".
A ATP adotou uma posição semelhante, dizendo que a decisão foi "injusta e tem o potencial de estabelecer um precedente prejudicial para o jogo". E acrescentou: "A discriminação com base na nacionalidade também constitui uma violação do nosso acordo com Wimbledon, que afirma que a entrada de jogadores é baseada apenas no Ranking ATP".
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"É importante enfatizar que os jogadores da Rússia e da Bielorrússia continuarão a poder competir nos eventos ATP sob bandeira neutra, posição que até agora era partilhada no ténis profissional".
"Cada um tem uma escolha"Kostyuk disse, no entanto, acreditar que os jogadores russos e bielorrussos têm a responsabilidade de se posicionar sobre a invasão, se não a apoiarem. "Alguns dos jogadores de ténis russos não estão sequer a morar na Rússia. [Eles] têm todo o direito de levar a sua família, mudarem-se e dizer o que realmente sentem que é a coisa certa a fazer, se sentirem que devem falar”.
"No entanto, eles não estão a fazer isso. Sejamos honestos, tiveram tempo suficiente para fazê-lo ", acrescentou.
"Toda a gente tem uma escolha a fazer. Há um bando de tenistas que têm recursos para mudar as suas família para fora do país. E ainda assim eles não estão a fazer isso. Porquê, não sei.”
"Não gostaria de viver num país que não me permite falar; que não me permite viver a minha vida; que (quer) a minha família em perigo por causa de minhas ações”.
"É por isso que estamos a tentar forçá-los a falar, por qualquer forma. Mesmo que alguém apoie essa invasão, fale sobre isso; diga a sua opinião publicamente. Mas eles sabem que, se o fizerem, ficarão sem trabalho", denuncia.
Como obter ajuda: Em Portugal, contacte o Serviço de Saúde Mental do Hospital da sua região – Adultos, Infância e Adolescência. A linha SNS24 (808 242424 e www.sns24.gov.pt) e o 112 também estão disponíveis. Entre em contacto através das Linhas de Crise e da Linha de Aconselhamento Psicológico. Para mais informações, consulte o Plano Nacional de Prevenção do Suicídio.
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