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Taiwan está a desenvolver o seu próprio "Starlink" - se for atacada não pode contar com os cabos submarinos

Imagem acima representa a vista do interior do centro de controlo da Agência Espacial de Taiwan a 5 de março de 2024 em Hsinchu, Taiwan (John Mees/CNN)

As autoridades de Taiwan estão a trabalhar num novo e ambicioso sistema de satélites para manter a ilha em funcionamento em caso de catástrofe, enquanto lida com a ameaça constante de hostilidades com a China.

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Wu Jong-shinn, diretor-geral da Agência Espacial de Taiwan (TASA), disse à CNN, numa entrevista exclusiva, que Taiwan se encontra numa “fase de desenvolvimento experimental” nos esforços para construir novos satélites de comunicação locais.

Quando o sistema estiver operacional, poderá funcionar de forma semelhante ao sistema de satélites Starlink de Elon Musk no fornecimento de acesso à Internet - embora a uma escala muito menor, disse Wu, que lidera os programas espaciais de Taiwan desde 2021.

O Starlink, operado pela SpaceX de Musk, utiliza uma rede de milhares de satélites para fornecer Internet a utilizadores em todo o mundo, incluindo áreas onde as ligações convencionais não estão disponíveis.

Tem sido utilizado pelas forças armadas ucranianas nas frentes de batalha para se defenderem da invasão russa. Em Gaza, devastada pela guerra de Israel contra o Hamas, permitiu que o pessoal de um hospital de campanha efetuasse consultas médicas por vídeo em tempo real.

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Mas Taiwan não tem acesso à Starlink porque a SpaceX insistiu em ter uma participação maioritária na empresa comum proposta, uma exigência incompatível com a legislação local de Taiwan. Esta foi uma das razões que levou Taiwan a desenvolver a sua própria tecnologia.

“O satélite de comunicações é muito importante para a nossa resiliência de comunicação durante períodos urgentes”, disse Wu, chamando-lhe o projeto mais sensível da sua agência. “Isso é muito importante para nós, por isso levamo-lo muito, muito a sério.”

A Starlink tem-se revelado crucial para as forças ucranianas que defendem a sua pátria da invasão russa. Heidi Levine para o The Washington Post/Getty Images
Uma rede vulnerável

A paisagem geopolítica única de Taiwan e a sua localização, a cerca de 160 km da costa da China, tornam urgente um projeto ambicioso. O Partido Comunista da China, no poder, reivindica a ilha como parte do seu território e tem prometido repetidamente tomá-la pela força, se necessário.

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Atualmente, a conetividade de Taiwan é servida por 15 cabos submarinos de Internet que a ligam ao resto do mundo. Mas estes cabos são suscetíveis de sofrer danos. No ano passado, um grupo de ilhas periféricas de Taiwan ficou sem acesso à Internet durante semanas, depois de dois cabos submarinos que as ligavam à ilha principal de Taiwan terem sido danificados por navios que passavam.

A Internet de alta velocidade é crucial para o funcionamento normal de qualquer sociedade, mas, no caso de Taiwan, uma tentativa deliberada de sabotar o sistema poderia ter outras repercussões. Num relatório publicado pelo Instituto de Defesa Nacional e Investigação de Segurança, um organismo de investigação afiliado ao governo de Taiwan, os peritos alertaram para o facto de que, se Pequim cortasse os cabos de Internet à volta de Taiwan, poderia perturbar as comunicações regulares e provocar o pânico generalizado.

As autoridades taiwanesas anunciaram anteriormente que a agência espacial iria desenvolver dois satélites de comunicação, o primeiro dos quais poderia ser lançado até 2026. Posteriormente, a agência espacial também ajudaria empresas privadas a lançar quatro satélites adicionais para as ajudar a entrar no setor. No entanto, Taiwan precisaria de enviar centenas de satélites para criar um sistema que fornecesse acesso ininterrupto à Internet de reserva, disseram os especialistas à CNN.

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Wu Jong-shinn, diretor-geral da Agência Espacial de Taiwan, fala à CNN a 5 de março de 2024 em Hsinchu, Taiwan. John Mees/CNN

Brad Tucker, astrofísico da Universidade Nacional Australiana, calculou que Taiwan precisaria de pelo menos 50 satélites para fornecer uma cobertura de emergência “razoavelmente decente” com a sua própria constelação de satélites - e quanto mais, melhor.

“Para que a largura de banda seja realmente fiável, de modo a que todos a possam utilizar, serão necessários muitos mais [satélites], provavelmente na ordem das centenas”, afirmou.

“Se um país se dedicar a isso, pode definitivamente concluí-lo”, acrescentou. “Porque a parte mais difícil é mesmo conseguir o financiamento para os lançar a todos”.

Su Tzu-yun, diretor do Instituto de Defesa Nacional e Investigação em Segurança de Taiwan, afirma que, embora seja “irrealista” pensar que Taiwan poderá fornecer uma cobertura total da Internet com apenas alguns satélites locais, o projeto espacial é valioso a longo prazo.

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“O desenvolvimento de Taiwan nesta área é muito significativo, porque nos permite entrar na indústria espacial e proporciona uma maior flexibilidade aos nossos militares para acederem a sistemas de comunicação no desenvolvimento de armas no futuro”, disse.

E antes de Taiwan atingir essa capacidade, a ilha pode ainda fornecer conetividade de reserva num futuro previsível através de uma parceria com a OneWeb, um sistema de comunicações por satélite com sede em Londres, e outros sistemas de satélites marítimos, acrescentou.

A cidade chinesa de Xiamen fica a apenas 3 km das ilhas Kinmen, em Taiwan. Sam Yeh/AFP/Getty Images
Reforçar a resiliência

Garantir que os sistemas de comunicação de Taiwan permaneçam funcionais em tempos extraordinários tem sido uma prioridade crescente para os principais líderes da ilha nos últimos anos. Além de encarregar a agência espacial do projeto de satélite, o governo de Taiwan criou um ministério dos assuntos digitais em 2022 para aumentar a resiliência das comunicações. Esse ministério tem vindo a estabelecer parcerias com fornecedores de serviços de satélite estrangeiros e a instalar novos equipamentos terminais em locais remotos de Taiwan para fornecer conetividade.

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Até ao final de 2024, serão criados 700 pontos de acesso em toda a ilha para permitir comunicações via satélite em situações de emergência, anunciaram as autoridades em março. A iniciativa revelou-se útil durante um terramoto de magnitude 7,4 que atingiu o leste de Taiwan no início de abril.

Embora os sistemas de comunicação tradicionais tenham sido interrompidos perto do epicentro, as autoridades utilizaram com sucesso o OneWeb para fornecer acesso de emergência à Internet às equipas de salvamento e ao pessoal retido.

No futuro, o sistema de satélites de Taiwan poderá substituir os acordos com terceiros, mas Wu, o diretor da agência espacial, recusou-se a fornecer detalhes mais específicos sobre o calendário do projeto. De acordo com pessoas familiarizadas com o assunto, a nova administração deverá divulgar um plano atualizado e um calendário dos seus programas espaciais, incluindo o seu projeto de satélite de comunicações, depois de o presidente eleito de Taiwan, Lai Ching-te, tomar posse a 20 de maio.

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Um modelo de foguetão em desenvolvimento na Agência Espacial de Taiwan, a 5 de março de 2024, em Hsinchu, Taiwan. John Mees/CNN
Grandes ambições no espaço

As ambições espaciais de Taiwan vão para além do desenvolvimento de satélites de comunicação autóctones.

Wu disse que um dos principais objetivos tem sido criar uma nova indústria em Taiwan que possa captar as oportunidades crescentes em projectos espaciais a nível internacional. No ano passado, o Presidente Tsai Ing-wen anunciou um investimento de 25,1 mil milhões de dólares taiwaneses (790 milhões de dólares) nos programas espaciais da ilha na próxima década, com o intuito de ajudar as empresas de várias indústrias - incluindo a conceção de chips e maquinaria de precisão - a entrar na indústria espacial.

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Apesar da sua dimensão relativamente pequena, Wu acredita que Taiwan é um local desejável para desenvolver projetos espaciais devido ao seu papel indiscutível como líder em chips de semicondutores avançados - que são necessários para alimentar tudo, desde computadores a inteligência artificial.

Uma empresa taiwanesa em particular, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), produz cerca de 90% dos semicondutores super-avançados do mundo e fornece gigantes tecnológicos mundiais como a Apple e a Nvidia.

Para além dos semicondutores, Wu acredita que os avanços de Taiwan nas tecnologias da informação e na maquinaria de precisão também proporcionam vantagens para o desenvolvimento da sua indústria espacial.

“Os satélites são sistemas muito complicados”, afirmou. “Num satélite, há 20.000 a 30.000 componentes. Depois de o enviarmos para o espaço, não há forma de o podermos chamar de volta e repará-lo, por isso é muito difícil e muito caro.”

Para acelerar o seu desenvolvimento, a agência espacial de Taiwan também tem estado a trabalhar no desenvolvimento de um sistema de foguetões que possa lançar satélites para o espaço. Taiwan tem dependido de fornecedores estrangeiros para enviar os seus satélites para o espaço, como o Triton, um satélite meteorológico local lançado no ano passado da Guiana Francesa, na América do Sul.

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“Estamos a trabalhar num veículo de lançamento e tencionamos lançar foguetões para a nossa órbita terrestre baixa a partir de 2030”, disse Wu, referindo-se a órbitas de satélites com uma altitude inferior a 1.000 km acima da Terra. Quando Taiwan possuir essa tecnologia, poderá efetuar voos de teste com maior frequência.

“Temos uma base sólida e, neste momento, penso que estamos prontos para enfrentar a aventura de forma mais agressiva”, acrescentou.

Will Ripley e John Mees, da CNN, contribuíram para esta reportagem

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