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Semana de quatro dias: "É preciso ver se, fora dos holofotes, os tempos de trabalho são respeitados"

Os resultados do projeto-piloto da semana de trabalho de quatro dias foram conhecidos esta segunda-feira. O modelo foi aplicado a 40 empresas e, para os responsáveis do projeto, ficou claro que “pode ser aplicado em todos os setores”

A implementação da semana de trabalho de quatro dias “não está associada” a um desempenho financeiro negativo das empresas e também não significa que os trabalhadores tenham de fazer mais horas extraordinárias para compensar a redução dos dias trabalhados. É pelo menos isso que indicam os resultados constantes do relatório final do projeto-piloto que envolveu um total de 40 empresas portuguesas (21 das quais começaram a implementar o novo horário no projeto-piloto propriamente dito e as restantes já o faziam de forma autónoma).

“Em média, durante a semana, antes [do projeto-piloto] trabalhavam 41 horas. No contrato está 40, mas havia muitos trabalhadores que trabalhavam 46 ou mesmo 50 horas. Em média, desceu para 36”, assegura Pedro Maia Gomes, professor de economia na Universidade de Londres e um dos responsáveis do projeto-piloto, em declarações à CNN Portugal.  

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“Houve muitas empresas que, para evitar o aumento da carga diária, fizeram uma quinzena de nove dias (alternaram uma semana de quatro dias com uma semana de cinco dias), e desceram a média para as 36 semanais, mas sem aumentar a carga de trabalho. Os trabalhadores tiveram menos dias livres. Tiveram um dia livre a cada duas semanas. Um modelo que está a ser usado na Lamborghini, em Itália, precisamente para evitar a carga horária de 9 horas”, exemplificou o economista.

A advogada Rita Garcia Pereira, especialista em direito laboral, espera realmente que assim seja e que, para trabalharem menos um dia por semana, os colaboradores das empresas não tenham de fazer trabalho extraordinário não declarado. “A semana dos quatro dias penso que será bem-vinda por todos os trabalhadores, assim ela seja fazível e sejam efetivamente quatro e não cinco dias englobados em apenas quatro dias de trabalho”, sublinha a jurista.

“Estas 40 empresas foram acompanhadas pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional. Obviamente que não se iriam cometer abusos, porque se sabia que estavam a ser observadas. (…) É preciso ver se fora deste estudo, fora dos holofotes, fora do controlo das entidades governamentais, os tempos de trabalho são efetivamente respeitados. Aí, eu já tenho algumas dúvidas, porque mesmo com a semana dos cinco dias, muitas vezes não o são, presumo que com a semana dos quatro dias seja ainda pior”, acrescentou.

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"Muito trabalho", "muito esforço", "processo difícil"

Pedro Maia Gomes ressalva que é um estudo que envolve apenas algumas dezenas de empresas e é necessário “ter muita cautela com a extrapolação dos resultados”, mas fala em “caminho promissor”.

“Se não tivesse funcionado com estas, dificilmente poderíamos dizer que iria funcionar com outras empresas. Com tanto ceticismo…”, diz.

À CNN Portugal, Pedro Maia Gomes explica que foi um “processo difícil”, que envolveu “três meses de preparação e muitas mudanças organizacionais” e que “são precisamente essas mudanças na forma de trabalhar que explicam porque é que as empresas veem os benefícios”. “Com muito trabalho e muito esforço de ambos os lados, quer das empresas quer dos trabalhadores, foi possível repensar a forma como trabalhamos, que permita dar mais tempo aos trabalhadores na forma de mais dias livres, mas ao mesmo tempo mantendo a competitividade das empresas”, assegura.

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Das 21 empresas que entraram no projeto-piloto, apenas quatro recuaram e voltaram aos cinco dias de trabalho semanais. E, contrariando “a maior preocupação” dos empresários, apenas uma empresa teve de contratar um trabalhador extra. “E foi uma creche, que é um exemplo muito interessante, porque, como os restaurantes, é daqueles setores que dizem que é impossível implementar sem contratar 25% mais de trabalhadores. Eles tiveram de contratar, mas apenas 5%. Uma trabalhadora em 22”, sublinha Pedro Maia Gomes.

“Nestes setores, existe muito absentismo. E o absentismo cria muitos problemas às empresas e, nesta creche em particular, eles já tinham de ter mais trabalhadoras, porque sabem que ocasionalmente há trabalhadores que não vêm, porque ficam doentes (há muitas doenças nas creches)”, especifica.

Rita Garcia Pereira lembra que grande parte do trabalho a ser feito para implementar a semana dos quatro dias tem de estar do lado das empresas e que “as empresas que melhor se adaptaram foram aquelas que melhor conseguiram fazer alterações ao seu próprio meio de organização interna, designadamente diminuição das reuniões, da duração das mesmas”.  

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“Não basta diminuir o tempo de trabalho, parece que terá também de se diminuir alguns tempos ditos mortos das organizações e alguma metodologia de trabalho”, sublinha a advogada.

"1% da realidade empresarial portuguesa"

Jorge Pisco, presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), não esconde o ceticismo em relação aos resultados. O responsável considera que estamos perante “um estudo muito restrito”. “Abrangeu apenas 40 empresas e o universo das empresas portuguesas é um número completamente diferente. E, se tivermos em conta as micro, pequenas e médias empresas, que são 98,9% do tecido empresarial português - um milhão e 200 mil empresas -, estamos a falar de uma diferença abissal”, critica.

Em declarações à CNN Portugal, o responsável da CPPME, sublinha que o projeto “não se coaduna com aquilo que é a realidade do tecido empresarial português” e dá como exemplos setores como a hotelaria ou a estética, onde será difícil implementar a medida.

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“É preciso um estudo muito mais aprofundado e ter em conta a realidade do nosso tecido empresarial”, repete, sublinhando que o estudo tem em conta “apenas 1% da realidade empresarial portuguesa”.

Ainda assim, de acordo com o relatório, “a semana de quatro dias, por mais radical que possa parecer, é uma prática de gestão legítima que pode resolver problemas reais das empresas portuguesas” e que pode contribuir para o bem-estar e para a saúde mental dos trabalhadores. “As empresas observam grandes benefícios operacionais, como um melhor ambiente de trabalho, menos stress entre os trabalhadores, redução do absentismo e melhorias na atratividade do mercado de trabalho, com custos financeiros de implementação relativamente baixos na maioria dos setores”, pode ler-se no relatório.

Mulheres entre os mais beneficiados

A medida beneficia mais as mulheres do que os homens e são também elas quem mais valoriza esse dia livre e, para os responsáveis do projeto-piloto, a justificação é simples: “As mulheres sentem mais a pressão do tempo, beneficiam mais da semana de quatro dias em termos de saúde mental e satisfação com a vida, e como tal valorizam-na mais.” Assim, adivinham-se benefícios, à partida, mais elevados nas empresas cuja força de trabalho é maioritariamente feminina.

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De acordo com o relatório, “além das mulheres, os trabalhadores que mais valorizam a semana de quatro dias têm salários inferiores a 1100€ e qualificações abaixo do nível da licenciatura”, apontam os responsáveis pelo estudo que isso acontece porque “estes trabalhadores, em geral, têm menos flexibilidade do que aqueles com formação académica superior que têm acesso ao teletrabalho e maior autonomia na gestão das suas horas. Por isso, apreciam mais o dia livre, que lhes permite realizar várias atividades que anteriormente eram mais difíceis de conciliar”.

Uma preocupação manifestada por sindicatos e empresas é a possibilidade de os trabalhadores utilizarem o tempo livre para acumular com um trabalho temporário ou com um segundo emprego. Se isso acontecer, o objetivo de reduzir o cansaço e esgotamento dos trabalhadores e melhorar a sua saúde mental não seriam atingido. O relatório indica que, “antes do projeto-piloto, 15,5% dos trabalhadores já dedicava horas do seu tempo livre a uma segunda fonte de rendimento”. Uma percentagem que aumentou para os 17%, “o que representa um aumento marginal”.

Os autores do relatório deixam, contudo um alerta: “O facto de a semana de quatro dias exigir uma reorganização da forma de trabalhar significa também que, à partida, este processo não está ao alcance de todas as empresas. Para ser implementada, requer uma cultura empresarial coesa, espírito de inovação e relações laborais sólidas onde exista um nível elevado de confiança mútua.”

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