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É por isto que não há problema em desistir das coisas

Está a forçar-se a continuar a aprender uma língua? À espera de respostas depois do término repentino de uma relação? Continua uma amizade que, na maior parte das vezes, o deixa esgotado?

Pode ser bom - saudável, até - desistir de coisas como estas, diz Adam Phillips, autor de "On Giving Up". O novo livro é um olhar introspetivo sobre a psicologia do desapego e tem como objetivo dar aos leitores uma visão das suas próprias vidas durante o processo.

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Phillips é um psicanalista - alguém que ajuda as pessoas a compreenderem-se a si próprias e a fazerem melhores escolhas na vida, de acordo com a Associação Americana de Psicologia. Para Phillips, isto significa deixar as pessoas falarem livremente sobre as coisas que as estão a perturbar.

Muitas pessoas já falaram com Phillips sobre desistir de coisas. Há uma dualidade nessa ideia, diz ele.

Na maior parte das vezes, parte-se do princípio de que, ao abdicar de algo, as pessoas receberão algo melhor em troca - por exemplo, deixar de fumar em troca de ser mais saudável. Ou, algo que não conseguem mudar e, por isso, desistem de tentar - como quando alguém fuma tanto que isso se torna parte da sua identidade.

Trata-se de um fenómeno psicológico, mas também profundamente influenciado por normas culturais.

"Tendemos a valorizar, e até a idealizar, a ideia de fazer as coisas até ao fim, de as terminar em vez de as abandonar", diz Phillips no livro. "A desistência tem de ser justificada de uma forma que a conclusão não tem... (é) normalmente vista como um fracasso e não como uma forma de ter sucesso noutra coisa."

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Digamos, por exemplo, que tem estado a tentar aprender a tocar guitarra. Por qualquer razão, não tem conseguido empenhar-se nisso - mas em vez de desistir, continua a esforçar-se ou a dizer a si próprio que ainda tenciona aprender.

Neste caso, será que quer mesmo aprender a tocar guitarra? Ou será que tem outras coisas mais importantes em que preferia concentrar o seu tempo e energia? De qualquer forma, desistir pode ser a melhor opção. Na verdade, pode ser visto como um investimento para ter sucesso noutra coisa, em vez de significar que está a desistir da guitarra.

A capa de "On Giving Up", livro de Adam Phillips (Editora Macmillan)

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De onde surgiu a ideia para o livro?

Adam Phillips: Quando as pessoas desistem de coisas - chocolate ou álcool - o pressuposto é obviamente que se pode mudar, que se é capaz de mudar. Quando as pessoas desistem, acreditam que não podem mudar.

Por isso, interessou-me a ideia, uma vez que muitas pessoas falam muito em desistir de coisas, nesta espécie de troca ou acordo. Se eu desistir de algo, o pressuposto é que receberei algo melhor em troca. Parece-me que, como todas as trocas, é um pouco imprevisível.

Também por causa do poder - pelo menos nalgumas culturas - da ideia de sacrifício, que é uma versão disto, de que algo tem de ser sacrificado para obter algo melhor e parece que isso envolve muitas vezes bastante crueldade.

Quais são os exemplos de crueldade que já viu em relação a este assunto?

Se sou alcoólico, o álcool é a minha auto-cura. Se eu deixar de beber, a questão é: o que é que o álcool estava a medicar em mim? É provável que tenha de deixar de beber, mas, para deixar de beber, a consequência é descobrir, possivelmente, o que é que o álcool fazia originalmente, para que é que era a solução ou a auto-cura. Isso é difícil.

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No livro, refere que o ódio, os preconceitos e os "bodes expiatórios" têm tanto poder sobre as pessoas - que pode ser difícil abandonar estas coisas - porquê?

Estamos cheios de sentimentos da qual temos muito medo, um dos quais é o ódio. Por isso, o que tendemos a fazer é colocar o nosso ódio noutras pessoas e depois tentamos livrar-nos delas. O "bode expiatório" está lá para carregar ou conter todas as partes de nós próprios que mais nos assustam ou perturbam.

Num mundo melhor, por assim dizer, seríamos mais capazes de conter todos os nossos sentimentos e, por isso, não precisaríamos de "bodes expiatórios" - porque as outras pessoas estariam a ser punidas por aquilo que, na verdade, são os nossos prazeres proibidos.

Tem algum conselho para as pessoas que estão a tentar desistir de alguma coisa ou a tentar fazer uma grande mudança na sua vida?

Recuar um pouco. Quando penso: "O que é que eu quero? Quero um cigarro ou uma bebida", nesse momento organizo todos os meus desejos e localizo-os.

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Deixar de fumar é o primeiro passo. A segunda fase, quando se deixa de fumar com sucesso, é saber o que se vai sentir nessa altura e se se consegue suportar a fase inicial de privação e ansiedade. Assim, quando deixar de fumar, vai estar de novo sujeito a muita ansiedade, provavelmente, e a muito sofrimento - não para sempre, mas temporariamente. Tem de ser capaz de o suportar e precisará de algum apoio de outras pessoas.

Muitas pessoas começam um passatempo, mas depois apercebem-se que não o querem fazer ou que não têm tempo para o fazer. Mas sentem que dedicaram tanto tempo ou esforço a esse passatempo que não querem desistir dele.

O que pretendo com este livro é defender a liberdade de desistir. Fomos educados para acreditar que a persistência e a determinação são coisas boas. Bem, é claro que são coisas boas. Se quisermos aprender a tocar piano, não podemos simplesmente desistir quando é difícil. Mas, por outro lado, será que queres mesmo aprender a tocar piano?

Os heróis trágicos nas peças de teatro são pessoas que nunca desistem e que, ao não desistirem, criam o caos.

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Da mesma forma, pode ser bom desistir de relações ou interesses quando se percebe que já não estão vivos para si. Mas as pessoas acham isso extremamente difícil, porque não é suposto desistirmos. No livro, digo que os heróis trágicos das peças de teatro são pessoas que nunca desistem e que, ao não desistirem, criam o caos.

Há alguns exemplos de coisas que as pessoas deveriam sentir-se bem em desistir e coisas de que não deveriam desistir?

As pessoas devem desistir de uma relação quando esta as deprime ou aborrece - ou as faz sentir impotentes ou pior do que elas próprias. Estar numa relação deve ser porque ela faz sobressair o que há de melhor em nós e porque gostamos dela.

Se as pessoas querem ser atletas, músicos, dançarinos, escritores, o que quer que seja, têm de persistir. Há que ultrapassar as resistências. Uma coisa bonita que a psicanálise acrescenta à conversa é que todos resistimos as coisas, ou porque não as queremos ou porque as queremos mesmo.

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Há que experimentar. Provavelmente, o risco será sempre desistir demasiado cedo, demasiado depressa - mas o outro risco é demorar demasiado tempo a desistir.

Toda a gente tem uma ideia diferente do que é a vida que quer ou do que é uma vida boa. Se houvesse um critério, ou um teste, seria: O quão vivo algo ou alguém nos faz sentir - se na sua companhia nos sentimos genuinamente animados. Quase como se a outra pessoa trouxesse ao de cima o melhor de nós. Isso não pode acontecer sempre, mas pode acontecer com mais frequência.

Porque é que temos esta noção de que desistir é uma coisa má?

É essa a questão que o livro está a tentar abordar. E é uma pergunta muito boa. E eu não sei a resposta.

Em culturas onde somos encorajados a trabalhar, a ser leais, a ser consistentes e a ser fiáveis - se estes são os nossos valores, então não desistir é o objetivo.

Assim, torna-se uma questão de saber em que tipo de mundo queremos viver ou qual é a nossa ideia de uma vida boa - e pode ser uma em que nunca desistimos.

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Mas parece-me que há muitos exemplos de pessoas que nunca desistem e que fazem coisas terríveis, porque não podem pensar duas vezes. Não podem rever as coisas. Não podem reconsiderar o que estão a fazer. Por isso, efetivamente, são uma espécie de megalómanos.

O que é que espera que os leitores retirem do livro?

Quero que as pessoas façam dele o que quiserem e que se sintam livres para o interpretar à sua maneira. Não pretende ser propaganda, nem uma tentativa de persuadir ninguém a nada.

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