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“Há um excesso de zelo” da atual administração da Anacom

Sandra Maximiano foi escolhida para ser a próxima presidente da Anacom. A professora do ISEG traça uma visão diferente para a regulação do setor: "Independência não significa fechar ao diálogo."

Depois de meses de especulação, João Galamba confirmou a 25 de outubro que Sandra Maximiano foi a escolhida para ser a próxima presidente da Anacom. Duas semanas depois, o Governo colapsou e o então ministro das Infraestruturas, não resistindo à pressão, saiu de cena mais cedo. Mesmo assim, a professora do ISEG mantém-se na calha para substituir João Cadete de Matos na liderança do regulador das comunicações.

Já com aprovação da CReSAP, que avalia os candidatos a altos cargos públicos, a economista aguarda agora o parecer da comissão de economia da Assembleia da República, onde foi ouvida na quinta-feira passada. Foi à saída da audição que o ECO a abordou, tendo aceitado falar publicamente sobre algumas das linhas gerais que pensa para o seu mandato, naquela que é a primeira entrevista desde que o comentador Luís Marques Mendes revelou a sua nomeação para a Anacom em prime-time televisivo num domingo à noite.

As declarações de Sandra Maximiano vão ao encontro dos pedidos das operadoras e do próprio ex-ministro, que queriam um regulador mais aberto ao diálogo: “O conceito de independência não significa fechar ao diálogo”, esclarece nesta entrevista, minutos depois de ter prometido ao setor uma regulação “estável e previsível”. Considera que houve “excesso de zelo” no mandato da atual administração da Anacom — não duvida das boas intenções, mas remata que delas “o inferno está cheio”. Sobre a possibilidade de reduzir as fidelizações nas telecomunicações, prefere, para já, conhecer com mais exatidão os impactos do problema.

Sandra Maximiano termina a opinar sobre a controversa decisão do Estado de expulsar empresas como a chinesa Huawei de fornecerem as operadoras na tecnologia 5G, admitindo que estas estarão “no seu direito” de pedir indemnizações. “Sejam que fornecedores sejam, o que eu acho que é importante é que se garanta da parte desses fornecedores a segurança”, defende. Por causa da crise política, não é garantido que a professora acabe a liderar o regulador das comunicações.

Como eu sou totalmente livre e tenho a minha atividade, o que acontecer, acontece. Não estou dependente desta nomeação.

Sandra Maximiano

Nomeada para presidente da Anacom

Qual é a reação a esta audição, daquilo que lhe foi perguntado e do que respondeu?

Basicamente, expectável. Não houve aqui nenhuma surpresa no que concerne à audição. A surpresa continua em todas as condições que existem atualmente, no sentido em que não sabemos se vai acontecer, se não vai acontecer.

E mesmo com a atual situação política, está confiante de que no final vai chegar à presidência da Anacom?

Não sei. Não estaria aqui hoje, também, se não tivesse alguma expectativa nesse sentido. Mas estou aqui para cumprir a minha missão e como eu sou totalmente livre e tenho a minha atividade, o que acontecer, acontece. Não estou dependente desta nomeação.

Falando agora sobre a organização, acho que era importante para a organização resolver esta questão: ter um conselho de administração que — e acho que isto é que é importante referir –, mesmo com a minha nomeação, vai ficar a faltar um membro. Portanto, temos um conselho de administração com quatro pessoas que vai funcionar assim durante algum tempo, porque não me parece que haja tempo para mais audições ou nomeações, e isso cria-me alguma… não diria insegurança, cria-me algum receio. Sobretudo, como referi aqui na audição, era muito importante colmatar a área jurídica que está em falha no conselho de administração. Mas, de resto, tenho expectativas de que isto corra bem. Era importante para a organização proceder a esta mudança.

Falou em diálogo, falou na regulação “estável e previsível”…

A estabilidade regulatória é muito importante. E se estou aqui hoje é porque queria dar um sinal de que a estabilidade regulatória tem de ser completamente independente de qualquer ciclo político.

Mas não acha que essa declaração possa ser entendida como uma Anacom que vai ser mais amiga das operadoras?

Não, é assim. Eu fiz parte integrante de vários júris, nomeadamente de prémios dados pelos media, por jornais, em diferentes áreas, que implicam visitar, conhecer, falar com as empresas. Isso depois não significa que uma pessoa não tenha que fazer o seu papel mais imparcial de avaliador. O conceito de independência não significa fechar ao diálogo. Nós temos é que estar muito conscientes, e foi aqui referido na audição que o setor tem uma função-objetivo diferente da entidade reguladora e do Governo, que é maximizar o lucro. A entidade reguladora não é parte para contribuir para essa função-objetivo das empresas.

Ou seja, a minha preocupação não é a maximização do lucro das empresas. Isto tem de ser interpretado com calma, só é no sentido em que eu não quero que haja, imaginemos, um setor em que todas as empresas entram em bancarrota. Assim não há mercado. Quando eu falei de um conceito de eficiência e dinâmica, é um conceito em que privilegia a capacidade de investimento das empresas e de sobrevivência… mais do que sobrevivência, porque se só sobreviverem, não investem. Portanto, é muito importante que o setor inove, que o setor esteja financeiramente viável, para obviamente existir e dar melhores produtos e serviços aos consumidores.

No setor postal, falou-se aqui na questão dos indicadores de qualidade. Um dos grandes problemas do setor postal tem a ver com o facto de hoje em dia não ser financeiramente tão viável quanto era há uns anos. É óbvio que, na estratégia que as empresas fazem para tentar colmatar essa viabilidade, pode haver alguma retenção de correspondência. A correspondência chega mais tarde porque, quero dizer, o carteiro vai distribuir uma única carta numa cidade inteira? Não o vai fazer. Antigamente esse problema não se colocava. Hoje em dia, se temos aqui um indicador de qualidade que piorou, piorou também muito por esse esvaziamento do setor postal para o digital. Aqui não podemos desassociar a viabilidade financeira das empresas da qualidade do serviço.

Pode ficar a impressão de que, na sua opinião, a atual administração não fez um bom trabalho nesse aspeto.

Não é uma questão de que não fez um bom trabalho. Há um excesso de zelo.

Excesso de zelo. Da atual administração?

Eu acho que há um excesso de zelo no sentido de percecionar exatamente a independência como uma barreira a um diálogo e perceber, conhecer os problemas.

Foi demasiado hostil?

A hostilidade é uma consequência de uma postura. A hostilidade vai por consequência. Costuma dizer-se: de boas intenções, o inferno está cheio. Assim todos percebemos. São boas intenções, só que muitas das vezes, nas boas intenções… Eu não estou a dizer que seja, eticamente, uma estratégia errada… É a postura de “o regulador é a defesa dos consumidores, ponto final, e, como defesa dos consumidores, eu tenho de defender ao máximo o que eu acho que é a melhor postura que tenha de ter”. Depois, a consequência dessa postura levou a uma hostilidade, porque não foi bem recebida.

E a professora irá romper com essa postura?

Claro que sim! Primeiro, porque não é o meu estilo, portanto, seria muito difícil fazer o contrário. E, por outro lado, sou muito académica. Estou sempre a ver o trade off em tudo. Vou dar aqui uma analogia: quanto mais hostis são os pais – e nós sabemos isso – para os adolescentes, mais eles vão ter comportamentos extremados. Nós queremos aqui arranjar um equilíbrio. Não significa que eu enquanto pai vou ter de concordar com o meu filho chegar a casa às quatro da manhã todos os dias.

Queria dar um sinal de que a estabilidade regulatória tem de ser completamente independente de qualquer ciclo político.

Sandra Maximiano

Nomeada para presidente da Anacom

“Mais até do que as fidelizações, o grande problema são as refidelizações” Falou da questão comportamental nas fidelizações: disse que podemos até baixar a fidelização máxima, mas não significa que as pessoas vão mudar de operadora. Pode desenvolver? Qual seria a ideia? Sendo que a Lei das Comunicações Eletrónicas foi alterada este ano, não há grande margem…

Não há grande margem… Eu acho que é preciso perceber. Antes de mais, há falta de alguns estudos técnico-científicos que nos deem realmente qual é a realidade portuguesa face a comportamentos, por exemplo, de inércia. Eu queria saber qual é o volume de inércia em Portugal. Sabendo qual é o volume de inércia, eu posso, primeiro, atuar nesse volume de inércia, depois dizer “baixar o período de fidelização vai ter impacto”. Portanto, eu, se conseguir atuar um pouco ao nível da inércia dos consumidores, ao mesmo tempo baixando o período de fidelização, então vou ter um grande impacto.

Ou seja, maximizar o impacto de uma eventual descida.

Maximizar o impacto de uma eventual descida do período de fidelização.

Está na sua agenda ir por aí?

Futuramente, é possível. Sim. Nessa interação [com as operadoras]. Há aqui outra questão. Mais até do que as fidelizações, o grande problema são as refidelizações. Acho que as pessoas entendem muito bem que é preciso cobrir os custos de captação do cliente, e as pessoas estão muito habituadas a este sistema de fidelização em muitos outros setores. Tenho um alarme da Securitas e também tem período de fidelização…

… os ginásios…

… os ginásios. Portanto, as pessoas são muito conscientes da tal subscrição, da subscrição anual, a tal que é mais barata… Isso as pessoas compreendem. O problema aqui com as refidelizações é que depois depende da capacidade de negociação de cada um e eu não tenho dúvida alguma que há grandes discrepâncias, que há desigualdades. Não sei se tem avós ou não, mas possivelmente têm uma capacidade de negociação muito inferior à sua e isso não é conhecido. Os períodos de refidelização criam desigualdade de tratamento dos consumidores que ninguém sabe qual é, porque não há qualquer estudo de preços.

Abordou também a questão das reclamações e da ideia de criar um regulamento das reclamações, para reduzir o número.

Sim, o que eu falei do regulamento das reclamações era ter alguém das empresas [dedicado ao tema], uma pessoa intermédia… porque o problema, quando há estes diálogos com os operadores, [é que] vem um jurista da empresa. É muito difícil também quebrar essa relação. E trabalhar na prática. Porque, para as empresas, também não interessa a quantidade de reclamações, e também estão interessadas em as resolver na sua origem. Não interessa para as empresas que as reclamações cheguem ao livro de reclamações.

E há outra coisa que a Anacom desconhece. A Anacom desconhece o volume total real de reclamações, porque as únicas reclamações que a Anacom conhece são as que chegam ao livro de reclamações ou diretamente à Anacom. O regulamento das reclamações permitiria também à Anacom ter acesso a todas as reclamações que são feitas às empresas, mas não são passadas ao regulador.

Sandra Maximiano, personalidade indigitada para o cargo de presidente do Conselho de Administração da Anacom, durante a audição na comissão de economia a 30 de novembro (Miguel A. Lopes/Lusa)
“Sejam que fornecedores sejam, o importante é que se garanta da parte desses fornecedores a segurança”
Houve uma questão que não foi colocada aqui, mas é um dos temas relevantes do setor. Estará a par da decisão que foi tomada pela Comissão de Avaliação de Segurança de excluir os fornecedores de alto risco do 5G, que tem de ser implementada e fiscalizada pela Anacom nos termos da Lei das Comunicações Eletrónicas. Qual é a sua posição relativamente à decisão de proibir os fornecedores de alto risco nas redes de quinta geração?

É uma questão em que cada um de nós pode ter a sua opinião pessoal, mas é daquelas questões que a Anacom tem de definir essa agenda também com o Governo e com as entidades internacionais. Ou seja, é algo que nos trespassa um pouco. Nós sabemos qual é a posição da Comissão Europeia, quando são diretivas de fora…

Mas é uma decisão que tem sido interpretada como mais além do que está a ser feito na União Europeia.

Como sempre…

Como sempre? Não sei, diga-me.

Não… vamos pensar por exemplo na reconversão energética, ou em outras áreas.

Portugal neste momento já tomou esta decisão, e é uma decisão que está efetiva e que já está a ser trabalhada com os operadores. Qual seria a visão da futura Anacom relativamente a este tema?

Eu acho que, sinceramente, temos de trabalhar sempre em cooperação com outras autoridades e outros organismos que supervisionam e que nos fazem essas determinadas recomendações, as questões da cibersegurança… Por exemplo, a rede 5G impõe problemas de segurança, de cibersegurança, maiores do que o 4G. Tem mais pontos de contacto. Nomeadamente, o 5G stand-alone [a próxima evolução da rede 5G] ainda piora, acrescem os riscos. E é exatamente nesse equilíbrio que nós temos de funcionar. Sejam que fornecedores sejam, o que eu acho que é importante é que se garanta da parte desses fornecedores a segurança — portanto, certificações. Eu não acho que uma restrição de acesso é boa para a concorrência, mas acho que tem de dar essas garantias de uma total segurança.

A decisão está tomada, a Anacom terá de a implementar. E as operadoras, na sua opinião, terão de ser compensadas por essa decisão?

[pausa]

Eu acho que é uma decisão que trespassa um pouco a Anacom, porque não foi uma decisão que veio da Anacom, a Anacom é que a implementa. É decidir talvez mesmo com o próximo Governo, porque acredito que é uma ação que os operadores, no seu direito, vão impor.

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