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Adotar uma criança ou um animal não é sempre um ato de amor? Defensores dos animais respondem ao Papa

Ter um cão ou um gato (ou qualquer outro bicho) não substitui um filho, dizem os defensores da causa animal. Quanto muito, ensina outra forma de amor – esse que é o mandamento máximo da Igreja Católica.

O apelo aos casais para que tenham mais filhos ou adotem foi o tema forte da mensagem do Papa Francisco na primeira audiência geral do Ano Novo. Mas houve, no meio do discurso, uma frase que havia de correr mundo.

“Tantos e tantos casais que não têm filhos porque não querem. Ou só querem um e mais nenhum. Mas têm dois cães, dois gatos… Cães e gatos ocupam o lugar dos filhos. Sim, compreendo que dá vontade de rir, mas é a verdade. Renegar a maternidade e a paternidade diminui-nos, tira-nos a humanidade”, afirmou.

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Em Portugal, as associações que defendem os direitos dos animais, vêem como infelizes as palavras do líder máximo da Igreja Católica, por comparar elementos que são totalmente distintos. E insistem que, se o desejo for o aumento da natalidade, é preciso encarar o problema a montante: criando condições estáveis para que as familias tenham filhos.

Não é substituir: só há filhos com mais condições

Inês de Sousa Real fala pelo PAN, o partido que se afirmou em Portugal também pela defesa do bem-estar animal:

“Em qualquer uma das situações, adotar uma criança ou um animal, deveríamos estar a falar de um acto de amor. É lamentável ouvir o Papa criticar um ato de amor”, resume.

A porta-voz do PAN lembra que há famílias com “processos dolorosos” para tentar engravidar ou mesmo adotar, que “mereciam o respeito” do Santo Padre. Já sobre aquelas que optam por não ter filhos, avisa que o discurso de todo e qualquer líder devia estar no combate à precariedade e na preparação de condições que permitam estabilidade e constituir família. “Não se prende com a escolha de substituir crianças por animais”, insiste.

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Quando há milhares de crianças em campos de refugiados, a líder do PAN gostaria de ter visto o Papa Francisco “a chamar a atenção [das organizações internacionais] para o acolhimento destas crianças, que estão a viver em condições indignas”.

Partido de Inês Sousa Real tem bem-estar animal como bandeira (Foto: Lusa)
A importância da companhia

Foi com “choque” que Maria do Céu Sampaio recebeu as palavras do Papa Francisco. Promete agora escrever-lhe uma dura carta. A presidente da Liga Portuguesa dos Direitos do Animal concorda que é necessário “dar condições às pessoas para que possam ter filhos” mas que isso jamais deve ser confundido com a relação que é possível construir com os animais de estimação. “É uma ofensa para todas as pessoas que têm animais e um incentivo ao abandono”, diz.

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Maria do Céu Sampaio dá o próprio exemplo: vive sozinha e teve, durante 18 anos, um cão como companhia. “Foi o meu sentido de equilíbrio. Ele morreu há meses, tive um desgosto como se fosse um filho”. Apesar deste amor, na hora de encarar as declarações do líder da Igreja Católica, esta ativista insiste que “uma coisa não tem a ver com a outra”.

Inês de Sousa Real argumenta mesmo que, cada vez mais, os animais têm um papel determinante nos lares portugueses, em especial em situações de solidao de idosos, de violência doméstico ou mesmo no apoio a crianças com necessidades educativas especiais.

Os exemplos bíblicos (que a Igreja esqueceu?)

Na primeira resposta de Inês de Sousa Real e de Maria do Céu Sampaio ao contacto da CNN Portugal, houve uma referência bíblica a vir logo ao de cima: São Francisco de Assis, o padroeiro dos animais.

“O papa esqueceu-se de S. Francisco de Assis, que nos recordava o valor dado aos animais, que também são criaturas de deus”, defende a líder do PAN.

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A colega de causa havia de recordar um outro episódio, fundador para a própria religião.

“A Igreja esqueceu-se que o menino Jesus sobreviveu ali quentinho, com o bafo da vaca e do boi, quando estava no palheiro?”, questiona.

Mas há ainda um outro exemplo que viria à baila nas conversas, para obrigar a Igreja a olhar para as suas próprias histórias: a arca de Noé.

Abandono tem sido uma realidade crescente após a pandemia (Foto: Lusa)
O abandono no horizonte

Rodrigo Livreiro, presidente da Associação Animalife, lembra que o Papa não é uma figura cujas palavras passem ao lado dos crentes – que as poderão pesar na hora de adotar um animal. “Qualquer que seja a mensagem do Papa, ela terá sempre impacto”, reage.

"Ter um animal de companhia é um direito de qualquer pessoa. As pessoas que adotam um animal não devem ser criticadas, de que isso possa ser o substituto de uma criança", sintetiza.

Enquanto representante de uma associação de apoio social e ambiental, que tem no combate ao abandono animal uma das suas causas, insiste que a preocupação de quem decide – inclusive o Papa – deveria passar por dar condições às famílias também para “segurarem os animais que têm”, em especial num contexto de dificuldades acentuadas pela pandemia, onde o abandono tem aumentado. Há, diz, famílias que entregam os animais contra a sua vontade, porque não têm outra alternativa.

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