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“Os meus dez minutos no espaço”, por Mário Ferreira

Mário Ferreira (acionista da Media Capital, proprietária da CNN Portugal e da TVI) tornou-se esta semana o primeiro português a chegar ao espaço, num voo suborbital a bordo da cápsula New Shepard. Respondendo a uma proposta da CNN Portugal, o empresário escreve sobre a sua experiência. Em cima, uma fotografia da Terra, tirada por Mário Ferreira.

Esta viagem ao espaço pode ter parecido curta para muitos que a viram pela TV, mas para mim foram os minutos mais intensos que vivi em toda a minha vida.

Cada minuto, para não dizer cada segundo, contou e foi diferente.

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Tudo começou na noite anterior. Foi já muito difícil dormir, com tanta emoção e pensamentos à mistura. Mas, para mim, o momento zero do início da viagem foi quando a última pessoa nos desejou “boa sorte, bom voo” e fechou a porta da cápsula. A partir daquele momento estamos só nós, os seis astronautas e a máquina, tudo calado, só se ouviam as ventoinhas da renovação do ar…

Um momento espiritual.

Sentimos “agora é que vai ser, vamos mesmo partir”. Tivemos 40 minutos para refletir, e além de uma ou outra piada, estávamos quase todos a aproveitar o momento, sabendo que estávamos sentados num rocket carregado de combustível, hidrogénio e oxigénio líquidos, e que naquele momento tínhamos de ter os nossos olhos fixos no painel à nossa frente, para sabermos que teríamos de fazer um dos exercícios, que praticámos várias vezes, de fuga rápida para o bunker da torre de lançamento, se se acendesse a luz vermelha de escape imediato.

Com o aproximar dos minutos finais antes da partida, ali confortavelmente sentado, comecei a revisitar rapidamente o que fiz com a vida durante os últimos 54 anos, e a pensar naqueles que nos são mais próximos, família em primeiro lugar e amigos, amigos esses em que se encontram incluídos muitos dos nossos colaboradores.

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A três minutos da partida, obriguei-me a rever mentalmente todos os procedimentos de segurança, a preparar-me para uma das partes mais difíceis e perigosas do voo, o arranque do solo.

Preparados e surpreendentemente sem tremores, medo nem qualquer ansiedade, começou o countdown. 10. 9. 8. 7. 6. 5. 4. 3. 2. 1. Ignition e Departure

Começámos a ver dentro da cabine as labaredas laranjas, refletidas desde o solo ao teto branco da nossa cápsula, já sabíamos de antemão que isso ia acontecer e não tínhamos de ficar preocupados, não ficámos, mas não deixou de ser mesmo assim um espetáculo impressionante.

De forma surpreendente e sem grandes tremores, o foguetão começa a descolar do solo lentamente - e a ganhar velocidade, muita velocidade, olhei atentamente para o ecrã na minha frente e vi a velocidade sempre a aumentar, olhei atentamente até chegarmos aos 3.600 Km/hora, nesse momento comecei a pensar e a rever os procedimentos dos treinos e o que queria fazer quando chegássemos ao espaço, e me encontrasse em gravidade Zero. Tudo aconteceu muito rápido, o que é normal para quem sai disparado num rocket.

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Neste voo foi-me facultada a possibilidade, a meu pedido, de levar uma câmara fotográfica - sempre tive, desde criança, o hobby da fotografia.

Chegados à tão esperada gravidade Zero e já no espaço, depois de ultrapassar a linha Kármán, tudo se baralha, perdemos a noção de equilíbrio com a ausência de gravidade e a adrenalina é tal que perdemos também a noção de quão rapidamente o tempo estava a passar. Tinha combinado com o meu companheiro de viagem Clint que me avisasse quando estivéssemos a chegar ao máximo de altitude, para que eu pudesse captar o momento, e em troca eu faria uma foto dele, coisa que aconteceu e felizmente a foto dele saiu fabulosa…

De seguida, e de acordo com o meu plano, soltei então a bandeira Portuguesa que tinha no bolso e deixei-a a flutuar no espaço. Foi para mim um momento emocionante e comecei a disparar com a câmara, procurando um difícil equilíbrio entre ângulo da janela, reflexos de luz e posição do meu corpo a flutuar, porque a cápsula girava, umas vezes as fotos tinham reflexos muitos brancos causados pelo sol mas, aquando do lado oposto ao sol, as fotos ficavam magníficas, o espaço mesmo muito negro e profundo.

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De repente, como parecendo que tinha passado ainda muito pouco tempo, ouvimos uma voz na cabine, “1 minute to exit Zero G”.

Tivemos de iniciar procedimentos de regresso ao banco. Sabendo que o meu recorde de treinos tinha sido de 27 segundos, coisa que em gravidade zero não é fácil, apressei-me a procurar os cinco pontos de fixação do cinto de segurança no banco.

Terminado o tempo em gravidade zero, começa a parte que, para mim, foi a mais difícil do voo, a reentrada, foi aqui que passamos a barreira dos 5Gs - cada G é uma vez o peso do nosso corpo… Para meu azar, no momento dos 5Gs a luz do sol brilhante entrou pela minha grande janela, o que me obrigou a cerrar os olhos com muita força. Deixei de ver o painel e a informação em que estava focado. Alguns “longos” segundos depois, a cápsula rodou, a luz do sol deixou de ofuscar e as forças G começaram também a baixar para três vezes, o que já era bastante mais aceitável. 

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Passados uns minutos, ouvimos os disparos dos primeiros paraquedas, que começaram a abrandar-nos, um pouco mais de tempo depois ouvimos novos disparos, desta feita mais altos, que serviram para largar três grandes paraquedas, e a partir desse momento a velocidade de descida passou para os 300km, reduzindo de forma acelerada os Gs, já parecia que íamos a voar calmamente…

Olhei mais para a direita para melhor contemplar a vista.

Revi uma vez mais os procedimentos de segurança para aterragem e pensei nos treinos, em como agir caso tivéssemos uma aterragem complicada, coisa que felizmente não aconteceu. A aterragem foi muito suave e como esperado. Os seis novos astronautas começaram a celebrar termos aterrado em segurança, restava-nos esperar pela equipa de recuperação.

Fiquei muito feliz quando, ainda aguardando na cápsula fechada, olhei pela janela e vi a Paula a chegar com a equipa técnica de apoio. Foi uma sensação muito boa, de grande felicidade.

Vivi intensivamente cada segundo desta viagem. Foi inesquecível.  

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