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“A discriminação contra a idade é pior do que a discriminação contra o género”

Lynda Gratton, professora, investigadora e autora de livros sobre o futuro do trabalho, não tem dúvidas: as empresas escorraçam pessoas com mais 50 anos - e fazem-no com base em estereótipos infundados, quando na verdade precisam mais delas do que nunca. Ah, e se toda a gente quer flexibilidade, quase toda a gente percebeu mal o que isso significa.

A escolha da palavra é rigorosa: não se trata de desigualdade – “desigualdade é outra coisa” -, trata-se de discriminação. E, hoje, a discriminação nas empresas contra pessoas mais velhas é pior do que a discriminação contra as mulheres. Mesmo que a discriminação de género mereça muito mais atenção do que aquela que atira cinquentenários pela borda fora.

Assim pensa e afirma Lynda Gratton, apresentada como “líder de pensamento sobre o futuro do trabalho, escritora, oradora, influencer”. É professora de Práticas de Gestão na London Business School, “guru” de gestão de trabalho e autora de diversos livros, o último dos quais “Redesigning Work: How to Transform Your Organisation and Make Hybrid Work for Everyone” [tradução livre: “Redesenhando o Trabalho: Como Transformar a Sua Organização e Criar Trabalho Híbrido para Todos”]. Já vamos ao trabalho híbrido. Antes, a idade. Ou o “idadismo”, o preconceito contra os mais velhos.

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“A discriminação contra a idade é pior do que a discriminação contra o género”, afirmou Lynda Gratton na semana passada em Lisboa, onde foi oradora na APED Retail Summit, que juntou cerca de 400 pessoas do setor do retalho e distribuição. À CNN Portugal, desenvolveu depois o tema. Para explicar que é preciso fazer com os mais velhos o que se fez com as mulheres. Criar métricas, definir objetivos, desenhar formas de integração.

“Há 30 anos, há 20 anos, nós na Europa percebemos que estávamos a discriminar as mulheres e preparámos todo um conjunto de regulações governamentais e regulações empresariais, e definimos objetivos para dizer ‘precisamos de mais mulheres em posições de liderança’. E, em muitos países, isso tem alcançado um grande sucesso”, explica a professora britânica. “Quando hoje uma empresa fala com os mercados de capitais sobre o ‘S’ de ESG [acrónimo empresarial para Environmental, Social and Governance – preocupações ambientais, sociais e de governo de sociedades], fala da proporção de mulheres em diferentes níveis. Hoje há objetivos, há métricas.”

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“Mas se olharmos para a idade, que também é uma caraterística pessoal, nada disto existe”, salienta.

“Estereótipos sem base em evidências”

Gratton recorre a indicadores estudados nos Estados Unidos, onde cerca de 75% das pessoas com idade acima dos 50 anos dizem “eu já fui discriminado por causa da minha idade”.

“É um número muito grande”, diz Lynda Gratton.

Por outro lado, cita a especialista, um estudo já mostrou que “se usarmos o mesmo Curriculum Vitae para nos candidatarmos a um emprego e a única coisa que mudarmos for a idade da pessoa, então essa pessoa nem conseguirá ir a uma entrevista. Se tivermos mais de 50 anos não conseguiremos sequer ser chamados à entrevista de emprego. Há provas claras de discriminação.”

A questão é que não só isto é discriminatório, como se baseia em fatos falsos ou não provados.

Mas quem discrimina? “Todos”, responde, “todos discriminamos. A sociedade discrimina pessoas mais velhas! E criam-se estas visões ridículas de ‘as pessoas mais velhas não querem aprender nada’, ou ‘as pessoas mais velhas não conseguem construir competências digitais – não há nenhuma evidência disso! São só estereótipos”, exclama.

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Um erro total

Tudo isto não importaria muito “se tivéssemos uma enorme proporção de jovens que pudessem trabalhar”, sublinha Gratton. “Mas o desafio que vocês têm em Portugal” é semelhante ao de muitos países europeus, “uma população a envelhecer” e “uma população a diminuir”.

“Por isso, se uma empresa disser ‘queremos mesmo pessoas de 20 anos porque eles vão ser espantosos’, ok, eles simplesmente não estão aí. O que há é uma data de pessoas com mais de 50 anos.” Por isso, o que é preciso é “pensar em como trazer de novo pessoas de 50 anos para as organizações”.

Até porque a empresa precisa que os trabalhadores sejam um reflexo dos consumidores – “e o que sabemos é que os clientes mais velhos gostam de lidar com funcionários no seu grupo etário”. Ora, em sectores como o do retalho, “há um bónus extra”, porque “à medida que os seus trabalhadores estão a envelhecer – adivinhe! -, os seus consumidores também estão a envelhecer”.

Já existem hoje bons exemplos, empresas que já integraram trabalhadores mais velhos. E o que fizeram elas? “Bom, definiram objetivos; tentaram trazer pessoas de novo e juntaram um “pacote” para as pessoas acima de 50 anos, assim como tinham feito para tentar trazer mulheres”, especifica. E isso passa por métricas, objetivos, mas também perceber “que tipo de trabalho as pessoas acima dos 50 querem fazer e como querem fazê-lo”.

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Hoje toda a gente quer flexibilidade e os acima de 50 anos nem são os que dela mais necessitam, analisa Lynda Gratton, quem mais precisa são as pessoas na casa dos 30 anos, por causa dos filhos. Daí o trabalho híbrido, que costuma aplicar-se ao presencial e ao remoto, como herança da pandemia.

Mas “o que as pessoas não perceberam” foi que flexibilidade “não é uma questão de onde, é uma questão de quando”, afirma. Ou seja, mais do que o local onde estão – se em casa ou no escritório -, o que as pessoas mais pretendem é ter a flexibilidade de tempo para trabalhar e para compatibilizar com a vida pessoal.

É inevitável olhar para este futuro do trabalho, frisa. Incluindo quando à idade. “Globalmente, hoje 1 em cada 12 pessoas tem mais de 65 anos; em 2050 será 1 em cada 6”. Daí ser necessário ter em mente três fatores que vão moldar o trabalho e as sociedades: as pessoas estão a viver mais tempo (e, nos países desenvolvidos, a ter menos filhos); as máquinas e a inteligência artificial estão a transformar os negócios; e estão a crescer as carreiras duais e a desigualdade.

Um dos fatores evidentes, diz Lynda Gratton, é que estamos a viver mais anos e, com esta demografia, teremos também de trabalhar mais anos. “Ninguém vai trabalhar apenas até aos 62 anos” e “depois viver mais 30 anos na reforma”, afirma, numa referência às manifestações em França contra o aumento da idade de reforma. “Até porque isso seria um fardo insuportável sobre a geração mais nova”. “Vamos trabalhar até aos 70, por mais que nos digam que não”, conclui.

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