Pedro Bello lutou, até ao último minuto, pela vida da filha. Mas o cancro, mais forte do que a vontade da família, levou Joana aos 16 anos. Não há palavra na língua portuguesa que descreva a nova condição deste pai. “A minha forma de superar isto foi entregar-me ao trabalho. Mas sei que não é assim com a maioria das pessoas”, conta à CNN Portugal. O casamento não aguentou esta perda e a casa mergulhou num “silêncio sepulcral”.
Pedro vai sentar-se nesta quinta-feira, 25 de novembro, nas galerias da Assembleia da República, enquanto os deputados votam as nove propostas para aumentar de cinco para 20 dias o período de luto pela morte de um filho. Fá-lo enquanto pai e voluntário da Acreditar, a associação que ajuda famílias de crianças com cancro e que conseguiu colocar o tema no Parlamento, com uma petição com mais de 83 mil assinaturas.
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"Dois anos depois da morte da Joana, dava por mim a ir e vir do trabalho a chorar. A cicatriz fica para a vida toda”, resume. Ainda assim, este antigo funcionário da banca garante que a passagem do luto para 20 dias vai permitir a inúmeras famílias “reorganizar” as suas vidas, arrumando os pertences do filho perdido, ajudando a apoiar outros irmãos ou mesmo a tratar da burocracia.
Os deputados têm pressa em fechar este tema antes da dissolução da Assembleia da República no final de novembro, para que esse passo não atire o tema para a próxima legislatura. Por isso, depois da votação das propostas em plenário, os parlamentares vão reunir-se logo em comissão para acertar um texto comum. O mesmo sobe, no dia seguinte, para votação final global, confirmou a CNN Portugal junto dos diferentes partidos.
Nove propostas, uma vontadeÀ boleia da petição da Acreditar, PS, PSD, Bloco de Esquerda, PCP, PAN, Iniciativa Liberal, Chega e as duas deputadas não inscritas fizeram entrar no Parlamento oito propostas para aumentar o período de luto parental para 20 dias, alterando o Código do Trabalho. A aprovação, neste elemento concreto, é praticamente certa. “Existe uma grande convergência entre os vários partidos”, refere José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda.
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Além dos bloquistas, o PAN e as deputadas não inscritas aproveitam a oportunidade para lançar outro tema: o do luto gestacional. Para a porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, a morte de um filho ainda no útero é “um luto invisível, que a sociedade nem sempre reconhece”, implicando grande sofrimento à mulher. É esperado que a esquerda se alinhe para introduzir este novo período de luto no texto comum, estabelecendo igualmente uma dispensa do trabalho até 20 dias para ambos os pais.
Já o PSD, também preocupado com o lado das empresas, insere na sua proposta uma particularidade. “A diferença do nosso projeto de lei é quem suporta estes encargos”, explica a deputada Sandra Pereira. A lei define, atualmente, que os cinco dias de luto são cobertos pela empresa. Os sociais-democratas querem agora, com o novo período, que os restantes dias sejam cobertos pela Segurança Social. Sandra Pereira explica que não haveria uma sobrecarga considerável sobre o Estado já que, em muitos casos, as famílias têm já recorrido a baixas para ter um período de luto maior pela morte de um filho.
A CNN Portugal procurou também um contributo do PS, que não foi possível até à publicação deste artigo. A proposta socialista reconhece a “manifesta insuficiência da resposta da atual legislação laboral” e cita outros exemplos europeus: se na Dinamarca é dado um período de 26 dias aos pais, há outros onde esse direito é de apenas um dia, como acontece em Itália, Malta e Eslováquia.
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