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A amizade entre o Irão e a Rússia é mais complicada do que parece

Na sua primeira viagem para fora da antiga União Soviética, desde a guerra na Ucrânia, Putin aterrou na terça-feira na capital iraniana, Teerão

Houve uma imagem distribuída pelos média iranianos na terça-feira, da reunião entre os líderes da Rússia e do Irão, que se destacou. O presidente russo, Vladimir Putin, é visto a apertar a mão ao líder supremo do Irão, o aiatola Ali Khamenei, no momento em que os dois governantes - ambos líderes de países ricos em petróleo a lutar contra as penosas sanções ocidentais - se gabam da sua estreita parceria.

A Rússia e o Irão dizem que estão agora mais próximos do que nunca, já que ambos os estados são reprimidos pelo Ocidente. Mas alguns observadores dizem que a amizade amplamente publicitada dos dois países tem um passado tumultuoso e um futuro difícil.

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Na sua primeira viagem para fora da antiga União Soviética, desde a guerra na Ucrânia, Putin aterrou na terça-feira na capital iraniana, Teerão, onde se encontrou com o presidente iraniano Ebrahim Raisi, bem como com o governante mais importante do país, Khamenei.

A visita de Putin fez parte de uma reunião trilateral com Raisi e Recep Tayyip Erdogan, o líder do país-membro da NATO, a Turquia, que até agora se recusou a participar nas sanções russas e se ofereceu para desempenhar um papel de mediador entre Moscovo e Kiev.

Mas alguns analistas estão céticos quanto à verdadeira força da amizade declarada entre a Rússia e o Irão, com alguns a dizer que a reunião foi principalmente para mostrar ao público uma potencial cooperação em oposição ao apoio mais modesto que ambos os países atualmente dão um ao outro.

No passado, a Rússia sempre “prometeu muito e cumpriu pouco”, disse Ali Vaez, diretor de projetos sobre o Irão no Crisis Group, um grupo de reflexão da cidade de Washington, e a Rússia chegou até “a apunhalar o Irão pelas costas, repetidamente, vendendo-o à maior licitação.”

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Mas as opções para o Irão e para a Rússia são limitadas, acrescentou, e, portanto, eles não se podem dar ao luxo de se afastar.

O momento da reunião também é pertinente, acontecendo apenas alguns dias depois de o presidente dos EUA, Joe Biden, ter encerrado uma digressão ao Médio Oriente que muitos esperavam render mais petróleo e forjar uma aliança regional mais forte contra o Irão, mas que terminou com Biden a voltar para casa de mãos vazias.

A República Islâmica do Irão acusou os EUA de mobilizarem a região contra o país, espalhando a instabilidade e a “iranofobia”.

A reunião é, do ponto de vista de Teerão, “um sinal de força em resposta à tentativa americana de se mostrar responsável pela região”, disse Mohammad Marandi, professor da Universidade de Teerão, a Becky Anderson, da CNN, na terça-feira, acrescentando que a viagem de Biden à Arábia Saudita “talvez tenha sido vista como um sinal de fraqueza” e “representa um relativo declínio dos Estados Unidos”.

A Rússia está em semelhante posição isolada, depois de se tornar o país mais fortemente sancionado do mundo em seguimento da invasão da Ucrânia. O Irão vem em segundo lugar, segundo o Castellum.Ai, que acompanha as sanções.

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Os dois estados ricos em petróleo estavam ansiosos para mostrar a sua estreita aliança na reunião de terça-feira, com o Irão a demostrar um forte apoio ao esforço de guerra da Rússia na Ucrânia.

Numa reunião bilateral com Raisi, Putin disse estar “muito satisfeito por estar no hospitaleiro solo iraniano” e que os dois países “se podem gabar de números recordes em termos de crescimento comercial”.

As negociações também resultaram num acordo de 40 mil milhões de dólares entre a companhia nacional de petróleo do Irão e a estatal russa de gás, a Gazprom, segundo um comunicado da Shana, a agência de notícias do Ministério do Petróleo do Irão. O memorando de entendimento visa desenvolver campos de gás iranianos e construir novos oleodutos para exportação.

No entanto, a economia fortemente limitada do Irão e os investimentos anteriores da Rússia no estado do Golfo Pérsico estão a gerar ceticismo sobre se o acordo se irá realmente materializar.

O acordo com a Gazprom é um exemplo das complexidades enfrentadas pela estreita cooperação russo-iraniana, diz Esfandyar Batmanghelidj, fundador e CEO do grupo de reflexão londrino Bourse & Bazaar Foundation.

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“Faz parte de uma ostentação de visitas de estado”, disse ele. “Não obriga a Rússia a investir e a Rússia não vai investir no setor de energia do Irão, enquanto este estiver sob sanções mais rígidas do que o setor de energia da Rússia.”

O investimento no setor de energia do Irão “desencadearia medidas coercivas por parte dos EUA que comprometeriam as contínuas exportações de energia da Rússia para a Europa e para outros países”, acrescentou Batmanghelidj.

Ao contrário da Rússia, o Irão está sob sanções secundárias dos EUA que colocam as empresas ou os indivíduos que lidam com o Irão em risco de serem penalizados.

A Gazprom já tinha assinado um acordo de gás com a Companhia Nacional de Petróleo do Irão, em 2016, quando o Irão ainda não tinha estas sanções secundárias, mas que “não levou a lado algum” devido às várias barreiras que restringem a economia do Irão, disse Batmanghelidj.

No passado, a Rússia dificultou a política iraniana quando se apresentou como um obstáculo aos seus principais interesses.

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Recentemente, os dois países também estiveram envolvidos numa tensa competição energética quando se debateram para encontrar compradores para o seu petróleo sancionado. À medida que o Ocidente começou a barrar o petróleo russo, Moscovo tem estado a namorar a última tábua de salvação de Teerão para as exportações de energia - a China -, levando a uma guerra de preços do petróleo onde a Rússia ainda mantém a vantagem.

E, em março, a Rússia surgiu como um obstáculo temporário nas negociações nucleares com o Irão, pedindo garantias que protejam os seus próprios interesses nacionais enquanto as sanções ocidentais caíram sobre Moscovo.

“O historial está cheio de muitas experiências negativas, onde o Irão se sentiu prejudicado pela Rússia”, disse Batmanghelidj, acrescentando que em muitas situações a Rússia agiu como “um país implacável e egoísta” nas suas relações com o Irão.

“Demora muito tempo até que dois países construam uma relação genuína de confiança”, disse ele.

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Embora haja relativamente pouco que a Rússia possa esperar que o Irão faça para ajudá-la a emergir da economia fortemente sancionada, os EUA alertaram que Teerão está a planear ajudar a Rússia no campo de batalha na Ucrânia.

No início de julho, a Casa Branca disse que o Irão deve fornecer à Rússia “centenas” de drones - incluindo drones com capacidade de armas - para serem usados na guerra na Ucrânia, e que o Irão está a preparar-se para começar a treinar soldados russos no uso desses mesmos drones, ainda este mês.

O Irão negou a venda de drones à Rússia mas, na terça-feira, os média iranianos informaram que o Irão está pronto para exportar equipamentos militares e armas para os países amigos, citando um general do exército iraniano.

A experiência que o Irão tem na evasão às sanções também pode ser útil para a Rússia, disse Vaez, mostrando a Moscovo os truques - e as limitações - de viver com uma economia restringida.

“Acho completamente natural que ambos os lados estejam a pensar em criar um clube de estados sancionados”, acrescentou, “mas acho que também há limites para o quão longe eles podem ir”.

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