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Como os Estados Unidos estão a exportar a inflação para outros países – incluindo Portugal

Escalada do dólar faz com que muitos produtos - como alimentos e combustíveis - fiquem muito mais caros. Mas não é a única consequências para outros países, incluindo os europeus, como Portugal.

A Reserva Federal dos Estados Unidos está focada no controlo dos aumentos de preços. Mas países a milhares de quilómetros de distância estão a cambalear na sua dura campanha para estrangular a inflação, com os seus bancos centrais a serem forçados a aumentar as taxas de juro cada vez mais depressa, e com a valorização do dólar a afundar o valor das suas moedas.

“Estamos a ver a Fed [banco central dos EUA] ser tão agressiva como tem sido desde o início dos anos 80. Eles estão dispostos a tolerar um desemprego mais elevado e uma recessão”, diz Chris Turner, chefe global dos mercados do banco ING. “Isso não é bom para o crescimento internacional”.

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A decisão da Reserva Federal de aumentar as taxas em 0,75 pontos percentuais em três reuniões consecutivas, ao mesmo tempo que sinaliza que mais subidas estão a caminho, levou os seus homólogos em todo o mundo a tornarem-se também mais duros. Se ficarem muito atrás da Reserva Federal, os investidores poderão retirar dinheiro dos seus mercados financeiros, causando graves perturbações.

Os bancos centrais na Suíça, Reino Unido, Noruega, Indonésia, África do Sul, Taiwan, Nigéria e Filipinas seguiram a Fed no aumento das taxas na última semana.

A posição da Fed também impulsionou o dólar para máximos de duas décadas contra um cabaz de moedas principais. Embora isso seja útil para os americanos que querem ir às compras ao estrangeiro, são muito más notícias para outros países, uma vez que o valor do yuan, do iene, da rupia, do euro e da libra caem, tornando mais cara a importação de artigos essenciais como alimentos e combustíveis. Esta dinâmica - em que a Fed essencialmente exporta inflação - aumenta a pressão sobre os bancos centrais locais.

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“O dólar não se fortalece isoladamente. Tem de se fortalecer contra algo”, explica James Ashley, chefe da estratégia de mercado internacional da Goldman Sachs Asset Management.

As consequências punitivas da rápida valorização do dólar tornaram-se mais claras nos últimos dias. O Japão interveio na passada quinta-feira pela primeira vez em 24 anos para apoiar o iene, que mergulhou 26% em relação ao dólar até agora. (O Banco do Japão tem-se mantido como um dos principais bancos centrais fora da tendência e tem resistido à subida das taxas de juro, apesar de uma subida da inflação).

A China está a observar os mercados cambiais, após o yuan ter deslizado para o seu nível mais baixo em relação ao dólar desde a crise financeira global, enquanto a Presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, avisou na segunda-feira que a forte depreciação do euro “contribuiu para a acumulação de pressões inflacionistas”.

O Reino Unido mostra quão rapidamente a situação pode sair de controlo à medida que os investidores globais o asfixiam depois de ser apresentado o plano de crescimento económico do novo governo. A libra britânica caiu para um nível recorde em relação ao dólar na segunda-feira, após a pouco ortodoxa experiência de implementação de grandes cortes fiscais, ao mesmo tempo que o aumento da dívida do Reino Unido fez soar o alarme.

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O caos que se seguiu obrigou o Banco de Inglaterra a anunciar um programa de emergência de compra de obrigações para tentar estabilizar os mercados, e levou a uma admoestação do Fundo Monetário Internacional, que disse que o governo do Reino Unido deveria reconsiderar as suas propostas.

O sistema financeiro global é “como uma panela de pressão” neste momento, diz Turner. “É preciso ter políticas fortes e credíveis, e qualquer erro de política é punido”.

A ameaça aos mercados emergentes

O Banco Mundial advertiu recentemente que o risco de uma recessão global em 2023 aumentou, à medida que os bancos centrais em todo o mundo aumentam as taxas de juro ao mesmo tempo, em resposta à inflação. E disso também que a tendência poderia resultar numa série de crises financeiras em economias em desenvolvimento - muitas ainda a recuperar da pandemia – “que lhes causariam danos duradouros”.

As maiores consequências podem ser sentidas nos países que emitiram dívidas denominadas em dólares. O pagamento dessas obrigações torna-se mais caro à medida que as moedas locais se desvalorizam, forçando os governos a reduzir as despesas noutras áreas ao mesmo tempo que a inflação selvagem reduz o nível de vida.

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A diminuição das reservas cambiais é também motivo de preocupação. A escassez de dólares no Sri Lanka contribuiu para a pior crise económica da história do país e forçou o seu presidente a abandonar o cargo no início deste ano.

Os riscos são postos a nu pela dimensão da subida das taxas de juro em muitos destes países. O Brasil, por exemplo, manteve as taxas de juro estáveis este mês, mas só depois de 12 aumentos consecutivos que colocaram a sua taxa de referência em 13,75%.

O banco central da Nigéria subiu as taxas para 15,5% na terça-feira, muito mais do que os economistas esperavam. Numa declaração, o banco central observou que “o atual aperto da política monetária pelo Federal Reserve Bank dos EUA está também a exercer uma pressão ascendente sobre as moedas locais em todo o mundo, com repercussão nos preços internos”.

Pode a dor ser travada?

Na última vez que o dólar sofreu uma ascensão semelhante, no início dos anos 80, os decisores políticos dos Estados Unidos, Japão, Alemanha, França e Reino Unido anunciaram uma intervenção coordenada nos mercados cambiais que ficou conhecida como o “Plaza Accord”.

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A recente escalada do dólar, e a dor que causou a outros países, desencadeou conversas de que talvez seja altura de fazer outro acordo. Mas a Casa Branca atirou água fria sobre a ideia, o que faz com que pareça improvável por agora.

“Não prevejo que seja para aí que vamos”, disse Brian Deese, o diretor do Conselho Económico Nacional, na terça-feira.

Entretanto, espera-se que a Reserva Federal mantenha o curso. Isso significa que o dólar poderá ainda subir mais, e que outros bancos centrais não poderão relaxar.

A força adicional do dólar, e as taxas mais elevadas dos EUA, são “algo absolutamente que deveríamos estar a antecipar, e as consequências disso são realmente bastante profundas”, conclui Ashley, da Goldman Sachs Asset Management.

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